A chefe-executiva de Hong Kong, Carrie Lam, anunciou nesta sexta-feira (31) o adiamento das eleições para o Conselho Legislativo da cidade.
Marcado para a primeira semana de setembro deste ano, o pleito agora foi agendado para setembro de 2021. A justificativa do governo local é o risco de contaminação pelo coronavírus, mas ativistas pró-democracia veem a decisão como resultado da interferência de Pequim no território semiautônomo.
Durante entrevista coletiva, Lam disse que adiar as eleições foi a decisão mais difícil que tomou em sete meses. Segundo ela, a medida tem o objetivo de garantir a segurança dos honcongueses e não tem nenhum viés político.
De acordo com a Lei Básica de Hong Kong, espécie de Constituição do território, o governo pode adiar as eleições se o chefe-executivo defender que o voto "provavelmente será obstruído, interrompido, prejudicado ou seriamente afetado por distúrbios ou violência aberta ou por qualquer perigo à saúde ou à segurança pública".
"Temos 3 milhões de eleitores saindo em um dia em Hong Kong. Esse fluxo de pessoas causaria alto risco de infecção", disse a chefe-executiva.
Nesta semana, a administração impôs medidas mais restritivas como forma de contenção: máscaras obrigatórias em todos os lugares públicos, inclusive ao ar livre, fechamento dos restaurantes e proibição de reuniões com mais de duas pessoas.
De acordo com o Worldometers, Hong Kong registrou 3.273 casos e 27 mortes por coronavírus. Os números são relativamente baixos para o território, que tem 7,4 milhões de habitantes, mas, há dez dias consecutivos, o número de casos diários é superior a cem.
Nesta quinta-feira (30), foram confirmadas 149 novas infecções, o recorde para Hong Kong desde o início da pandemia.
Em comunicado, o governo central da China disse que "apoia e entende completamente" a decisão e que considera o adiamento "necessário, razoável e legal".
Os democratas esperavam conquistar nas urnas uma maioria histórica no Conselho Legislativo, hoje dominado por parlamentares alinhados ao regime de Xi Jinping, embalada pelos votos de protesto contra a nova lei de segurança nacional, promulgada por Pequim há um mês.
Em uma rede social, o ativista Joshua Wong, um dos principais nomes de oposição e líder dos protestos que tomaram as ruas do território semiautônomo desde o ano passado, disse que a decisão de Lam "é a maior fraude eleitoral da história de Hong Kong".
"Pequim está realizando vários atos para impedir que o bloco de oposição forme maioria no Conselho Legislativo. Eles podem nos desqualificar, nos prender, nos jogar na cadeia ou até cancelar a eleição e criar um Parlamento fantoche em outro lugar."
Wong foi um dos 12 políticos que tiveram suas candidaturas vetadas pelo governo de Hong Kong nesta quinta-feira (30), com base na nova lei, alvo de críticas internas e também por parte da comunidade internacional.
As novas regras permitem a repressão de quatro tipos de crime contra a segurança do Estado: atividades subversivas, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras, com sentenças que podem chegar a prisão perpétua.
Além disso, a lei determina que pessoas que se oponham à regra ou à Lei Básica não possam concorrer ou ocupar qualquer cargo público.
Hong Kong foi colônia britânica até 1997, quando foi devolvida ao regime chinês e ganhou status de Região Administrativa Especial, na qual há liberdade política e econômica inexistentes na China continental.
Na quarta (29), a polícia prendeu quatro estudantes, com idades entre 16 e 21 anos, por participarem de grupos em redes sociais que defendem a independência do território.
Foram as primeiras prisões sob a nova legislação fora do contexto dos protestos de rua. A lei prevê prisão de 3 a 10 anos para a promoção do separatismo e prisão perpétua se a violação for considerada grave.
As manifestações contra a interferência de Pequim arrefeceram quando a pandemia de coronavírus começou, mas ganharam novo fôlego após a aprovação da lei de segurança nacional. A comunidade internacional também se posicionou.
Na terça (28), a União Europeia adotou um pacote de medidas em protestos contra a nova legislação. O bloco decidiu limitar a exportação de equipamentos e tecnologias que possam ser usados pela China para "repressão interna, interceptação de comunicações ou vigilância cibernética" e anunciou que não vai iniciar nenhuma nova negociação com Hong Kong.
Os Estados Unidos, que vivem uma Guerra Fria 2.0 com a China, encerraram a política de tratamento econômico especial à ex-colônia britânica e usam a situação de Hong Kong no discurso contra o país asiático no campo dos direitos humanos.
Também na terça, a Nova Zelândia suspendeu o tratado de extradição que mantinha com Hong Kong, sob a alegação de que não pode mais confiar que o sistema de justiça criminal da ex-colônia britânica seja "suficientemente independente" do chinês.
No mesmo dia, a China anunciou o fim dos acordos de extradição com Austrália, Canadá e Reino Unido, países que já haviam suspendido unilateralmente os pactos, também em protesto à nova legislação.
Nesta sexta (31), foi a vez de a Alemanha fazer o mesmo. "Levando-se em consideração os acontecimentos atuais, decidimos suspender o acordo de extradição com Hong Kong", declarou em um comunicado à imprensa o ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas.
Trump defende adiamento das eleições nos EUA
De acordo com um levantamento do Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral, pelo menos 68 países e territórios adiaram eleições nacionais ou regionais desde fevereiro, enquanto 49 países mantiveram os pleitos.
Nesta quinta-feira (30), o presidente dos EUA, Donald Trump, defendeu o adiamento das eleições americanas, marcadas para novembro, embora não tenha autoridade para alterar a data do pleito.
Em uma publicação no Twitter, o líder republicano afirmou, sem apresentar provas, que a votação universal pelos correios poderia fazer do pleito "a eleição mais imprecisa e fraudulenta da história" e um "grande embaraço para os EUA".
Ele sugeriu um adiamento para que as pessoas possam votar "de maneira adequada, segura e protegida", mas o posicionamento destoa das ocasiões em Trump minimizou a gravidade da Covid-19, deu conselhos que contrariam orientações médicas e entrou em conflito com os próprios assessores sobre a melhor forma de responder à crise sanitária.
Ainda assim, a Casa Branca condenou nesta sexta-feira o adiamento do pleito em Hong Kong. "Esta ação corrói os processos democráticos e as liberdades que sustentaram a prosperidade de Hong Kong", disse a repórteres a porta-voz Kayleigh McEnany.
"Esta é apenas a mais recente de uma lista crescente de promessas não cumpridas por Pequim, que se comprometeu a preservar a autonomia e as liberdades do povo de Hong Kong até 2047 ao assinar a declaração conjunta sino-britânica."
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