Brasil deve aderir a programa de investimentos dos EUA que tenta frear China

América Cresce, que financiará infraestrutura, é resposta americana à expansão asiática na região

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São Paulo

O Brasil vai assinar em breve um memorando de entendimento para participar da iniciativa América Cresce (Growth in the Americas), programa de investimentos em setores estratégicos na América Latina, lançado pelos Estados Unidos para competir com a Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative ou, informalmente, nova rota da seda), da China.

Argentina, Chile, Jamaica e Panamá já entraram oficialmente no programa americano, e o Peru está em processo. No Brasil, o governo aguarda apenas um parecer jurídico no Ministério da Economia. O América Cresce deve focar investimentos em infraestrutura e, especialmente, energia e telecomunicações.

Os EUA não especificam quanto o programa vai oferecer de financiamento; dizem apenas que o objetivo é ajudar os países da região a atrair investimento privado para setores prioritários e que vão usar recursos e assistência técnica de diversas agências do governo americano.

Uma das agências envolvidas no programa, a Corporação Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, foi criada no fim do ano passado pelo governo de Donald Trump para substituir a antiga Corporação para o Investimento Privado no Exterior (Opic) e tem a missão de financiar projetos estratégicos para a política externa dos Estados Unidos.

A corporação teve seu orçamento elevado pelo Congresso para US$ 60 bilhões (R$ 244 bilhões), com o objetivo de servir de contraponto à expansão dos investimentos chineses no mundo, principalmente em telecomunicações, e brecar o aumento da influência global exercida pelo gigante asiático. 

O governo chinês tem expandido seus investimentos em infraestrutura na América Latina e oferece habitualmente financiamento do Banco Chinês de Desenvolvimento (BCD), do EximBank chinês e de bancos estatais, com juros subsidiados.

De acordo com estudo de Kevin Gallagher, da Universidade de Boston, o BCD mantém um portfólio de US$ 332 bilhões (R$ 1,3 trilhão) em empréstimos internacionais, 50% maior do que o montante de empréstimos do Banco Mundial. 

Uma das grandes preocupações do governo americano é a expansão da gigante chinesa Huawei como fornecedora de infraestrutura para o 5G, a próxima geração de telefonia, que é dez vezes mais rápida do que a atual e é essencial para o avanço de carros autônomos e projetos de inteligência artificial.

O leilão de 5G no Brasil deve ocorrer no fim de 2020. 

huawei
Pessoas passam por logo da gigante chinesa Huawei em feira em Pequim - AFP

Os EUA pressionam para que o Brasil barre a Huawei do fornecimento, afirmando que ela representa uma ameaça à segurança nacional, porque compartilha informações com o governo chinês. A empresa nega.

Os chineses oferecem o pacote mais barato na comparação com os concorrentes (Ericsson e Nokia), dão financiamento barato e podem retaliar o Brasil em áreas importantes, caso sejam excluídos do fornecimento.

O governo dos EUA proibiu agências federais e empresas americanas de negociar equipamentos de 5G com a Huawei.

Por enquanto, sob pressão dos americanos, só a Austrália vetou a empresa chinesa, em julho do ano passado, enquanto a Nova Zelândia impediu operadoras de comprar seus equipamentos, citando riscos à segurança da rede, algo que também ocorreu no Vietnã e no Japão.

Em entrevista ao Financial Times publicada nesta segunda-feira (23), o presidente da Corporação Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, Adam Boehler, afirmou que ela será usada para financiar investimentos em alta tecnologia, como o 5G.

"A resposta à Huawei não é ‘não comprem Huawei’ e ponto final. Precisamos de uma alternativa eficiente e viável”, disse ao jornal inglês. 

A estimativa total de investimentos da iniciativa chinesa Cinturão e Rota (BRI) é de US$ 1 trilhão (R$ 4,08 trilhões) ao longo de dez anos, iniciados em 2017. Entre os países das Américas, Chile, Jamaica, Panamá e Peru já assinaram memorandos de entendimento para participar da BRI. O Brasil, não. 

Durante a cúpula do Brics em Brasília, em novembro, o dirigente chinês, Xi Jinping, acenou com a possibilidade de o Brasil receber investimentos da BRI.

Em agosto, a cônsul da China no Recife, Yan Yuqing, festejou os investimentos de empresas chinesas de telecomunicações em “cidades inteligentes e seguras, governança eletrônica e comércio eletrônico no Nordeste”.

E disse à Folha que a China está disposta “a contribuir para o desenvolvimento da tecnologia de informação no Brasil sob o BRI”. 

A China aposta em uma ofensiva de charme —e investimentos— para conquistar o governo brasileiro.

O Planalto era bastante refratário a uma aproximação com a China, mas vem assumindo uma posição mais pragmática após a visita do presidente Jair Bolsonaro ao país, em outubro. 

Durante a cúpula do Brics, Xi anunciou que a China colocaria US$ 100 bilhões de fundos estatais à disposição para investimentos no Brasil. Logo depois, o presidente Bolsonaro recebeu no Planalto o CEO da Huawei no Brasil.

Antes, a China já tinha salvado o leilão do pré-sal do fiasco. Para evitar a ausência de interessados estrangeiros no leilão, Bolsonaro havia pedido a Xi que as petroleiras chinesas participassem do certame —as estatais CNOOC e CNODC entraram com participação de 5% cada uma no consórcio que arrematou o campo de Búzios.

O América Cresce foi iniciado em 2018 como um programa voltado apenas para energia, mas agora foi relançado para abarcar infraestrutura e telecomunicações.

Ele segue outros programas de mesmo estilo lançados pelos EUA —Asia EDGE initiative, para investimento na área de energia no IndoPacífico, e o Prosper Africa, para aumentar comércio e investimento na África.

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