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The New York Times Facebook

Na frente das câmeras, Mark Zuckerberg evita se tornar viral

Morno e preparado, fundador do Facebook foi tão antipegajoso que as perguntas escorregavam

Zuckerberg aparece de perfil à esquerda, frente a um microfone da sessão; atrás, televisão reproduz a mesma imagem, mas com uma câmera de frente
O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, depõe à Câmara de Representantes dos EUA nesta quarta-feira (11) - Ting Shen/Xinhua
James Poniewozik
The New York Times

As redes sociais vivem e morrem pelo envolvimento. Você serve ao seu público conteúdo provocativo —notícias, opiniões políticas simplistas, fotos de bebês— para que ele mantenha o olhar fixo em você pelo maior tempo possível. 

Quando o chefe do Facebook, Mark Zuckerberg, compareceu ao Congresso na terça e quarta-feiras (10 e 11), parecia estar mirando o desenvolvimento. Enfrentando uma fritura por causa do vazamento de dados e do papel do Facebook na interferência estrangeira na eleição de 2016, ele estava interessado em manter a provocação, e portanto a atenção, no menor nível possível.

Se o mote de plataformas como o Facebook é “pegajosidade”, o efeito morno e preparado de Zuckerberg conseguiu o contrário. Ele foi tão antipegajoso que as perguntas escorregavam por ele. 

Washington estava preparada para um embate desde as revelações de que dezenas de milhões de usuários tiveram seus dados “raspados” pela firma de consultoria política Cambridge Analytica.

Os grandes canais de notícias transmitiram a audiência ao vivo. Zuckerberg se sentou na terça-feira diante de um mar de câmeras, uma metáfora adequada, embora pesada, da invasão de privacidade. 

Mas Zuckerberg não estava interessado em dar um show. Ele foi apologético. Falou macio. Até suas roupas eram respeitosas. Ele desprezou suas camisetas do Vale do Silício por um terno da cor do logotipo do Facebook e uma gravata no tom do botão “Curtir”.

Ele chegou preparado com respostas prontas: “Senador, essa é uma ótima pergunta”; “Vou mandar minha equipe responder ao senhor” (essa equipe vai estar muito ocupada). Ele se referiu diversas vezes a ter iniciado o Facebook em seu quarto no dormitório em Harvard, emoldurando a empresa como uma história de sucesso pessoal, e não a de um supraestado global com uma população maior que a de qualquer país. 

E enfrentou um bancada de senadores que nem sempre pareciam compreender as funções da plataforma —a diferença entre vender dados e usar esses dados para vender anúncios dirigidos, por exemplo— ou como formular perguntas para reforçar suas teses.

Foi algo muito distante do filme “A Rede Social”, escrito por Aaron Sorkin, em que um Zuckerberg arrogante, ficcionalizado (Jesse Eisenberg), tinha pouca paciência com o advogado que o ouvia: “Você tem parte de minha atenção. Você tem a quantidade mínima”.

Zuckerberg era todo atenção. Isso não é a mesma coisa que abertura. Ele foi escorregadio quando se tratou da tensão entre o modelo de negócios da companhia —que depende do acesso a dados pessoais minuciosos— e preocupações com privacidade. 

Mas respondeu com uma calma de ruído branco de máquina, como um representante de suporte técnico perguntando aos legisladores se eles experimentaram desligar e ligar de novo sua democracia.

Pelo menos um público ficou feliz com a sessão inconsequente. Em alguns canais na terça-feira, Zuckerberg foi exibido em tela dividida com um gráfico do preço da ação do Facebook, que subiu em proporção inversa ao interesse noticioso da audiência. 

Sem momentos sorkinianos explosivos ou diálogos dignos de manchete, as redes se esquivaram uma a uma no meio da audiência: primeiro as redes abertas, depois a CNN e a MSNBC. (A Fox News aguentou um pouco mais.)

O segundo dia de depoimento, na quarta-feira, diante da Comissão de Comércio da Câmara, foi muito mais agressivo e acalorado. Pela esquerda, o deputado democrata Bobby Rush, de Illinois, comparou o Facebook ao programa de vigilância Cointelpro de J. Edgar Hoover; pela direita, vários republicanos criticaram o Facebook por considerar que vídeos da dupla de blogueiras pró-Trump “Diamond and Silk” eram “inseguros”.

Mas havia muito menos olhos fixos na sessão. Nenhuma das redes abertas transmitiu o depoimento de Zuckerberg. No cabo, ele foi relegado à HLN e à CNBC.

Zuckerberg teve ajuda do ciclo de notícias lotado na quarta-feira. O presidente da Câmara, Paul Ryan, anunciou que não tentará se reeleger, e o presidente Donald Trump tuitou que pretendia disparar mísseis contra a Síria, dando ao chefe do Facebook em apuros uma ajuda indireta por meio de seu concorrente Twitter.

Zuckerberg não escapou ileso dos dois dias. O senador democrata Richard Durbin, de Illinois, criou um momento compartilhável na terça, ao perguntar se Zuckerberg se importaria de revelar em que hotel estava hospedado, provocando um perplexo “não” do executivo, que em 2010 disse que a privacidade não era mais uma “norma social”. 

Mas as redes cortaram de sua cobertura de todo modo, o que pode ter sido bom para o Facebook. As audiências no Congresso não ajudaram muito a esclarecer como a massa das pessoas, na era das redes sociais, pode minimizar a atenção indesejada. Mas mostraram que Zuckerberg tem alguns truques para fazer exatamente isso.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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