Empresas alemãs são suspeitas de usar mão de obra de minorias perseguidas na China

Indústrias alemãs produzem em área onde muçulmanos são confinados em campos

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São Paulo

O vazamento de arquivos oficiais da ditadura chinesa sobre o confinamento de membros de minorias étnicas muçulmanas em campos de concentração em Xinjiang lançou críticas e questionamentos sobre a atuação de gigantes da indústria alemã, como Volkswagen, Siemens e Basf, nessa região do oeste da China.
 
A repercussão do vazamento atingiu em cheio a Alemanha nos últimos dias. Durante a Segunda Guerra, o regime nazista não apenas confinou milhares de pessoas, especialmente judeus, em campos de concentração como empregou em trabalho forçado uma boa parte desses presos em fábricas consideradas vitais para o país.

Operários caminham ao lado de cerca de arame farpado de um centro de internação
Operários caminham ao lado de cerca de arame farpado de um centro de internação de minorias chinesas em Dabancheng, na província de Xinjiang - Thomas Peter - 4.set.2018/Reuters

Além de questionar a presença de empresas alemãs na região, ativistas e jornalistas do país querem saber se elas estão fazendo uso de mão de obra escrava ou forçada dos que estão confinados nos campos –chamados pelos chineses de centros “de reeducação” e “de treinamento para o emprego”.

A Anistia Internacional qualificou a região de “prisão ao ar livre”.
 
Os 24 documentos somando mais de 400 páginas de arquivos da ditadura do Partido Comunista da China vieram à tona na semana passada pelas mãos do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) e revelam detalhes da campanha de monitoramento, repressão e confinamento das minorias em Xinjiang pela ditadura chinesa.

Minorias muçulmanas compõem mais da metade dos 25 milhões de moradores de Xinjiang, a maior parte de uigures. Estima-se que até 1 milhão de uigures, cazaques e membros de outras etnias tenham sido detidos em campos de concentração nos últimos três anos.
 
A Volkswagen abriu em 2013 uma fábrica em Urumqi, capital de Xinjiang, e emprega hoje cerca de 700 trabalhadores locais na produção anual de 50 mil carros da marca Santana, em joint venture com a estatal Shanghai Motor Corporation (Saic). Mantém ainda uma pista de testes na localidade de Turpan.
 
Ao jornal Süddeustche Zeitung (SZ), que acusou a empresa de “fechar os olhos” e de “cumplicidade com uma das maiores violações de direitos humanos da atualidade”, a VW afirmou que a decisão de abrir a fábrica foi tomada "com base em considerações puramente econômicas".

"Queremos empregos para todos os grupos étnicos para melhorar o ambiente social do povo de Urumqi."
 
A empresa informa que um quarto dos operários é de minorias, recrutados por sua qualificação. “Presumimos que nenhum dos funcionários trabalhe de maneira forçada”, disse ao jornal Handelsblatt.

Cartaz descreve instalação em Hotan, uma cidade em Xinjiang, na China, como um 'centro de transformação por meio da educação'
Instalação em Hotan, uma cidade em Xinjiang, na China, é descrita como um 'centro de transformação por meio da educação' - Divulgação/The New York Times

Segundo o SZ, a VW/Saic mantêm um acordo de cooperação com a Polícia Armada do Povo, força motriz por trás da repressão às minorias.
 
A Basf opera desde 2016 em Xinjiang com duas joint ventures com a chinesa Markor Chemical Industry. O motivo do compromisso foi a disponibilidade de recursos naturais, diz a empresa química.
 
O grupo diz estar ciente dos problemas em Xinjiang, mas nega que algum funcionário trabalhe “sob coação”.

“A Basf não tolera nenhuma forma de trabalho infantil, trabalho forçado, escravidão ou tráfico em todo o mundo ", afirmou ao Handelsblatt.
 
A questão da Siemens é distinta, já que ela não possui fábricas na região. No entanto, o conglomerado é criticado por organizações de direitos humanos por sua cooperação com o China Electronics Technology Group (CETG, estatal militar) para o desenvolvimento de tecnologias de automação, digitalização e monitoramento.
 
O CETG desenvolveu um aplicativo de monitoramento público em uso em Xinjiang e possui participação na Hikvision, empresa chinesa considerada líder mundial em tecnologia de vigilância e que foi banida neste mês pelo Departamento de Comércio dos EUA.

Em nota enviada nesta segunda-feira (2) à Folha, a Siemens informa que emprega cerca de 50 funcionários em sua unidade em Ürümqi, sendo que 10% deles são uigures.

"A companhia não tem conhecimento de nenhum funcionário que esteja trabalhando na unidade sob coação. Estamos acompanhando a situação de perto", afirma. 

Siemens, Basf e VW não são as únicas empresas europeias com negócios na região.

O pesquisador Benjamin Haas, associado ao Mercator Institute for China Studies, em Berlim, contabilizou que ao menos metade das 150 maiores empresas europeias, como a espanhola Telefónica e a francesa Carrefour, têm algum tipo de presença em Xinjiang.
 
Essa atuação ocorre às vezes por caminhos tortuosos, já que nem todas têm presença física local.

Algumas compram suprimentos, como algodão e tomate, produzidos em Xinjiang. Outras compram de empresas do leste da China que por sua vez compraram de empresas baseadas naquela região.
 
“Embora essa pesquisa não tenha descoberto nenhuma relação direta entre as companhias europeias e os campos de internação, conversas com executivos na Alemanha mostraram que a maioria das sedes tem muito pouco entendimento de que seus negócios são conduzidos em Xinjiang”, afirmou Haas em artigo no New York Times.
 
O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, defendeu o acesso de organismos independentes à região.

"Se centenas de milhares de uigures são realmente mantidos em campos, a comunidade internacional não pode fechar os olhos para eles", disse Maas ao SZ, sem citar os negócios alemães.

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