Descrição de chapéu Startups & Fintechs

Ressaca de investimentos deve durar menos para pequenas e médias startups

Em cenário de incerteza, fundos de venture capital preferem injetar dinheiro em negócios enxutos e eficientes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo e Rio de Janeiro

O mercado de investimentos em startups ainda está de ressaca. Foram recordes consecutivos em 2020 e 2021, mas fortes baixas em 2022. Agora, pequenas e médias empresas devem ser as primeiras a se curar, ainda que o prazo seja incerto.

A Folha ouviu 14 agentes do mercado, entre gestores de fundos de VC (venture capital) e fundadores de startups, para entender as previsões para os próximos meses. O VC é um veículo de investimento focado em empresas de até médio porte com expectativa de alto crescimento.

Levantamento da consultoria KPMG apontou que esses fundos investiram US$ 164 milhões (R$ 819,7 milhões) em startups brasileiras no primeiro trimestre de 2023 —o valor é o menor desde o início de 2019, às vésperas da pandemia de Covid-19 e do crescimento do setor.

Homem branco com barba e cabelos pretos veste jaqueta preta e calça jeans e segura um pé de alface em galpão da startup que fundou, dedicada a vender produtos orgânicos fora do padrão estético. Ele está sentado sobre alguns caixotes vermelhos e cercado por outros cheios de alimentos
Eduardo Petrelli, fundador da Mercado Diferente, startup que vende alimentos orgânicos fora do padrão estético - Lucas Seixas/Folhapress

O estudo, por outro lado, apontou que 6 em cada 10 empresas que conseguiram captar dinheiro neste ano participaram de rodadas de estágios iniciais de investimentos (as chamadas anjo, pré-seed e seed). Isso significa que essas startups ainda estão em fase de amadurecimento.

A justificativa passa pelo receio dos investidores. Segundo o banco de dados Pitchbook, os fundos de VC continuaram captando centenas de milhões de dólares nos últimos trimestres, mas não investiram tais recursos. Ou seja, os gestores estariam com muito dinheiro em mãos, mas esperando um melhor momento para soltá-los.

Em 2022, os fundos de VC que atuam apenas no Brasil captaram US$ 639 milhões (R$ 3,2 bilhões) —queda de 20% em relação ao ano anterior. No mesmo período, startups do país receberam aporte de US$ 3,9 bilhões (R$ 19,5 bilhões), 51% a menos em relação ao ano anterior. Ou seja, o recuo no volume de investimento dos fundos foi maior do que o de captação.

"Apesar de o investimento de venture capital ser de longo prazo, há várias incertezas no cenário: redução de liquidez, incertezas geopolíticas e novas tecnologias surgindo, como inteligência artificial. É uma série de fatores que fazem com que o gestor de VC prefira segurar o dinheiro", diz Fernando Silva, sócio da gestora Crescera Capital.

"Em geral, quando o mercado está voltando de uma crise, ele costuma ir por meio de rodadas iniciais. Os cheques são menores e se tratam de empresas mais enxutas e mais eficientes. É mais escalável para o atual momento."

Tal pensamento é compartilhado por Rodrigo Guedes, diretor-gerente da KPMG. "Há muito mais empresas nesses estágios do que nos maduros, e o investimento nelas é mais baixo que nas maiores, então é natural que aconteçam mais rodadas nos estágios iniciais."

Foi o que ocorreu com a startup 77Sol, que auxilia empresas que instalam placas solares a prestar seus serviços, comprar equipamentos e obter créditos com bancos. No meio do ano passado, a empresa queria captar R$ 50 milhões de fundos de venture capital, mas precisou diminuir para R$ 14 milhões.

Homem branco com barba e cabelo castanho claro é fotografado de cima em um galpão com painéis solares enfileirados. Ele veste uma camiseta branca e usa um relógio no braço esquerdo
O fundador Luca Milani no galpão da 77sol, startup que faz marketplace de aparelhos de energia solar - Lucas Seixas/Folhapress

"Muitos fundos negaram, dizendo que não era o momento ou a tese deles. A rodada ficou aberta desde outubro. Conseguimos fechar a primeira palavra com as gestoras em dezembro e captamos no final de fevereiro deste ano", diz Luca Milani, fundador da empresa.

A 77Sol foi criada em 2020 e hoje tem 56 empregados. Outra startup que conseguiu arrecadar em 2023 foi a Mercado Diferente, que vende produtos orgânicos fora do padrão estético. A empresa conseguiu captar R$ 16 milhões depois de já ter obtido R$ 24 milhões no início do ano passado —os dois aportes vieram dos mesmos gestores.

"É importante ter investidores que conheçam e acreditem no modelo de negócio, porque trazer capital novo é muito difícil neste momento", diz Eduardo Petrelli, presidente da startup. A Diferente iniciou as operações no início de 2022 e tem 80 funcionários.

A realidade é um pouco diversa entre os fundos com mais dinheiro. A gestora argentina Kaszek, a maior da América Latina, captou entre fevereiro e março US$ 975 mihões (R$ 4,87 bilhões) para investir em startups da região.

Os dados do Pitchbook não incluem gestoras que, apesar de investir em empresas brasileiras, não têm a sede principal no país, como a Kaszek.

Desse montante é incerto quanto e quando as companhias brasileiras conseguirão atrair. "Não há um prazo, não há um objetivo; nós reagimos a boas oportunidades que batem na nossa porta", afirma Santiago Fossatti, sócio da gestora.

Investidores e empresários com quem a Folha conversou cravam que o dinheiro voltará a circular em peso no mercado só após o Fed (banco central americano) baixar os juros. Isso porque, com a taxa americana alta, investidores estrangeiros preferem aplicar em títulos de renda fixa dos Estados Unidos em vez de buscarem mercados emergentes, como o brasileiro.

"O que aconteceu no Brasil nos anos de 2020 e 2021 foi o que chamamos de dinheiro de helicóptero, quando investidores chegam a um mercado, despejam muito dinheiro e, assim que as condições de mercado mudam, vão embora", disse o cofundador do fundo global Headline Mathias Schilling, durante o evento Web Summit Rio.

Enquanto isso, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) injeta bilhões no mercado.

A partir de junho, o fundo Criatec 4, lançado pelo banco, começará a investir cerca de R$ 300 milhões em 25 a 40 startups que faturam até R$ 16 milhões.

O fundo é gerido pela Crescera e, de acordo com Fernando Silva, a gestora deve fazer três aportes até o final do ano, com cheques de cerca de R$ 10 milhões.

Além disso, o BNDES lançou no início de maio um edital de seleção de seis gestoras de venture capital para investir até R$ 1,45 bilhão em pequenas e médias empresas. A estimativa é que a iniciativa ajude a aumentar os investimentos privados em startups, uma vez que o banco limitou sua participação nos fundos em até 25% do total.

"Esperamos que esses gestores comecem a fazer os primeiros investimentos em meados do ano que vem", afirma Natalia Dias, diretora de Mercado de Capitais e Finanças Sustentáveis do BNDES.

O repórter Artur Búrigo viajou a convite do Web Summit Rio

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.