Katia Abreu cobra saída de 'marginal' Ernesto; chanceler convoca reunião com equipe

Sob pressão, ministro das Relações Exteriores reunirá funcionários da pasta nesta segunda-feira

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Brasília

Um grupo de senadores voltou a cobrar neste domingo (28) a demissão do chanceler Ernesto Araújo, cuja permanência no cargo é considerada insustentável até mesmo por integrantes do governo.

Nas redes sociais, parlamentares reagiram com indignação a uma postagem do ministro das Relações Exteriores, que insinuou uma ligação do Senado com o lobby chinês pelo 5G, o que, segundo ele, estaria por trás da pressão para derrubá-lo do posto. De acordo com relatos feitos à Folha, senadores também enviaram ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mensagens com queixas à postura de Ernesto.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado e citada nas postagens, a senadora Katia Abreu (PP-TO) divulgou nota em que acusa Ernesto de mentir e o chama de marginal.

"O Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições", escreveu a parlamentar. "Alguém que agride gratuitamente e desnecessariamente a Comissão de Relações Exteriores e o Senado Federal", completou.

Segundo a senadora, Ernesto resumiu em um tuíte um encontro de três horas em que ela teria alertado o ministro sobre os prejuízos que um veto à China traria à questão do 5G, entre vários outros temas.

"Se um chanceler age dessa forma marginal com a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado da República de seu próprio país, com explícita compulsão belicosa, isso prova definitivamente que ele está à margem de qualquer possibilidade de liderar a diplomacia brasileira", afirmou ela, na nota.

Em áudio enviado a senadores, mais cedo, ela pediu aos colegas uma "reação séria" às postagens de Ernesto, que, segundo ela, estaria afirmando que o Senado se vendeu ao lobby chinês. "Concomitante a esse tuíte, porque eles são muito organizados, está em todas as redes bolsonaristas a mensagem de que o Arthur Lira [PP-AL, presidente da Câmara] e os senadores se venderam para a empresa do 5G chinês. Isso é uma orquestração para segurar o chanceler", disse Katia Abreu no áudio, obtido pela Folha.

Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), em mensagem a um grupo de WhatsApp de senadores, afirmou haver "uma linha que não pode ser ultrapassada". "Não é bom para o governo e não é bom para o país", completou o senador na mensagem obtida pela Folha.

Sob a ameaça de ser afastado do cargo, o chanceler tem reunião marcada com toda a sua equipe de secretários nesta segunda-feira (29), o que foi interpretado por interlocutores do ministro como mais um sinal de que ele está de saída do cargo. Neste domingo (28), Bolsonaro visitou o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, que sofreu um mal súbito durante viagem de férias a Alagoas. Segundo assessores palacianos, o presidente discutiu com o militar no encontro a situação delicada do chanceler.

Ernesto publicou em rede social mensagens que, segundo aliados, têm o objetivo de tornar público o que ele entende estar por trás da ofensiva para derrubá-lo. O ministro revelou uma conversa que teve com Kátia Abreu e relacionou o lobby chinês pela tecnologia 5G à movimentação da cúpula do Congresso.

"Em 4 de março recebi a senadora Kátia Abreu para almoçar no Ministério das Relações Exteriores. Conversa cortês. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, à mesa, disse: 'Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado.' Não fiz gesto algum", escreveu Ernesto neste domingo.

Em seguida, complementou: "Desconsiderei a sugestão inclusive porque o tema 5G depende do Ministério das Comunicações e do próprio Presidente da República, a quem compete a decisão última na matéria."

No Itamaraty, a publicação foi interpretada como uma carta de demissão. Se a situação do chanceler já era considerada insustentável, diplomatas dizem acreditar que o tuíte deve acelerar o processo de desligamento do ministro. Inviabilizado no cargo, ele procura uma forma de manter o discurso voltado para a base mais radical do bolsonarismo, na opinião de membros da carreira ouvidos pela Folha.

Neste final de semana, interlocutores do presidente chegaram a questionar deputados e senadores sobre eventuais sucessores do chanceler. Segundo relatos, dois nomes são os favoritos: o do secretário de Assuntos Estratégicos, almirante Flavio Rocha, e do embaixador do Brasil na França, Luís Fernando Serra.

O primeiro, apesar de não ser servidor de carreira do Itamaraty, fala cinco línguas e é conhecido por um perfil moderado. Recentemente, foi escalado para ir à China discutir com autoridades o leilão do 5G.

Marcada por questões ideológicas, a gestão do ministro é duramente criticada por empresários e políticos de esquerda, centro e direita. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, disse tanto em público como em reuniões fechadas com o presidente que considera "falha" a política externa do Brasil. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, pediu a demissão do chanceler a Bolsonaro pelos mesmos motivos.

Após a postagem de Ernesto, Pacheco escreveu nas redes sociais neste domingo que as mensagens do chanceler atingem todo o Senado e representam um "desserviço" ao país. "A tentativa do ministro Ernesto Araújo de desqualificar a competente senadora Kátia Abreu atinge todo o Senado Federal. E justamente em um momento em que estamos buscando unir, somar, pacificar as relações entre os Poderes", publicou. "Essa constante desagregação é um grande desserviço ao país."

Em entrevista à Globonews, Pacheco também disse ter recebido a manifestação com "indignação" e "perplexidade" e avaliar que o conteúdo publicado pelo ministro "parece falso", citando ter recebido diversos telefonemas nos últimos dias da senadora falando sobre a pandemia. Ele também negou ter pedido diretamente a saída de Ernesto a Bolsonaro.

"O Senado Federal tem compromisso com o Brasil, e não vai entrar nesse jogo de inviabilização fazendo qualquer tipo de boicote e retaliação. A inviabilização do Ernesto Araújo tem sido feita por ele próprio", informou ele, reafirmando críticas feitas ao presidente sobre a política externa. "É falha, é capenga e precisa ser corrigida", disse.

​Após os tuítes deste domingo, senadores também foram às redes sociais pedir a saída do ministro. Ciro Nogueira (PI), presidente nacional do PP, afirmou lamentar a atitude do chanceler e que o Brasil e o povo brasileiro não merecem isso.

Além da pressão do Congresso, um grupo de 300 diplomatas divulgou carta no sábado (27) para pedir a saída de Ernesto e criticar a atual política externa do país, que traria “graves prejuízos à imagem do Brasil”. O gesto, muito raro na diplomacia, mostra que o ministro também perdeu força dentro do Itamaraty.

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