Refugiados sírios viram tema-chave de eleição na Turquia

País, que sofre com desaceleração econômica, recebeu 3,5 milhões de pessoas do país vizinho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O menino sírio Yazan, 4, na casa ocupada por sua família, em Istambul
O menino sírio Yazan, 4, na casa ocupada por sua família, em Istambul - Ian Cheibub/Folhapress
Istambul

O pequeno Abdul, 1, mora em uma casa de madeira de três andares perto do mar. A construção do século 19 remonta ao Império Otomano, desmembrado em 1922.

Mas esse não é seu lar, e ele tampouco reside ali como um príncipe turco. O garoto é um dos tantos refugiados sírios que vivem ilegalmente em Suleymaniye, no centro de Istambul, fugindo de uma guerra civil de sete anos.

Abdul encarna uma das questões sociais mais urgentes da Turquia, a presença de 3,5 milhões de sírios no país, que foi uma das protagonistas da campanha para as eleições deste domingo (24).

A família de Abdul fugiu há um ano de Homs, no oeste da Síria. Eles cruzaram a fronteira, viajaram a Istambul, encontraram um casarão abandonado e decidiram morar ali. Dormem em cima de uma tábua de compensado depois de recolher papel nas ruas, pelo que recebem R$ 50 por dia.

Apesar de sensibilizar a população turca, que recebeu os sírios com mais hospitalidade do que muitos países europeus, a presença dos refugiados trouxe também uma crise.

Com 80 milhões de habitantes, a Turquia vive uma desaceleração econômica. Seus cidadãos reclamam, por exemplo, que os sírios cobram menos por trabalhos de baixa qualificação, enquanto 10% dos turcos não têm emprego.

A chegada dos vizinhos também é associada a alguma insegurança, por ter coincidido com atentados terroristas.

O presidente conservador turco, Recep Tayyip Erdogan, que deve obter a reeleição, defende a permanência dos sírios até o fim da guerra e promete a nacionalidade a 80 mil deles. Seu governo diz ter investido US$ 30 bilhões (R$ 113 bilhões) na crise.

Os partidos de oposição, por outro lado, criticam o acolhimento de tantos migrantes. O líder do social-democrata CHP (Partido Republicano do Povo) pediu há pouco que os estrangeiros regressem a seu país assim que for seguro.

“Não sou inimigo dos sírios, mas me oponho à naturalização deles enquanto milhões estão desempregados aqui”, disse Kemal Kilicdaroglu.

Em meio aos embates entre governo e oposição, alguns refugiados sírios cultivam imagem positiva de Erdogan, que veem como uma espécie de salvador.

“Ele é uma boa pessoa”, diz Muhammad, 27, o pai de Abdul —o nome é fictício, para proteger a sua identidade. “O presidente abriu as portas para a gente, e as pessoas têm sido muito gentis.”

Ele mostra as cicatrizes que, diz, foram deixadas por bombardeios do Exército de Bashar al-Assad. Seus cinco irmãos morreram no conflito.

Simulando uma decapitação, demonstra no pescoço de um de seus filhos a acusação que faz ao regime sírio: “Eles nos matavam como animais em um abatedouro”.

Sua mulher lamenta não ter dinheiro para comprar roupas para as crianças. À tarde, os pequenos brincam na rua, entre casarões de madeira. Outrora, essas construções abrigavam ricas famílias armênias e a corte otomana.

Elas foram abandonadas e são atualmente protegidas pela Unesco, mas estão prestes a se esfarelar, diz o arquiteto Ali Kurultay.

Diversos refugiados sírios ocuparam os salões vazios durante a sua passagem por Istambul, por vezes a caminho de Alemanha e Reino Unido.

Muitos também se mudaram para outras cidades turcas. É o caso de Mahmud al-Ikhzami, 31, que fala em uma oficina mecânica de Esmirna, na costa mediterrânea. Ele chegou há seis meses, fugindo da guerra, e trabalha consertando carros.

Ainda não aprendeu turco, mas se senta com os colegas locais para fumar enquanto descansa do expediente. “Sempre me trataram bem, nunca me senti discriminado.”

Diversos turcos ouvidos nos últimos dias, no entanto, expressaram desgosto com a permanência dos sírios.

Os estrangeiros se tornaram tema eleitoral à revelia de sua própria opinião —como não são turcos, não votam.

Uma exceção é o sírio Muhammad al-Sheikhuni, que migrou há dez anos, antes da guerra. Em Bursa, é candidato ao Parlamento pela sigla AKP (Justiça e Desenvolvimento), a mesma de Erdogan.

Segundo a imprensa local, Muhammad mudou seu sobrenome para Erdogan, em homenagem ao homem que está há 15 anos no poder.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.