Fascismo faz das notícias espetáculo; as pessoas estão viciadas em drama, diz filósofo

Professor de Yale defende que jornais não normalizem comportamentos erráticos de líderes autoritários

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São Paulo

Depois de quase quatro anos de governo Donald Trump, a democracia americana está mais fraca, e o Partido Republicano está se tornando uma sigla de aliados onde o que importa é ser fiel ao atual presidente.

Essa é a opinião do filósofo e professor da Universidade Yale Jason Stanley, autor de “Como Funciona o Fascismo - A Política do Nós e Eles” (editora L&PM), no qual explora as atitudes dos líderes autoritários.

Para o autor americano, um dos mais conhecidos pensadores contemporâneos sobre o tema, o fascismo transforma as notícias em espetáculo, o que deixa as pessoas viciadas no drama —quem entrou, quem saiu, quem foi demitido. "É bom para as notícias, pois vende."

Stanley virá a São Paulo para o festival Serrote, no Instituto Moreira Salles, no qual participará de debate no próximo sábado (14) sobre a ascensão global da extrema direita.

O filósofo americano Jason Stanley, professor de Yale e autor de "Como Funciona o Fascismo"
O filósofo americano Jason Stanley, professor de Yale e autor de "Como Funciona o Fascismo" - Edwin Tse  

Trump está terminando seu primeiro mandato. A democracia americana é hoje mais fraca do que há quatro anos? Claro. Trump está se apossando das cortes: ele indicou 192 juízes para os tribunais federais, e a Suprema Corte é partidária. A política que tem apelo entre os eleitores brancos e rurais é uma política minoritária, mas o Partido Republicano controla o Senado e a Justiça. E quando você controla os juízes, controla o sistema.

Ele está se unindo a cristãos nacionalistas, um elemento muito antigo na sociedade americana, dizendo que o país pertence aos cristãos nacionalistas brancos. O cristianismo é uma ótima religião, mas dizer que os EUA são deles é a nossa versão do fascismo.

Trump está destruindo nossas instituições. [A filósofa] Hannah Arendt diz que regimes fascistas substituem pessoas competentes por incompetentes, competentes por aliados, e Trump escolheu uma produtora de casamento… [Lynne Patton, que planejou o matrimônio do filho de Trump, Eric, foi nomeada chefe do Departamento de Desenvolvimento Urbano de Nova York]. Ele está minando as instituições.

Qual o papel do Partido Republicano nisso? Trump é um político hábil e que está tornando o Partido Republicano numa sigla de fiéis em que o que importa é a lealdade a ele. Mas, pior que Trump, é que a sigla está aceitando isso com vontade, pois dizem que ele está dando ao partido tudo o que o partido quer.

O partido também está feliz, pois sabe que é minoritário e quer alguma forma de ficar no poder, e eles se preocupam mais com permanecer no poder do que com a democracia. Onde se tem uma situação como essa, a democracia está em perigo.

A administração Trump não aceitou as intimações do Congresso [durante o processo de impeachment do presidente], eles apenas disseram 'nós não somos obrigados', e ninguém fez nada, porque a Suprema Corte é controlada por escolhidos por Trump.

O Partido Republicano é o problema de longo prazo, não especificamente Trump. Você não pode ter um dos dois principais partidos sendo antidemocrático, porque assim você não tem uma democracia.

Você disse em uma rede social que doou para os democratas Elizabeth Warren e Bernie Sanders. Por que os apoiou na corrida presidencial? Porque sou de esquerda, eu doei para o [ex-presidente] Lula! Sou de esquerda, mas nesses tempos eu apoio qualquer um que não seja um fascista. Apoiaria um conservador que não seja um fascista. A cura para o populismo de direita é dar esperança às pessoas, menos medo, porque o populismo de direita se alimenta do medo.

Por exemplo, quando houve uma onda de crime no Brasil, as pessoas votaram no Bolsonaro. Elas votaram no Trump quando não havia uma onda de violência, mas ele fingiu que havia, disse que tinha uma. Há momentos em que nós precisamos que conservadores e progressistas se unam para preservar a democracia. Eu apoiaria [o candidato republicano à Presidência dos EUA em 2012] Mitt Romney neste momento.

Por que os americanos votaram em um líder considerado autoritário? Tínhamos acabado de ter um presidente negro [Barack Obama], e muitos sentiam que o país havia sido tomado deles. Trump foi a cara da demonização de Obama, ele trouxe à tona questões raciais. Temos uma longa história de racismo no país, e quando você traz à tona essas questões, até mesmo as pessoas que votaram em um presidente negro são capazes de substituí-lo em seu pensamento.

Você diz que representa os eleitores reais, rurais, ataca os progressistas e os gays, diz que o país está em declínio, é um tipo de política muito poderosa. E os candidatos a presidente Mitt Romney e John McCain [ambos republicanos] se recusaram a fazer isso. Eles não foram a público dizer que o país estava sendo tomado de você por imigrantes e negros —se eles tivessem feito isso, talvez tivessem ganhado.

