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Orbán, da Hungria, sofre com seu excesso de confiança

Premiê é alvo de protestos após medidas autoritárias que dificultam a vida dos cidadãos

Manifestantes participam de ato em Budapeste contra a nova lei trabalhista feita pelo governo
Manifestantes participam de ato em Budapeste contra a nova lei trabalhista feita pelo governo - Marko Djurica - 17.dez.18/Reuters
Leonid Bershidsky
Bloomberg

O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán forçou a aprovação de diversas leis impopulares que causaram protestos em massa e, de maneira preocupante, alguma violência. O líder autocrático está forçando os limites, com suas manobras de alto risco; a menos que decida recuar, corre o risco de perder sua supremacia. 

Desde que seu partido, o Fidesz, conquistou maioria constitucional em abril e o reconduziu a um terceiro mandato como primeiro-ministro, Orbán agiu para reforçar seu domínio sobre o país. Nas últimas semanas, ele montou uma campanha rápida de embate contra os últimos limites a seu poder.

No final do mês passado, mais de 400 veículos noticiosos criados ou adquiridos por aliados de Orbán foram consolidados em uma organização sem fins lucrativos chamada Fundação Centro-Europeia de Imprensa e Mídia. O primeiro-ministro isentou essa organização de fiscalização, classificando-a como "estratégica".

No começo do mês, a Universidade Centro-Europeia, fundada por George Soros, anunciou que se transferiria a Viena, depois de anos de batalha para permanecer em Budapeste. E na semana passada o Legislativo aprovou uma lei que priva a Suprema Corte de autoridade sobre disputas administrativas ——entre as quais aquelas que envolvam eleições, corrupção e abusos policiais— e criou um órgão separado, supervisionado pelo ministro da Justiça, para cuidar dessas questões.

Orbán trata com desprezo os políticos oposicionistas, jornalistas e ativistas que protestaram contra essas medidas. Ele sabe há muito tempo que eles não são numerosos ou determinados o bastante para lhe causar problemas.

Mas desta vez, pode ter cometido um erro tático: na semana passada, o Fidesz forçou a aprovação de novas leis trabalhistas que autorizam empregadores a exigir até 400 horas extras ao ano de seus trabalhadores, ante as 250 atuais, e que posterguem o pagamento dessas horas extras por até três anos, em lugar de um.

Segundo o governo, a medida serviria para aliviar a escassez de mão de obra no país, e os trabalhadores terão a opção de rejeitar as horas extras. Mas os sindicatos afirmam que os empregadores dispõem de mecanismos suficientes para coagir os trabalhadores a aceitar.

Cerca de 3.000 pessoas começaram a protestar contra as "leis da escravidão" imediatamente depois de sua aprovação em 12 de dezembro. Um grupo de legisladores oposicionistas tentou entrar no prédio da TV estatal para expressar seu ponto de vista, em Budapeste no domingo (16), acompanhado por uma multidão entre 2.000 e 10.000 pessoas (as estimativas variam).

O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, durante discurso em Budapeste
O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, durante discurso em Budapeste - Bernadett Szabo - 23.out.18/Reuters

​A oportunidade de falar diante das câmeras foi negada aos políticos, e eles decidiram realizar uma ocupação pacífica do local. Uma transmissão via Facebook Live que mostrava um deles sendo retirado pelos seguranças viralizou. Os dois lados continuam em impasse - e a situação vem sendo transmitida ao vivo no Twitter por Istvan Ujhelyi, membro do Parlamento Europeu.

Nos últimos anos, os húngaros em geral têm demorado a protestar, e quando o fazem não costumam ser violentos. Mesmo depois da queda do comunismo, o país viu muito menos protestos do que a Polônia ou Alemanha Oriental. Quando os húngaros se enraivecem, porém, as autoridades em geral têm muita dificuldade para acalmá-los.

Em 2014, Orbán teve de recuar do imposto sobre a internet que tinha instituído, depois de manifestações persistentes. Há outro precedente ainda mais preocupante para o político: em 2006, o centro de TV estatal foi o ponto focal de manifestações que quase derrubaram o governo do primeiro-ministro Ferenc Gyurcsany.

Aqueles protestos, deflagrados pelo vazamento de uma gravação na qual Gyurcsany admitia que seu governo nada fizera de útil em seus quatro anos de mandato, descambaram para a violência quando os manifestantes invadiram a central de TV para transmitir suas demandas, e a ocuparam brevemente antes que a polícia voltasse com reforços.

Ainda que Gyurcsany tenha sobrevivido como primeiro-ministro até 2009, não demorou para que o Fidesz, então o principal partido oposicionista, tomasse o poder, o que aconteceu em 2010.

Orbán vem resistindo com sucesso aos esforços de dirigentes da União Europeia para reprimir seus impulsos autoritários. A despeito de todas as críticas, o Fidesz continua a ser parte da maior facção política do Parlamento Europeu, o Partido do Povo Europeu, de centro-direita.

Suprimir protestos internos contra leis que dificultam diretamente a vida dos cidadãos comuns é uma empreitada mais difícil, mesmo na dócil Hungria. Orbán pode ter superestimado sua capacidade para combater em diversas frentes ao mesmo tempo.

Paulo Migliacci
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