Preços altos e preocupação com bateria travam adoção de carros elétricos nos EUA

Tarifas sobre importações chinesas podem reduzir concorrência, aumentar custos e desincentivar adoção de modelos elétricos, dizem especialistas

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Aime Williams Claire Bushey
Washington e Chicago | Financial Times

Clint e Rachel Wells tinham motivos para considerar a compra de um carro elétrico ao substituir um de seus carros. Mas tinham ainda mais motivos para continuar com gasolina. O casal mora em Normal, no estado americano de Illinois, que teve um impulso econômico com a fábrica local Rivian, de carros elétricos.

Veículos elétricos são um avanço em relação a "usar dinossauros mortos" para abastecer carros, diz Clint Wells, e ele quer apoiar isso. Mas o casal decidiu comprar "o que era acessível", um Honda Accord a gasolina custando US$ 19 mil (R$ 103,6 mil) após a troca.

Um veículo elétrico com preço de US$ 25 mil (R$ 136,3 mil) teria sido tentador, mas apenas cinco novos modelos elétricos com custo inferior a US$ 40 mil (R$ 218,1 mil) chegaram ao mercado dos Estados Unidos em 2024. A fabricante local foca em veículos de luxo. Seu modelo mais barato saí por US$ 69 mil (R$ 376,3 mil).

"Não é acessível para nós neste momento de nossas vidas", diz Rachel Wells.

Pátio da Tesla, empresa de Elon Musk que fabrica carros elétricos. - Stephen Lam/REUTERS

Os Wells estão entre milhões de americanos que optam por continuar comprando carros a combustão em vez de elétricos. A meta do presidente Joe Biden é que veículos elétricos representem metade dos carros novos vendidos nos EUA até 2030. No ano passado, a proporção foi de 9,5%.

Os altos preços e altas taxas de juros, combinados com preocupações sobre autonomia dos carros e infraestrutura de carregamento, diminuíram o entusiasmo dos compradores —mesmo entre aqueles que se consideram ecologicamente corretos.

Enquanto melhora a tecnologia de veículos elétricos e cresce a popularidade dos carros elétricos, o ritmo das vendas diminui. Montadoras estão repensando os planos de fabricação e reduzindo a produção planejada em favor de carros a combustão e híbridos.

Os veículos elétricos estão na encruzilhada de duas prioridades do governo Biden: combater as mudanças climáticas e proteger empregos.

Biden se comprometeu a reduzir as emissões de gases de efeito estufa dos EUA entre 50% e 52% abaixo dos níveis de 2005 até 2030, com adoção de veículos elétricos sendo uma parte significativa dessa promessa.

Mas ele quer alcançar isso sem recorrer a importações da China, maior produtor mundial de veículos elétricos e ator dominante na fabricação dos componentes dessa indústria.

Washington estabeleceu uma política industrial que penaliza fabricantes chineses de carros, baterias e outros componentes com tarifas punitivas e restringe incentivos fiscais para os consumidores de seus produtos.

A ideia é permitir que os EUA desenvolvam suas próprias cadeias de suprimentos, mas analistas dizem que tal protecionismo resultará em preços mais altos. Isso pode estagnar as vendas e resultar nos EUA em terceiro lugar na corrida dos elétricos, atrás da China e Europa, colocando em risco as metas do governo Biden, assim como a própria adoção global de veículos elétricos.

O World Resources Institute diz que entre 75 e 95% dos novos veículos vendidos até 2030 precisam ser elétricos para que as metas do acordo de Paris sejam alcançadas.

"Não estamos produzindo os modelos elétricos que os consumidores desejam a um preço que desejam", diz Everett Eissenstat, ex-autoridade sênior do Representante de Comércio dos EUA.

Há créditos de até US$ 7.500 (R$ 40,9 mil) para os compradores, mas o valor total só está disponível para os modelos fabricados nos EUA com minerais e componentes de bateria também obtidos no país.

