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Financial Times Governo Bolsonaro

Viajar a Jerusalém se tornou quase obrigatório para os líderes nacionalistas-populistas

Presidentes de Brasil, Filipinas e Hungria visitaram Israel para reafirmar suas posições

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O presidente Jair Bolsonaro reaviva a Chama Eterna no Museu do Holocausto, em Jerusalém - Ronen Zvulun - 2.abr.2019/Reuters
Gideon Rachman
Financial Times

Faltando uma semana para a eleição israelense, Binyamin Netanyahu raramente se viu em situação mais fraca em casa ou mais forte fora de seu país.

O primeiro-ministro israelense disputa as eleições sob o peso de um indiciamento preliminar por fraude, pagamento de propinas e quebra de confiança. As pesquisas de intenção de voto o situam pau a pau com a oposição de centro-esquerda liderada por Benny Gantz, ex-comandante das Forças Armadas de Israel. E o pano de fundo da campanha eleitoral é a agitação contínua na faixa de Gaza.

Mas enquanto os problemas se acumulam em casa para Netanyahu, fora de Israel as portas estão se abrindo para ele. Israel está se beneficiando com a ascensão de uma nova geração de líderes políticos nacionalistas-populistas –de Washington a Déli, de Budapeste a Brasília— que admiram intensamente o Estado judaico. Essa mudança grande na atmosfera política internacional criou nova margem de manobra para um país que há anos teme o isolamento internacional e os boicotes comerciais.

Para os israelenses, a mudança mais importante foi a eleição de Donald Trump. O presidente americano concretizou uma longa lista de objetivos israelenses que algum tempo atrás pareciam representar nada mais que fantasias distantes.

Trump transferiu a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém e tirou os EUA do acordo nuclear com o Irã. E em março a América reconheceu a soberania israelense sobre as Colinas de Golã, que Israel tomou durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Netanyahu parecia quase incrédulo quando recebeu esse presente na Casa Branca.

Outro líder que gosta de destacar sua amizade com Netanyahu é o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que visitou Israel nesta semana. Contar com o maior país da América Latina como aliado é um avanço importante para Israel, porque o “Sul global” dos países em desenvolvimento tradicionalmente tem sido sólido em seu apoio aos palestinos.

Para Bolsonaro, abraçar Israel é uma maneira de agradar simultaneamente à grande comunidade evangélica brasileira e à Casa Branca de Trump, ao mesmo tempo em que dá uma banana para seus inimigos da esquerda liberal.

De fato, uma viagem a Israel virou algo quase obrigatório para uma nova geração de líderes de viés ditatorial, que se comprazem em desafiar a opinião liberal. Em setembro passado o líder filipino, Rodrigo Duterte, foi a Jerusalém e disse a Netanyahu: “Temos a mesma paixão pelos seres humanos”. O elogio foi uma faca de dois gumes, dado que Duterte está sendo investigado pelo Tribunal Penal Internacional por incentivar assassinatos extrajudiciais.

Outro líder ditatorial de quem Netanyahu gosta de se aproximar é o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, defensor da “democracia iliberal”, que fez uma visita a Israel no ano passado. Esse relacionamento é controverso em Israel porque em 2017 Orbán lançou uma campanha de outdoors usando imagens antissemitas para retratar o filantropo judeu George Soros como manipulador de fantoches que teria o objetivo de levar uma enxurrada de refugiados à Hungria.

Mesmo assim, existem afinidades ideológicas entre os líderes israelenses e húngaro. Ambos são nacionalistas étnicos: “Israel para os judeus” e “a Hungria para os húngaros” são ideias semelhantes. O fato de o nacionalismo de Orbán cheirar a antissemitismo não é especialmente chocante para Netanyahu, cuja vertente de sionismo sempre partiu da premissa de que o mundo externo é essencialmente antissemita.

Para o líder israelense, selar uma aliança tática com uma figura dúbia com Orbán se justifica se isso beneficia seu país. E, no momento, é exatamente isso que estão fazendo os nacionalistas da Europa central. No ano passado, tchecos, húngaros e romenos vetaram a condenação pela UE da transferência da embaixada dos EUA a Jerusalém. Desde então o primeiro-ministro romeno sugeriu que seu próprio governo também pode transferir sua embaixada a Jerusalém.

Hoje em dia a extrema direita europeia é muito mais hostil a muçulmanos que a judeus, e essa islamofobia frequentemente se traduz em apoio a Israel. É possível que algo semelhante esteja ocorrendo com Narendra Modi, que em 2017 tornou-se o primeiro premiê indiano a visitar Israel desde a fundação do Estado judaico.

​Modi lidera o partido nacionalista hindu BJP, cujos seguidores frequentemente são hostis a muçulmanos. Alguns seguidores do BJP enxergam a reação intransigente de Israel à violência palestina como exemplo a ser seguido pela Índia em sua luta contra terroristas sediados no Paquistão.

No caso da China, o cartão de visita de Israel é a tecnologia. Wang Qishan, o vice-presidente chinês, visitou uma feira de tecnologia israelense em outubro passado. Num momento em que as empresas de tecnologia americanas hesitam em trabalhar com a China, Israel é uma alternativa atraente. Uma firma chinesa agora está operando o porto de Haifa, a base principal da Marinha israelense.

Netanyahu encara esses novos relacionamentos como grandes avanços e despreza os escrúpulos de liberais em relação à aproximação com gente como Duterte, Bolsonaro e Orbán. Mas, mesmo que se fale apenas em termos de realpolitik, a diplomacia de Netyanyahu encerra riscos substanciais para Israel.

A acusação mais lesiva feita contra Israel por seus críticos é que o tratamento que o país dá aos palestinos enfraquece sua visão de si mesmo como exemplo de democracia. Pelo fato de se aliar a uma nova geração de nacionalistas-populistas, muitos dos quais possuem credenciais democráticas dúbias, Israel vai enfraquecer ainda mais sua alegação de ser defensor da democracia.

Netanyahu está encontrando novos amigos para Israel, sem dúvida. Mas corre o risco de criar toda uma nova leva de inimigos para seu país.

Tradução de Clara Allain

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