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Com Crimeia no passado e crise instalada, Putin contempla novas ações

Risco de novo conflito na Europa não está descartado; presidente monta arcabouço para manter poder

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Sebastopol

Vladimir Putin foi nesta segunda (18) celebrar os cinco anos da anexação da Crimeia com eventos bastante “low profile”: a inauguração de uma termelétrica que visa dar independência energética para a península e um passeio por marcos da resistência de Sebastopol durante a Guerra da Crimeia (1853-56) e a Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Como tudo o que o presidente russo faz, o recado simbólico estava dado. Em ambos os conflitos, a principal cidade da Crimeia caiu ante adversários mais poderosos, mas se reergueu sob a bandeira russa.

 

Para Putin, o tom moderado dos eventos visava não chacoalhar demais os galhos da eleição presidencial ucraniana do dia 31, que podem levar ao poder um comediante imprevisível e forçar alguma ação de Moscou, mas também coroar a normalidade do “status quo”.

O presidente russo Vladimir Putin visita memorial de guerra em Sebastopol, na Crimeia
O presidente russo Vladimir Putin visita memorial de guerra em Sebastopol, na Crimeia - Mikhail Klimentyev/AFP

“A euforia da anexação acabou, mas ela é uma das coisas mais consistentes que Putin já fez”, disse o diretor de estudos socioculturais do Centro Levada, Alexei Levinson. O centro é o principal instituto independente russo de opinião pública, e desde 2014 o apoio à anexação flutuou entre 83% e 88% da população. “É uma não questão hoje”, sentencia.

Naturalmente a Ucrânia seguirá reclamando o naco que lhe foi arrancado, assim com os russos reclamavam da decisão feita em 1954 pelo líder soviético Nikita Krushchov para agradar à terra onde crescera. Se for descer a ladeira da história, é melhor devolver o belo litoral crimeu para os gregos, é um argumento. A ONU também mantém sua crítica, expressa numa de suas inócuas resoluções, mas todos sabem que a chance de a península voltar a ser ucraniana é próxima do zero absoluto.

Com a Crimeia no retrovisor, a Putin interessa o sentido de “bastião” que Sebastopol e a Crimeia em geral têm na Rússia. Há um consenso na historiografia que o conflito do século 19 foi uma das pedras fundadoras do rancor que marca a relação entre Moscou e o Ocidente.

O presidente reafirma o tom desafiador adotado a partir do momento em que percebeu que sua abertura à Europa e aos EUA só estava trazendo tropas da Otan para perto de sua fronteira —o ponto de inflexão sendo a entrada das ex-repúblicas soviéticas do Báltico na aliança militar ocidental em 2004.

Decidido a provar o que considera fraqueza e hipocrisias ocidentais, no que é difícil discordar da avaliação, Putin usou força militar para afastar o Ocidente. Primeiro na Geórgia, em 2008, depois na Ucrânia, 2014. No último caso, anexou território como se fosse um governante da década de 1930 sem oposição efetiva —e com o apoio maciço da população que celebrou nesta segunda o que considera a reunificação com a pátria-mãe.

Para Andrei Kolesnikov, analista do Centro Carnegie de Moscou, o problema é que Putin não tem um plano claro na cabeça sobre o que fazer com a Ucrânia. “Não há tática, não há estratégia”, afirma ele, que também vê no quinto aniversário uma data com gosto de fim de ciclo para o Kremlin putinista.

Assim, assentado em seu bastião, resta agora ao presidente calcular o próximo passo. A economia de seu país fraqueja um crescimento em torno dos 1,5% do PIB, e as sanções ocidentais decorrentes da Crimeia têm o poder de dificultar acesso a crédito —mas sua principal força é política, a de transformar Putin num pária para o resto do mundo.

O maior problema para o presidente é outro. Sua popularidade caiu para os menores índices desde os anos 2000 —ele está no poder, como presidente ou premiê, desde agosto de 1999. O motivo: a elevação da idade mínima da aposentadoria, aprovada no ano passado.

Ainda são índices invejáveis no Ocidente, acima dos 60%. Mas, se seguir a Constituição como fez até aqui, Putin deixará o cargo em 2024, com quase 72 anos. O corredor do poder se estreita para ele.

Poderá esperar mais seis anos como fez em 2008 (na ocasião, o mandato era de quatro anos), quando virou premiê do pupilo Dmitri Medvedev. Mas a opção ventilada em Moscou é a oficialização de uma união de resto já bastante avançada entre Rússia e Belarus.

Com isso, Putin poderia virar uma espécie de superpresidente. A questão é que o movimento não conta com o apoio do vizinho. E Putin não ungiu um sucessor –mesmo com Medvedev, aliás muito impopular.

Assim, uma nova ação geopolítica de impacto pode estar no horizonte mais imediato. Levinson já alertava em conversa com a Folha no ano passado que isso não seria suficiente para segurar a insatisfação doméstica na Rússia, mas talvez seja uma das poucas cartas à disposição agora.

O que sobra para Putin, agora que tem a Otan afastada e tudo indica que não pretende se apropriar das deficitárias áreas rebeldes do leste da Ucrânia?

Uma intervenção em favor de minorias russas nos sempre amedrontados Estados Bálticos? Improvável: parte da Otan, qualquer agressão faria a aliança invocar o seu artigo 5º, segundo o qual todos têm de defender um membro. Terceira Guerra Mundial ainda não parece estar na mesa.

Um dos primeiros políticos a prever a anexação da Crimeia, o ex-presidente georgiano Mikheil Saakashvili escreveu um artigo para o site da publicação americana Foreign Policy sugerindo que Putin poderá arrumar confusão com um país europeu que não esteja na Otan.

Deu nomes de adversários históricos da Rússia: Finlândia e Suécia. Argumentou que o Ocidente não arriscaria uma guerra com Putin devido a uma ilha sueca no Báltico como Gotland, ponto altamente estratégico.

Soa bastante exagerado, e Saakashvili tem contra si o histórico de ter provocado a Rússia até romper o limite da guerra em 2008.

A Rússia está numa encruzilhada em sua relação com o Ocidente. As parcerias alternativas, com China e Índia, não são sólidas o suficiente para garantir um futuro econômico em si.

Com Putin olhando todos esses cenários a partir de seu bastião, portanto, é semp re bom manter a mente aberta a improbabilidades.

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