Brasil deveria manter relações diplomáticas com Maduro, diz Aloysio Nunes

Ex-chanceler também questiona reconhecimento do Brasil a Juan Guaidó, líder opositor da Venezuela

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Aloysio Nunes (PSDB) durante seminário sobre política externa na Fundação FHC - Danilo Verpa/Folhapress
São Paulo

O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) criticou a atuação do Itamaraty, sob comando do chanceler Ernesto Araújo, por "trazer problemas que o país não tem", como a imigração, e também defendeu a necessidade de maior discrição e equilíbrio na política externa do país. 

Nunes, que foi ministro das Relações Exteriores (2017-2018) no governo Michel Temer (MDB), falou sobre o tema em um evento da Fundação FHC na manhã desta terça (19) em São Paulo, horas após ter sido alvo de uma nova fase da Operação Lava Jato. Atualmente, ele é presidente da Investe SP, agência do governo do estado de busca de investimentos. 

Ele começou criticando o discurso de Araújo ao tomar posse. "Ele disse: 'vamos libertar o Itamaraty com o presidente Bolsonaro', que ele coloca no discurso como alguém que Deus colocou para ser eleito. Essa visão que ele [Araújo] traz, que vai além dele, está trazendo para o Brasil problemas que não são nossos. Imigração, por exemplo. Não temos problema de imigração. É algo que pode afetar países europeus, os Estados Unidos, mas no Brasil não tem nenhuma relevância. Há uma corrente de pensamento que importa problemas que vem de fora. Ou simplesmente faz mimetismo, macaquice", comentou. 

O governo Bolsonaro retirou o Brasil do Pacto de Migração da ONU, que havia sido ratificado pelo país em dezembro, durante a gestão Temer. 

"Temos 3 milhões de brasileiros vivendo fora do Brasil, muitas vezes em condições difíceis. É do nosso interesse tratar desse problema de maneira civilizada, com valores humanísticos, de modo não apenas a corresponder à tradição brasileira de acolhida, mas também ao interesse de nossos compatriotas que estão fora do país", prosseguiu. 

Há cerca de 1,2 milhão de estrangeiros registrados no Brasil (em torno de 0,5% da população do país), segundo dados da Polícia Federal de julho de 2018.

O tucano também apontou a necessidade de maior discrição nas ações. "Diplomacia é uma arte política, não uma arte cênica. E, na diplomacia, muitas vezes o importante é manter a discrição. Tratar com cuidado processos de negociação que são longos e que envolvem uma multiplicidade de atores".

"Os interesses do Brasil são diversificados. Temos um país plural, felizmente. Temos que buscar algo que harmonize, não que gere conflitos. Uma política externa conflituosa perde eficácia. Por isso que não pode ser ideológica, como em alguns momentos foi no governo do PT. Mas a politica desenvolvida por Lula foi muito afinada na continuidade da tradição brasileira", defendeu.

Sobre a Venezuela, Nunes se disse contrário à uma intervenção militar no país e ao reconhecimento de Juan Guaidó como presidente encarregado, gesto tomado pelo governo Bolsonaro, pelos EUA e dezenas de outros países. "É como se eu fosse ali na rua e dissesse que sou Jesus Cristo", ironizou. 

"Quando você reconhece um governo que não é governo de fato, o passo seguinte é perder relações diplomáticas, fechar fronteiras, que é algo que não interessa ao Brasil. Para nós, governo é aquele que tem controle e exerce soberania sobre um território. Até para evitar que sejamos levados a ter de reconhecer movimentos separatistas", definiu. 

Nunes defendeu que o Brasil mantenha relações diplomáticas com o regime de Nicolás Maduro. "Precisamos ter um mínimo de contato com as autoridades venezuelanas. Eu tinha contato via WhatsApp com o chanceler venezuelano, o Jorge Arreaza", contou.

Para ele, seguir os princípios de não intervenção e de respeito aos direitos humanos evitará que o Brasil "seja proletário de aventuras militares, de conflitos na vizinhança que podem trazer para cá Rússia, China, Estados Unidos e o diabo. Buscamos tratar do assunto juridicamente, e conter qualquer tentação intervencionista, que pode gerar uma guerra civil".

Ele também se disse contrário à ideia de enviar mantimentos ao país, que está sendo realizada pelos EUA a pedido de Guaidó. "Acho um risco enorme querer levar ajuda à revelia do governo. Vão passar por quem? Quem vai distribuir? Vai jogar de paraquedas?", questionou.

O ex-ministro também falou sobre a relação com os Estados Unidos. "Os diplomatas sabem que nossa relação com os Estados Unidos é boa, mas que não podemos nos atirar nos braços deles porque temos interesses que muitas vezes entram em conflito e que precisam ser tratados com franqueza, como o caso do aço", defendeu, citando o aumento das taxas de importação defendidas por Donald Trump. 

Em sua fala, o ex-chanceler também criticou Felipe Martins, assessor especial da Presidência. "É um rapaz que tentou entrar no Itamaraty e bombou. E se apresenta como filósofo e diz que o Itamaraty é uma sucursal da ONU no Brasil", comentou.

Formado em direito pela USP, Nunes se exilou na França durante a ditadura militar. Depois de voltar ao Brasil, foi vice-governador de SP (1991-1994), deputado federal (1995-2007) e senador (2011-2018). No governo FHC, foi ministro-chefe da Casa Civil (1999) e da Justiça (2001-2002). Em 2014, disputou a eleição como vice na chapa de Aécio Neves.

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