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Embaixada e cônsul de Israel criticam Weintraub por associar nazismo a operação do STF

'Holocausto jamais poderá ser comparado com qualquer realidade politica', escreve Alon Lavi

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São Paulo

Em uma série de publicações numa rede social nesta quinta (28), o cônsul-geral de Israel em São Paulo, Alon Lavi, criticou uma declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que associou o nazismo à operação do Supremo Tribunal Federal (STF) contra uma rede de bolsonaristas.

"O Holocausto, a maior tragédia da história moderna, onde 6 milhões de judeus, homens, mulheres, idosos e crianças foram sistematicamente assassinados pela barbárie nazista, é sem precedentes. Esse episódio jamais poderá ser comparado com qualquer realidade política no mundo", escreveu Lavi.

Junto com cada postagem, o diplomata republicou mensagens de repúdio de três organizações —o American Jewish Committee, principal entidade judaica dos EUA, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e o Museu do Holocausto de Curitiba.

Na quarta (27), quando a operação do STF foi deflagrada, Weintraub, também em redes sociais, escreveu que "hoje foi o dia da infâmia, VERGONHA NACIONAL, e será lembrado como a Noite dos Cristais brasileira", acima de uma foto da Alemanha nazista.

"Profanaram nossos lares e estão nos sufocando. Sabem o que a grande imprensa oligarca/socialista dirá? SIEG HEIL!", afirmou. A expressão em alemão significa "salve vitória" e era muito usada durante o período nazista na Alemanha.

Já a Noite dos Cristais foi um dos primeiros grandes episódios coordenados de violência nazista direcionada aos judeus, em 1938, considerado um precursor do Holocausto.

Weintraub mirava a operação que cumpriu 29 mandados de busca e apreensão no inquérito das fake news, apurando ataques a integrantes do STF que teriam sido cometidos por políticos, empresários e ativistas bolsonaristas.

Horas depois das postagens do cônsul, foi a vez de a embaixada de Israel no Brasil se manifestar em uma rede social, também em crítica a Weintraub.

"Houve um aumento da frequência de uso do Holocausto no discurso público, que de forma não intencional banaliza sua memória e a tragédia do povo judeu. Pela amizade forte de 72 anos entre nossos países, pedimos que a questão do Holocausto fique à margem da política e ideologias."

Esta é a primeira vez que o corpo diplomático de Israel critica o governo Bolsonaro, aliado do país. O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, veio ao Brasil para participar da posse do presidente brasileiro em 2019.

Israel também foi um dos primeiros Estados visitados por Bolsonaro após assumir o Planalto.

Além disso, o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, é próximo do presidente, a quem já acompanhou em jogos de futebol e eventos evangélicos, e do secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten.

Ainda que o perfil da embaixada no Twitter tenha publicado a crítica ao governo brasileiro, Shelley, no fim da tarde de quinta, postou mensagem contemporizando a situação.

"Pentecostes Judeu é uma boa oportunidade de agradecer o presidente Jair Bolsonaro por tudo o que ele fez pela amizade entre nossas nações", escreveu. "A chamada de ontem com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu mostrou que nossos povos estão juntos braço a braço nos tempos bons e desafiadores."

Na esteira de críticas a Weintraub, o American Jewish Committee reprovou a associação feita pelo ministro e as constantes menções ao nazismo pelo governo brasileiro em geral.

"O repetido uso de menções ao Holocausto como arma política por autoridades do governo brasileiro é profundamente ofensivo para judeus de todo o mundo e um insulto para as vítimas e sobreviventes do terror nazista. Isso precisa parar imediatamente", declarou.

O cônsul-geral de Israel em São Paulo, Alon Lavi
O cônsul-geral de Israel em São Paulo, Alon Lavi - Divulgação

Em nota, a Confederação Israelita do Brasil condenou a atitude: "A comparação feita pelo ministro Abraham Weintraub é totalmente descabida e inoportuna, minimizando de forma inaceitável aqueles terríveis acontecimentos, início da marcha nazista que culminou na morte de 6 milhões de judeus, além de outras minorias", diz o texto.​

Mais tarde na quinta, o ministro voltou ao Twitter para responder às críticas. "TENHO DIREITO DE FALAR DO HOLOCAUSTO! Não preciso de mais gente atentando contra MINHA LIBERDADE!", escreveu Weintraub, que disse ter tido "avós sobreviventes dos campos de concentração nazistas". "Todos eram brasileiros", completou.

