Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Acordo comercial é mera trégua nas tensões entre EUA e China

Pequim se comprometeu a fazer o que já vinha fazendo de qualquer maneira

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O recém-anunciado acordo comercial entre China e EUA não parece resolver grande coisa. Trata-se de uma acomodação temporária que não enfrenta os problemas de fundo dos americanos em relação ao modelo econômico chinês.

O pacto ainda não foi assinado e suas 86 páginas não são públicas. Seu anúncio, ainda que muito bem-vindo, revela ironias e riscos para futuro.

xi, ao fundo, e trump, no primeiro plano, andam de lado em direção à direita; trump acena para a câmera
O presidente americano, Donald Trump, e o dirigente chinês, Xi Jinping, durante cúpula em Pequim - Nicolas Asfouri - 9.nov.2017/ AFP

Parte importante do trato consiste no compromisso chinês de comprar produtos agrícolas americanos em quantidades assombrosas:

1. Foi-se o tempo em que acordos comerciais tinham como objetivo liberalizar o comércio. Esse entendimento cria metas de compras, sugere discriminação e desvio de comércio. Além disso, não elimina as tarifas adotadas no contexto da guerra comercial. Pós-acordo, a média das tarifas americanas sobre produtos chineses será seis vezes maior que em 2018.

2. Os EUA esbravejam que a China não é uma economia de mercado. Pois o que Washington fez foi exatamente tirar proveito daquilo que critica. É para beneficiar os EUA? Então que bom que o governo chinês consegue intervir na economia para comprar mais de um parceiro específico.

3. O ganho dos americanos se traduz em prejuízo para seus competidores no mercado chinês. Perde o agronegócio brasileiro, caso critérios políticos definam de quem a China comprará. Demandará muita criatividade dos chineses, que se dizem grandes defensores do multilateralismo comercial, observar esse acordo sem rifar as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio).

Deixando de lado a parte das compras chinesas, o mais irônico é que, vendido pelos EUA como algo histórico, o acordo obriga a China a fazer basicamente o que já estava fazendo de qualquer maneira ---porque lhe interessa:

1. Os chineses concordaram em reforçar a proteção da propriedade intelectual. Pois, à medida que a economia chinesa se torna mais sofisticada e o investimento em pesquisa e desenvolvimento dá retorno, é natural que o governo chinês passe a ter interesse em proteger propriedade intelectual. Generalizando, a China deixou de copiar para ser copiada, e a mudança das circunstâncias explica a atual postura do país sobre o assunto.

2. O mesmo vale para o compromisso chinês de melhorar o ambiente de negócios para empresas estrangeiras. Apenas neste ano, a China subiu simplesmente 15 posições no ranking “Doing Business”, do Banco Mundial. Também nesse espírito, aprovou em março uma lei sobre investimentos estrangeiros. Tudo isso é parte do esforço, já em curso, de manter o ritmo de crescimento.

Não custa muito para os chineses aceitar esses compromissos. Ganham duas vezes: vendem para os americanos o que é do seu próprio interesse.

Além disso, o governo chinês usará o pacto para galvanizar apoio interno em prol de certas reformas. Mesmo que a orientação seja pró-abertura e reforma econômica, na cúpula do Partido Comunista Chinês há quem seja mais resistente a essa linha.

O fato de as duas potências terem se colocado de acordo é uma boa notícia, mesmo que os temas espinhosos tenham ficado para depois. No curto prazo, isso contém a escalada das tensões e cria espaço para mais entendimentos.

Mas, no médio prazo, o mais provável é um cenário de acomodações imperfeitas entre os dois grandes. Com sorte, veremos uma sequência delas, num movimento de aproximação e distanciamento, de altos e baixos no relacionamento mais importante da próxima década.

Não por acaso, no anúncio do acordo os americanos enfatizaram a existência de um mecanismo para garantir seu cumprimento. Temem que a China observe os compromissos à sua maneira, no seu ritmo, frustrando expectativas de Washington.

Ainda que um entendimento seja algo positivo, parece ser questão de tempo –de pouco tempo, talvez– até uma nova crise.

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