Deslumbramento e falta de afinidade são erros comuns ao abrir franquia

Antes de investir, é preciso estudar o mercado e a empresa, dizem especialistas

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São Paulo

Com padrões de funcionamento estabelecidos e uma marca mais consolidada, franquias podem oferecer risco menor que empreendimentos próprios. Isso porque, em tese, o franqueador já aprendeu com o processo de tentativa e erro e sistematizou o que dá certo e o que não dá, poupando o franqueado de alguns dissabores.

Mas a perspectiva de baixo risco pode enganar. Alguns empresários confundem a franquia com galinha dos ovos de ouro e escorregam na hora de tocar o negócio. Falta de clareza sobre a demanda de capital, perspectivas irrealistas de lucro e pouca afinidade com o segmento escolhido são alguns dos erros mais comuns.

Também não ajuda que franqueadoras ofereçam, antes de fechar o negócio, lucros inalcançáveis e depois deem pouco ou nenhum suporte.

Foi o que aconteceu com o empresário William Volkmann, 39, de Curitiba. Em 2009, ele se interessou por uma marca de rastreamento de automóveis —serviço que ajuda a localizar carros roubados e a monitorar o movimento de frotas de veículos de empresas— e fechou negócio. "A publicidade era muito forte", conta.

Ele investiu R$ 200 mil para iniciar a operação que, pela natureza do setor, tinha de funcionar 24 horas por dia. A marca exigia padrões estéticos no nível do detalhe, como o formato dos móveis, a marca dos computadores da unidade e a aquisição de portas blindadas, com mais custos. Ainda vendia franquias sem restrições, gerando competição entre parceiros.

Homem branco de calça e camisa social deitado num sofá com os pés sobre um aspirador
O empresário William Volkmann resolveu abrir uma marca própria de limpeza de sofá depois de passar perrengue com uma franquia de rastreamento de veículos - Leticia Moreira/13.jun.2024/Folhapress

Ao fim de seis meses, ele tinha vendido seu Ford Maverick V8, um carro de colecionador, e estava dormindo na loja para cortar custos com funcionários, o que não foi suficiente para evitar a falência. "No sexto mês eu era o único funcionário", afirma. "Tive prejuízo de R$ 250 mil."

Após cerca de dois anos vendendo frango assado e "trazendo muamba do Paraguai" —como ele mesmo define— o empresário decidiu abrir sua marca de limpeza de sofás, tapetes e carpetes, em 2011, a Mr. Sofá. Franqueou pela primeira vez uma década depois, com a empresa já estabelecida. Hoje, tem dez franqueados e faturamento de R$ 1,4 milhão.

Para evitar altos e baixos, Claudio Felisoni, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, recomenda conversar com quem já opera unidades da marca escolhida, além de investigar cuidadosamente as diferentes operações.

Quem deixou um emprego formal para abrir o primeiro negócio deve tomar cuidado redobrado, acrescenta o professor, porque um tropeção pode botar em risco o patrimônio acumulado por anos.

"Um franqueador em série", assim Deiverson Migliatti, 40, hoje dono da marca de cafeterias gourmet Sterna Café, define-se no início da sua jornada como empreendedor. Chegou a ter dez franquias da lanchonete Subway, a partir de 2009, além de unidades de KFC, Morana e Bon Grillê.

"Eu não entendo nada de moda feminina e meu irmão nunca me deixou chegar perto da churrasqueira da família", conta, referindo-se às duas últimas marcas e ao que considera uma de suas principais falhas numa trajetória em geral bem-sucedida: a falta de afinidade com o segmento.

"Imagina que você gosta de maratona e presta concurso para carcereiro", diz Antonio André Neto, professor da FGV e dono do canal Doutor Administração, sobre o caso de Migliatti. "Precisa haver sintonia entre aquilo que a pessoa gosta e aquilo em que ela trabalha, senão ela não vai ter interesse em tocar o negócio."

Homem pardo de camisa preta despeja água quente sobre um filtro de café. Ele está sorrindo
Deiverson Migliatti, dono da Sterna Café - Jardiel Carvalho/Folhapress


Em 2016, Migliatti criou a Sterna Café. Vendeu as demais franquias seis anos depois. Hoje, a marca tem 61 unidades (três próprias) em seis estados e fatura R$ 50 milhões por ano.

"Quando eu pensei em me tornar franqueador, peguei um pouco do melhor de cada uma e empreguei na minha empresa", afirma ele, que, sim, gosta da bebida.

Já Carlos Gonçalves, 50, dono de duas franquias da Ortobom Colchões, diz ter errado ao fazer um processo de seleção apressado na primeira unidade que assumiu, no shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo. "É um lugar de alto padrão, e eu precisava de pessoas com alto nível de fluência verbal", diz.

A loja teve alta taxa de rotatividade até estabilizar seu quadro de funcionários. Hoje, esse é um dos aspectos mais valorizados pelo empresário.

"A cultura local não pode descaracterizar a franquia, mas a franquia precisa levar em consideração a cultura local", diz Rodrigo Abreu, diretor de marketing da ABF (Associação Brasileira de Franchising). Ele ressalta a importância de estudar a localização da unidade, tanto para entender se haverá fluxo de clientes quanto para saber se a operação se adequa ao espaço.

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