Isso significa que poucos carros se qualificam para o crédito máximo. Dois anos após a aprovação da IRA (sigla em inglês para Lei de Redução da Inflação), que estabeleceu a ambiciosa estratégia de transição verde de Biden, existem apenas 12 modelos que se encaixam nos requisitos.

A lei também ofereceu centenas de bilhões de dólares em subsídios e outros incentivos a empresas investem na indústria de energia limpa nos EUA. A medida beneficia o setor automotivo.

No mês passado, o governo Biden foi ainda mais longe, impondo novas tarifas sobre mercadorias importadas da China. Isso incluiu tarifas quatro vezes mais caras sobre veículos elétricos importados, três vezes mais caras sobre baterias de íon de lítio chinesas para 25% e a imposição de uma tarifa de 25% sobre grafite, usado em baterias.

As tarifas foram uma extensão do pacote primeiro imposto pelo então presidente Donald Trump, como parte de sua guerra comercial com a China em 2018, e estão sob revisão pelo governo Biden, que tenta responder ao que chama de subsídios injustos da China a indústrias estratégicas.

Poucos carros elétricos chineses estão disponíveis para venda nos EUA. A Polestar é a única montadora da China atualmente ativa no país e vendeu somente 2.210 carros no primeiro trimestre —de quase 269 mil novas vendas de veículos do tipo. (A empresa planeja começar a fabricar nos EUA este ano.)

Mais significativas do que as tarifas sobre carros elétricos chineses são as sobre baterias de íon de lítio e materiais usados para fabricá-las.

A China é uma peça-chave na cadeia de suprimentos de baterias de veículos elétricos. Empresas como BYD e CATL desenvolveram a capacidade do país ao longo de mais de uma década, dominando o processamento dos minerais contidos nas baterias e fabricação de seus componentes.

De acordo com dados analisados pelo CSIS (Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais), montadoras baseadas nos EUA têm importado uma parcela crescente de suas baterias da China. No primeiro trimestre de 2024, mais de 70% das baterias de carros importadas vieram do país.

As tarifas aumentarão os custos de fabricação para as montadoras nos EUA e esse custo provavelmente será repassado aos consumidores porque os componentes de bateria atualmente não estão disponíveis em grandes quantidades em nenhuma cadeia de suprimentos que exclua a China.

Autoridades comerciais dos EUA fazem paralelos com a indústria solar. O custo dos painéis fotovoltaicos caiu em todo o mundo à medida que os fabricantes chineses, beneficiando-se de subsídios, custos trabalhistas mais baixos e escala crescente, passaram a dominar a indústria.

Isso tem sido benéfico para os consumidores, mas resultou na produção e empregos se deslocando dos EUA para a China, algo que o país não quer que se repita no setor automotivo.

Em ano eleitoral, a questão também tem contornos políticos. Os estados de Michigan e Ohio, ambos com grande número de trabalhadores automotivos, são estados chaves no pleito presidencial. Tanto Biden quanto Trump estão tentando atrair eleitores da classe trabalhadora desses estados.

Preservar empregos na indústria automotiva dos EUA à medida que ela avança para a tecnologia verde envolve em grande parte a questão da cadeia de suprimentos. Mais da metade das 995 mil pessoas empregadas na indústria automotiva do país fabricam peças e não veículos, de acordo com o Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos EUA.

Esses veículos já ameaçam empregos, porque seus sistemas de conjunto motriz têm menos componentes do que carros com motores e transmissão tradicionais. O sindicato United Auto Workers defenderam, durante greve de seis semanas no ano passado, que fábricas de baterias nos EUA fossem cobertas pelos mesmos contratos que protegem trabalhadores em fábricas de veículos a gasolina, conseguindo acordo com a GM (General Motors).

Ilaria Mazzocco, especialista em negócios e economia chinesa no CSIS, diz que a redução da concorrência e o aumento do custo de componentes de bateria importados podem atrasar a redução de preços para os consumidores dos EUA.

"Não é apenas que o custo é menor na China, é que lá você tem uma variedade maior", diz ela. "Montadoras dos EUA terão o luxo de não ter concorrência e poderão se concentrar em fabricar esses caminhões de alto custo (referência a sedãs e SUVs maiores, que têm margens de lucro maiores)".

