STF decide soltar turco preso no Brasil ameaçado de extradição

Comerciante é acusado por governo Erdogan de ser terrorista; ele diz sofrer perseguição política

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São Paulo

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin decidiu nesta terça-feira (7) soltar o turco naturalizado brasileiro Ali Sipahi, preso preventivamente no início de abril após pedido de extradição do governo de seu país.

Dono de um restaurante em São Paulo, onde mora desde 2007, Sipahi é acusado de pertencer a uma organização considerada terrorista pelo presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan

Com a revogação de sua prisão por Fachin, poderá aguardar em liberdade até que o processo de extradição contra ele seja julgado. Segundo a decisão,  terá que usar tornozeleira eletrônica, entregar o passaporte e não poderá se ausentar de São Paulo até o julgamento —ainda não há data prevista. 

O comerciante turco Ali Sipahi após audiência com desembargador 0
O comerciante turco Ali Sipahi após audiência com desembargador - Zanone Fraissat/Folhapress

Segundo seu advogado, Theo Dias, ainda não se sabe se ele será solto nesta terça ou outro dia. Ele disse que considera a revogação da prisão "um passo importante" e afirmou que irá "avaliar os passos seguintes nos próximos dias".

A decisão de Fachin considerou "os elementos pessoais que ligam o extraditando ao Brasil, a residência em território brasileiro de 2007, a nacionalidade brasileira desde 2016, suas atividades empresariais e a inexistência de antecedentes criminais e ainda a necessidade de manter sua família, mulher e filho que vivem sob sua dependência". 

Sipahi é casado com uma turca, também naturalizada brasileira, e o casal tem um filho nascido no Brasil. Se ele for condenado na Turquia, pode receber uma pena de 7,5 anos a 15 anos de detenção.

A procuradoria de Ancara o acusa de ser membro do Hizmet —organização do clérigo muçulmano Fethullah Gülen, desafeto do presidente Erdogan e considerado terrorista por seu governo.

Sua prisão despertou temor entre imigrantes turcos, que veem o pedido de extradição como parte de uma campanha de perseguição conduzida por Erdogan contra opositores. Alguns decidiram deixar o Brasil, com medo de serem o próximo alvo.

Segundo a defesa de Sipahi, seu caso é o primeiro do tipo no Brasil. ​Como evidências contra ele, Ancara cita suas atividades no Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT) e na Câmara de Comércio e Indústria Turco-Brasileira (CCITB). Ambas são, de fato, ligadas ao Hizmet, que está presente em mais de 160 países. Segundo seus seguidores, porém, trata-se de um movimento pacífico, focado em educação, tolerância religiosa e projetos assistenciais.

Ancara também menciona um depósito feito por ele, entre 2013 e 2014, de 1.721,31 liras turcas (cerca de R$ 1.168) no banco Asya, que Erdogan fechou em 2015 por ser ligado a gulenistas. Em 2018, a Justiça turca decidiu que correntistas desse banco podem ser considerados membros do Hizmet e, portanto, terroristas. A defesa de Sipahi alega que se tratava de um banco convencional —o Asya chegou a ter 6 milhões de clientes.

Em depoimento à Justiça no último dia 3, Sipahi disse que teme por sua vida caso seja enviado de volta para a Turquia e que não terá direito a um julgamento justo no país. 

“[Na Turquia] As decisões [judiciais] já estão tomadas. Temo pela minha vida. Lá tem torturas, eletrochoque, violações sexuais. Não sei o que vou enfrentar”, afirmou. 

Um grupo de 32 intelectuais e artistas brasileiros escreveu uma carta aberta em defesa de Sipahi. Entre eles, o gestor cultural Danilo Miranda, diretor do Sesc (Serviço Social do Comércio) no estado de São Paulo, a artista plástica Leda Catunda, a atriz Bete Coelho, a cantora e ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda, o museólogo Marcelo Araújo e o diretor-presidente do Instituto Inhotim, Antônio Grassi.

Fethullah Gülen, que hoje vive exilado nos EUA, já foi aliado de Erdogan, até que passou a ser visto como uma ameaça e foi acusado pelo presidente de planejar uma tentativa frustrada de golpe contra ele em 2016.

Desde 2016, Erdogan empreende um expurgo contra simpatizantes do Hizmet, que inclui, segundo a ONU e ONGs internacionais, a demissão ou prisão de centenas de milhares de juízes, professores e outros funcionários públicos, sob acusações de terrorismo. 

Em contatos anteriores com a reportagem, a Embaixada da Turquia no Brasil afirmou que não comenta o caso de Sipahi por ser um processo em andamento, mas enviou uma nota reafirmando que as evidências reunidas até agora apontam Güllen como mentor da tentativa de golpe de 2016. 

"O chamado movimento 'Hizmet' é, na verdade, um nome utilizado para disfarçar as atividades da organização criminosa e terrorista FETÖ. A FETÖ, cujo líder é Fetullah Gülen, é uma organização clandestina sem precedentes em termos de alcance global, ambições e métodos. A FETÖ é uma séria ameaça para a Turquia, assim como para outros países", diz o texto.

Segundo o comunicado, o Hizmet “se disfarçou como um movimento de educação” para se infiltrar no governo e “gradualmente se transformou em uma estrutura operacional sigilosa com o objetivo de transformar a sociedade, assumindo o controle do Estado turco”.

“Fetullah Gülen é o líder de uma organização secreta, altamente hierárquica e antidemocrática (o chamado movimento Hizmet) que tentou o mais violento ataque terrorista da história turca na noite de 15 de julho de 2016”, diz o texto.

A nota afirma que a Justiça turca condenou vários membros da organização por crimes como lavagem de dinheiro, escutas telefônicas ilegais, fabricação de provas, intimidação e chantagem e "milhares de investigações e processos relativos às atividades ilegais de membros da FETÖ ainda estão pendentes".​

Pedidos de extradição de Güllen por parte do governo turco têm sido negados pelos EUA, com a justificativa de que não há provas contra ele. Outros turcos no exterior, como o jogador de basquete da NBA Enes Kanter, também enfrentam pedidos de extradição, acusados de terrorismo.  ​

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