Mundo não está imune a armas químicas russas, alerta embaixador britânico

Para Vijay Rangarajan, envenenamento de ex-espião é parte de padrão de intervenção da Rússia

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São Paulo

O mundo deve agir coletivamente para impedir que a Rússia use armas químicas contra cidadãos de outros países e exigir explicações sobre o recente envenenamento de um ex-espião russo na Inglaterra, uma vez que não há garantias de que esse tipo de interferência esteja acontecendo apenas no Reino Unido. A avaliação é do embaixador britânico do Brasil, Vijay Rangarajan, em entrevista à Folha nesta quarta-feira (14), em São Paulo.

“Outros países precisam olhar com muita atenção para as atividades da Rússia, de agentes russos, de diplomatas russos e descobrir o que eles andam fazendo”, afirmou Rangajaran. “Eles andam matando pessoas em outros países? O que países sob ameaça russa podem fazer? Vamos discutir isso com nossos aliados da Otan [aliança militar ocidental] e em outras organizações.”

Mulher observa enquanto militares com roupas de proteção retiram veículo relacionado ao envenenamento de ex-espião russo em Salisbury, na Inglaterra - Adrian Dennis/AFP

Para o diplomata, o envenenamento do ex-agente duplo Serguei Skripal –um cidadão britânico-- e sua filha Iulia, em Salisbury, na Inglaterra, faz parte de um padrão de intervenção do Estado russo —às quais somou as tentativas de influenciar eleições. 

Ele lembrou o caso do ex-agente russo Alexander Litvinenko, que morreu na Inglaterra em 2006 após envenenamento com plutônio, “claramente pelos russos”. E disse que as autoridades britânicas estão investigando “outros casos potenciais”. 

Skripal e a filha foram contaminados por uma variante do agente neurotóxico Novitchok no último dia 4 e estão internados sem recuperar a consciência.

“Temos um alto grau de certeza de que essa é uma neurotoxina russa. Só há um laboratório no mundo que a produz, e ele é russo”, disse Rangajaran. 

“A sutileza dessas armas é que elas não são muito fáceis de serem detectadas. Nós conseguimos, mas muito poucos países têm a capacidade técnica de detectar e analisar essas neurotoxinas. É possível que eles estejam as usando em outros lugares onde não foram descobertos”, afirmou o embaixador.

“Não acredito que o Reino Unido seja o único país em que a Rússia tentou fazer isso.Todos os países, o Brasil também, devem olhar para segurança de seus cidadãos.”

Além das sanções anunciadas nesta quarta pela primeira-ministra Theresa May, o governo britânico vai centrar sua ação na Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq), para quem enviou amostras da substância que contaminou os Skripal. O objetivo é pressionar a Rússia a abrir seus laboratórios ao escrutínio internacional. 

“Gostaríamos que os russos explicassem como essa substância chegou ao Reino Unido e se o Estado russo usou a substância deliberadamente ou se perdeu controle de uma das substâncias mais venenosas feita pela humanidade”, disse.

A Rússia é signatária da Convenção sobre Armas Químicas, que proíbe o uso e a produção dessas armas e dispõe sobre a destruição de seus estoques. A verificação disso cabe à Opaq, vencedora do Nobel da Paz de 2013.

O caso também será levado ao Conselho de Segurança da ONU -- onde, porém, a Rússia tem poder de veto.

O próprio embaixador é cético quanto à possibilidade de que o governo Vladimir Putin colabore

“Neste momento não vejo isso ocorrendo. Vejo uma combinação de desafio barato e um certo desdém, como se dissessem: ‘como ousam questionar a Rússia por assassinar pessoas em outros países?’” Mas vamos questionar, sim. A Rússia não tem direito de assassinar ninguém, apesar de ter um bom histórico disso na Síria.”

“Se os russos acham que é aceitável ser desafiador sobre o uso dessas armas internacionalmente, isso mostra o quão longe eles estão dispostos a ir para debilitar a lei internacional."

Rangajaran vê uma crise de longo prazo e possivelmente uma das mais sérias na história bilateral. Tudo depende, disse, da reação da Rússia.

“Não vemos que estamos provocando uma escalada com a Rússia, mas que é necessário que ela mude de comportamento. Nossa primeira-ministra está extremamente inflexível de que não quer nunca mais ver uma repetição disso.”

Do governo brasileiro, o embaixador afirma que deseja apoio contra o desarmamento e favor da proibição das armas químicas, no âmbito de uma investigação pela Opaq. “Tenho certeza de que o Brasil achará, como nós, que o uso de armas químicas contra civis é uma violação grave.”

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