A acessibilidade, a falta de infraestrutura de carregamento e a ansiedade com a autonomia também são preocupações para compradores dos EUA.

O preço de um novo carro elétrico foi em média um pouco menos de US$ 57 mil (R$ 310 mil) em maio, em comparação com a média estimada de US$ 48 mil (R$ 261,8 mil) para veículos com motor tradicional.

O Ford F-150 Lightning, versão eletrificada da picape mais vendida nos EUA, foi anunciado por US$ 42 mil (R$ 229 mil) quando foi lançado em maio de 2022, mas agora começa em US$ 55 mil (R$ 300 mil) —mais de US$ 11 mil (R$ 60 mil) acima do que a versão a gasolina.

Veículos elétricos usados são mais baratos, com carros com menos de cinco anos custando cerca de US$ 34 mil (R$ 185,4 mil) de acordo com a Cox Automotive. Mas eles continuam sendo mais caros do que carros usados com motores tradicionais, que custam em média cerca de US$ 32,1 mil (R$ 175 mil) e representam apenas 2% a 3% das vendas de modelos usados.

Diversas montadoras prometem no curto prazo modelos de carros mais acessíveis para o mercado americano. Mas ainda haverá o obstáculo como a escassez de infraestrutura de carregamento, com aqueles que não podem instalar um carregador em casa ou por morarem em apartamentos, que dependem de instalações de carregamento público.

De todos cerca de 120 mil postos de gasolina nos EUA, de acordo com o Departamento de Energia, existem apenas 64 mil estações de carregamento público para carros elétricos —e apenas 10 mil delas são de corrente contínua, que podem recarregar uma bateria em 30 minutos.

Potenciais compradores também se preocupam que modelos a bateria tenham pouca autonomia com uma única carga. Embora os carros elétricos sejam adequados para viagens curtas, muitos americanos também usam seus veículos para maiores distâncias, e preocupam-se que carregar a bateria durante o trajeto possa aumentar a duração da viagem ou até mesmo deixá-los na mão. O clima frio e carros pesados podem diminuir a autonomia da bateria.

"O que estamos vendo é que o ritmo de crescimento dos modelos elétricos é mais rápido do que a taxa de crescimento de carregadores publicamente disponíveis", diz John Bozzella, diretor executivo do grupo comercial automotivo dos EUA, a AAI (Aliança para Inovação Automotiva).

Muitas montadoras globais estão fazendo grandes investimentos em fábricas de manufatura nos EUA, em resposta aos incentivos do governo. Mas o desaceleramento das vendas fazem com que elas direcionem esses investimentos para veículos híbridos.

No mês passado, executivos da GM, Nissan, Hyundai, Volkswagen e Ford afirmaram que atender à demanda por híbridos era uma prioridade.

Bozzella diz que mesmo com as medidas de proteção tarifária e subsídios dos EUA em vigor, não há certeza de quanto tempo levaria para a indústria automobilística dos EUA produzir veículos elétricos competitivos em termos de preço com os modelos chineses fortemente subsidiados.

"Veículos elétricos dos EUA agora, de empresas americanas, são absolutamente competitivos com os veículos elétricos ao redor do mundo", diz ele. "Mas se você quer saber em termos de preço, bem, isso é uma questão completamente diferente, e minha resposta é: não tenho certeza".

Van Jackson, ex-funcionário da administração Obama e professor de relações internacionais na Universidade de Victoria, na Nova Zelândia, diz que carros elétricos ainda ficar mais baratos se o mercado quiser crescer substancialmente.

Ele é cético sobre se fechar o mercado dos EUA ao principal produtor mundial de veículos elétricos e componentes reduzirá o preço dos carros e incentivará a adoção da tecnologia.

"As sobretaxas [do governo americano aos produtos chineses] estão comprando tempo [para o desenvolvimento da indústria]", diz ele. "Mas sem um fim específico."

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