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Em livro, bilionário que ajudou a impulsionar extrema direita dos EUA faz mea-culpa

Charles Koch patrocinou negacionistas do clima e Tea Party, mas agora critica polarização

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São Paulo

“Rapaz, a gente estragou tudo. Que confusão!” Com essa singela frase de mea-culpa, Charles Koch, o bilionário americano financiador de causas conservadoras, tenta limpar sua barra em seu mais recente livro.

Em “Believe in People” (acredite nas pessoas), Koch discorre sobre como o sectarismo está empurrando os partidos para os extremos, com ideologias e políticas destrutivas. E pergunta: “A América pode sobreviver como país se nossos cidadãos desprezam uns aos outros?”.

Manifestantes do grupo de extrema direita Proud Boys se ajoelham durante protesto em Portland, no Oregon
Manifestantes do grupo de extrema direita Proud Boys se ajoelham durante protesto em Portland, no Oregon - Maranie R. Staab - 26.set.20/AFP

Muitos americanos vêm se perguntando a mesma coisa. Mas a surpresa é ver esse questionamento feito por Koch, que, ao lado do irmão David, que morreu em 2019, ajudou na ascensão do movimento populista Tea Party e impulsionou a ala de extrema direita do Partido Republicano.

Desde os anos 1970, os Koch gastaram bilhões de dólares com doações de campanha para candidatos conservadores, organizações políticas de direita, como o Americans for Prosperity, e think tanks da mesma linha.

As Koch Industries, conglomerado de indústrias químicas e de energia, são um dos maiores poluidores dos EUA –e os Koch financiam alguns dos maiores céticos sobre o aquecimento global.

Também despejaram milhões de dólares para eleger políticos que defendem desregulamentações, redução de impostos para empresas, enfraquecimento de sindicatos e que promovem oposição a legislações de controle de armas e em favor do sistema de saúde público.

Koch justifica seu envolvimento na política dizendo ser a única maneira de mudar regras que impediam o progresso de milhões de pessoas. “Nós apostamos no time que parecia ter mais políticas que permitiriam às pessoas melhorarem suas vidas. Só temos duas alternativas no nosso sistema e escolhemos a vermelha (republicanos)”, escreve.

Segundo ele, o erro foi não ter entendido, desde o início, que isso era excessivamente limitante –para atingir as políticas que considerava benéficas, acabava promovendo medidas que não eram.

“E quando seu time só quer demonizar o outro e faz tudo para miná-lo, o outro time, como resposta, também tenta solapar suas tentativas.”

Segundo o empresário, quando se deram conta de que haviam errado, mudaram a abordagem. “Agora trabalhamos com pessoas do time vermelho, do time azul, e sem time nenhum; abandonamos o partidarismo e optamos por parceria”, diz.

O problema é que esse mea-culpa não resiste à primeira checagem.

O comitê de ação política das indústrias Koch e seus funcionários doaram US$ 2,8 milhões a candidatos republicanos na campanha de 2020, e somente US$ 221 mil para democratas, segundo o Center for Responsive Politics.

Koch doou quase US$ 500 mil para David Perdue, que disputará um segundo turno na Geórgia para uma vaga no Senado com o democrata Jon Ossof em janeiro. Perdue é um dos republicanos que continuam questionando a legitimidade da eleição presidencial, dizendo que houve fraude, apesar de todas as evidências em contrário.

E usou uma brincadeira racista para se referir a Kamala Harris, agora vice-presidente eleita, em comício em outubro, dizendo que não sabia como pronunciar o nome dela.

Jane Mayer, jornalista da revista New Yorker que escreveu sobre os irmãos Koch em seu livro “Dark Money: The Hidden History of the Billionaires Behind the Rise of the Radical Right” (2016), não compra a suposta conversão do bilionário.

“Basicamente, a cada dois anos, os Koch tentam fazer uma reposição de marca, uma ofensiva de charme sempre que há eleições, dizendo que, na realidade, não são partidários, só estão trabalhando pelo bem geral. Nesta altura, tendo ouvido a mesma coisa a cada dois anos, seria preciso sofrer de amnésia para acreditar nisso”, disse em entrevista à TV NBC.

Koch assumiu aos 31 anos a indústria fundada pelo pai, Fred Koch. Transformou a empresa de 300 funcionários em um conglomerado de US$ 130 bilhões. Segundo a Forbes, Charles é dono de uma fortuna de US$ 44,9 bilhões e é o 15º homem mais rico dos EUA. Fred era anticomunista ferrenho e foi um dos fundadores da John Birch Society, organização de extrema direita.

Os Koch são, na origem, libertários –patrocinam, por exemplo, um dos principais think tanks libertários do mundo, o Catho. Em 2018, romperam com o presidente Donald Trump, principalmente por se oporem às medidas protecionistas comerciais e às políticas que restringiram a imigração legal –um excesso de intervencionismo para irmãos que passaram a vida pregando menos Estado.

Trump, como de costume, bateu de volta: “Os globalistas irmãos Koch, que já viraram uma piada nos círculos de verdadeiros republicanos, são contra fronteiras fortes e comércio poderoso. Nunca fui atrás do apoio deles porque eu não preciso do dinheiro deles nem de ideias ruins. Eles amam meus cortes de impostos e regulação, escolhas no Judiciário...”.

Tirando o trecho da expiação, o resto do livro é um típico manual de autoajuda corporativo de viés libertário, pregando que o empreendedorismo salva, e as pessoas só precisam ter liberdade para prosperar.

Koch também apoia questões tão óbvias quanto ser a favor da cura do câncer –a luta contra a desigualdade e o racismo, ainda que os irmãos tenham favorecido a ascensão de políticos racistas.

Ele também fala sobre sua juventude rebelde, em que passou por várias escolas, até a graduação em engenharia no prestigiado MIT (Massachusetts Institute of Technology).

O livro é um misto de ofensiva de relações públicas para polir um pouco a reputação de Charles e desabafo sobre os rumos atuais do Partido Republicano, cada vez mais distantes do libertarianismo.

O populismo trumpista sequestrou a legenda, que não tem mais nada a ver com o clássico “livre-me do Estado” da era Reagan.

Aos 85 anos, Koch provavelmente gostaria de entrar para a história com uma imagem mais favorável do que tem hoje. “Você já deve ter visto todos os xingamentos que eu recebo”, disse a um repórter do Wall Street Journal em rara entrevista, neste ano.

O sobrenome Koch virou epítome de polarização e extremismo. Vai ser difícil Charles Koch se reinventar.

Believe in People

  • Preço R$ 108,99 em ebook (308 págs.)
  • Autor Charles Koch
  • Editora St. Martin’s Press
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