Integrantes do governo Bolsonaro fizeram repetidas menções ao nazismo desde que o presidente assumiu o cargo, em 2019.

Em março do ano passado, o chanceler Ernesto Araújo afirmou em entrevista a um canal de YouTube que o nazismo foi um movimento de esquerda. A declaração repete discurso em voga durante as eleições de 2018, mas que jamais foi levado a sério por acadêmicos na Alemanha.

Foi a primeira vez que Ernesto, como ministro, classificou o nazismo como um suposto movimento de esquerda —ele já o fizera em um texto publicado em 2017 em seu blog.

Dias mais tarde, Bolsonaro endossou o chanceler, após visitar o centro de memória do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém. Quando questionado sobre a ligação do nazismo com os movimentos de esquerda, Bolsonaro respondeu: “Não há dúvida. Partido Socialista... Como é que é? Da Alemanha. Partido Nacional Socialista da Alemanha”.

A​ declaração se opõe ao entendimento do próprio memorial, que descreve o nazismo como um movimento de direita —classificação amplamente aceita entre historiadores de todo o mundo.

Em janeiro deste ano, o então secretário da Cultura, Roberto Alvim, foi demitido por imitar um discurso nazista, o que gerou forte repúdio nas redes sociais.

O dramaturgo e diretor de teatro foi exonerado após publicar vídeo no qual fez uso de trechos de um discurso de Joseph Goebbles, ministro da Propaganda na Alemanha de Hitler.

À época, o embaixador Yossi Shelley falou diretamente com Bolsonaro para expressar o incômodo da representação israelense com o discurso de Alvim, episódio que pode ter sido decisivo na sua demissão.

Meses depois, em abril, Ernesto comparou as medidas de isolamento social no Brasil para conter a pandemia de coronavírus aos campos de concentração nazistas. A analogia foi feita em um texto em seu blog pessoal, no qual criticou um livro de autoria do filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek.​

Sob o pretexto de uma afirmação de Zizek, segundo o qual os nazistas fizeram um "péssimo uso" do lema "o trabalho liberta", gravado em alemão na porta do campo de concentração em Auschwitz, Ernesto escreveu: "Os comunistas não repetirão o erro dos nazistas e desta vez farão o uso correto. Como? Talvez convencendo as pessoas de que é pelo seu próprio bem que elas estarão presas nesse campo de concentração, desprovidas de dignidade e liberdade".

A Confederação Israelita do Brasil repudiou o comentário: "Não há comparação possível entre uma medida sanitária, adotada em todo o mundo para combater uma pandemia, a uma ação persecutória e racista contra uma minoria inocente, que culminou com o extermínio de 6 milhões de judeus na Europa".

O chanceler foi cobrado a se retratar por líderes judaicos e afirmou ter havido uma leitura distorcida de sua manifestação.

O mais recente episódio de uso do vocabulário nazista pelo governo brasileiro foi no último dia 10, quando a Secom, responsável pela comunicação social da Presidência da República, publicou em suas redes sociais um vídeo de divulgação de ações federais no combate à pandemia.

Em determinado ponto da mensagem, o órgão usou uma variação da frase “o trabalho liberta”.

Em paralelo aos fatos dos últimos meses, a comunidade judaica brasileira também tem reagido ao uso da bandeira de Israel em atos antidemocráticos encabeçados por Bolsonaro.

A presença do símbolo do Estado judeu é comum em manifestações de apoio ao presidente, em que manifestantes criticam o STF e o Congresso.

Jair Bolsonaro recebe manifestantes na rampa do Palácio do Planalto, em protesto contra o Congresso e o STF - Ueslei Marcelino - 3.mai.2020/Reuters

Para o diretor-executivo do Instituto Brasil-Israel, Daniel Douek, a presença da bandeira associa Israel ao conservadorismo e à agenda bolsonarista, "enquanto na realidade o país preza medidas progressistas, como a garantia de direitos a pessoas LGBTs e o controle rígido de armamentos”.

“Além disso, a utilização da bandeira de Israel em atos que pedem a volta do AI-5 [Ato Institucional nº 5] deturpa e ofende a memória de Ana Rosa Kucinski, de Iara Iavelberg, de Vladimir Herzog e de todos os outros judeus mortos e torturados pela ditadura militar brasileira.”

Israel é alvo da simpatia de grupos evangélicos, base de apoio do presidente. Muitos afirmam acreditar que Jesus Cristo só voltará à Terra se os judeus estiverem fixados em Israel. Isso motiva a presença de bandeiras israelenses em atos pró-Bolsonaro.

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