Você acompanhou o primeiro ano do governo Bolsonaro? Se sim, como o avalia? Esporadicamente. É verdade que ele fez um corte de 30% nas verbas das universidades? [Na verdade, o governo estendeu o bloqueio de 30% dos recursos a todas as universidades federais]. Os apoiadores de Bolsonaro só querem ver os progressistas serem provocados, mas o financiamento de universidades que beneficiou a classe trabalhadora do Brasil… É uma das grandes conquistas em qualquer país do mundo o que Lula fez com o sistema universitário no Brasil, de colocar tantas pessoas no ensino superior.

A estrutura por trás da igualdade está sendo atacada. As universidades são um mecanismo para lidar com a desigualdade, pois oferecem às pessoas meios para conseguir empregos diferentes. Se você tem uma universidade próspera e com muitos estudantes, é um bom mecanismo econômico para uma área.

Cortando fundos das universidades, você está tornando os eleitores menos inteligentes, menos capazes de pensamento crítico. Está mantendo os jovens pobres por mais tempo e, ao mesmo tempo, pode representar isso como uma guerra contra as elites culturais. É guerra cultural o que Olavo de Carvalho está fazendo, é a especialidade dele.

Você dirige a raiva das pessoas contra um grupo que não é responsável pela condição delas. Professores universitários não são responsáveis pelas condições de trabalho da classe trabalhadora brasileira, de maneira nenhuma. Mas o que você faz é direcionar a raiva dos trabalhadores contra as universidades.

O que caracteriza o discurso de líderes autoritários? É um discurso raso e que pode ser aplicado em qualquer país do mundo. Há um inimigo, e ele está à solta para destruir a civilização e o seu modo de vida. É uma batalha de titãs entre o bem e o mal. Por exemplo, o New York Times é o inimigo do povo.

Dentre os inimigos sempre estará inclusa a classe intelectual, porque pensar é o inimigo. A antirrazão é a base do fascismo. O político fascista gira em torno do inimigo, pois este é uma ameaça à civilização e você vota nele [no político] pois ele é o líder forte que vai protegê-lo deste oponente monstruoso.

Qual o papel da imprensa diante de líderes autoritários? O jornalismo investigativo é vital no momento, pois ele mostra que as campanhas anticorrupção não são campanhas anticorrupção. O que vocês fizeram com o [ministro da Justiça Sergio] Moro [em referência às reportagens da Folha a partir de mensagens obtidas pelo Intercept Brasil] foi essencial, pois revelou o que estava por trás da derrubada de Lula e Dilma.

O fato de Moro ser importante para Bolsonaro me mostrou que deveria haver algo errado, porque Bolsonaro obviamente não faz parte da campanha anticorrupção. Foi um fracasso do jornalismo investigativo que Moro tenha conseguido a reputação que teve, em primeiro lugar. A responsabilidade da imprensa é acompanhar a corrupção e jogar luz sobre ela.

Também não se distrair com a forma como um líder autoritário manipula a mídia. Um líder autoritário dirá algo chocante justamente quando surgir alguma notícia que ele quer ocultar. Observe quando e por que eles dizem o que dizem. Não deixe que eles controlem as notícias.

Além disso, a normalização não pode ser feita. O que está acontecendo aqui com Trump é que os jornais normalizam seus comportamentos erráticos e estranhos, que são preocupantes. Os jornais vão tentar entender coisas, como rompantes ditatoriais, que em última análise não devem ser entendidas. Não tente dar sentido a isso, mas sim noticie que é meio estranho o que está acontecendo.

Qual a relação de regimes autoritários com a imprensa? Em última análise, Trump adora o New York Times. Ele o critica, mas ele precisa do jornal e, francamente, o New York Times pode precisar dele. Escrevo artigos de opinião para o New York Times desde 2011 e, neste período, o jornal ganhou muito dinheiro. Eles se retroalimentam. Trump é um mestre em manipular o ciclo noticioso.

O fascismo envolve ler constantemente os jornais e ver o que está acontecendo, e sempre há notícias de última hora. O fascismo transforma as notícias em espetáculo, as pessoas ficam viciadas no drama —quem entrou, quem saiu, quem foi demitido. É bom para as notícias, pois vende.

A normalidade é diferente. Em uma democracia, as coisas são bem entediantes.


Raio-x

Jason Stanley, 50, é professor de filosofia na Universidade Yale desde 2013 e autor de "Como Funciona o Fascismo" (editora L&PM) e "How Propaganda Works" (como funciona a propaganda). Colabora com o New York Times e o Washington Post. Vive em New Haven, Connecticut.

Debate com Jason Stanley e Celso Rocha de Barros, colunista da Folha

  • Quando 14 de março, sábado, às 17h
  • Onde IMS - Avenida Paulista, 2424, São Paulo
  • Preço Grátis; distribuição de senhas a partir das 10h, com limite de uma senha para cada pessoa
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