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Aumento de ataques racistas na pandemia impede asiático-americanos de voltar à normalidade

Famílias temem sair às ruas e retornar às aulas e ao trabalho; entidade contou 6.600 incidentes em 1 ano

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Jack Healy
The New York Times

Milhões de americanos podem estar começando um verão de vida normal, recém-livres da obrigação de usar máscaras. Mas no apartamento de Mandy Lin no bairro de Chinatown, na Filadélfia, o lockdown continua.

Seu filho de 9 anos encara as últimas aulas da quarta série via laptop, enquanto muitos de seus colegas de classe já voltaram às aulas presenciais. Sua avó passa o dia inteiro dentro de casa. Quando querem se exercitar, os familiares de Lin caminham no estacionamento do prédio ou se arriscam a ir a um parque vizinho.

Flor sobre cartaz com a frase 'fim ao ódio a asiáticos' em vigília em Houston, no Texas
Flor sobre cartaz com a frase 'fim ao ódio contra asiáticos' em vigília em Houston, no Texas - Go Nakamura/The New York Times

Não é a Covid que está impedindo a família de mergulhar num mundo de restaurantes, escolas e espaços públicos movimentados. “Sair de casa não é seguro”, explica Lin, 43. “A violência e o assédio têm sido intermináveis.”

O aumento nos ataques contra asiáticos durante a pandemia está impedindo muitas famílias americanas de origem asiática de se juntarem ao resto do país no retorno à normalidade.

Enquanto as escolas encerram o ensino à distância, empresas convocam seus funcionários a voltar aos locais de trabalho, e as pessoas abandonam as máscaras, asiático-americanos dizem que a corrida para reabrir o país está criando uma nova onda de preocupações para eles —não com a possibilidade de adoecer, mas com o risco de serem atacados caso se aventurem a subir num ônibus ou ao serem abordados quando estiverem voltando de um café ou livraria.

Em mais de uma dúzia de entrevistas dadas em várias partes do país, asiático-americanos detalharam medos relativos à sua segurança e uma série de medidas de precaução que eles vêm encarando, ao mesmo tempo em que o país volta à normalidade. Alguns deles ainda evitam usar o metrô e transportes públicos. Outros deixaram de frequentar restaurantes. Alguns encaram com medo o fim do trabalho a distância e a volta das viagens de negócios.

Enquanto isso, os ataques continuam. A Stop AAPI Hate (em português, fim ao ódio contra asiáticos-americanos e americanos de ilhas do Pacífico), uma coalizão de organizações comunitárias e acadêmicas, identificou mais de 6.600 ataques e outros incidentes contra asiático-americanos e pessoas originárias das ilhas do Pacífico entre março de 2020 e março de 2021.

Uma pesquisa conduzida nesta primavera americana, outono no Brasil, revelou que um em cada três asiático-americanos tem medo de ser vítima de crimes de ódio. E, enquanto quase três quintos dos alunos brancos da quarta série já voltaram às salas de aula, apenas 18% de seus colegas asiático-americanos retomaram as aulas presenciais, segundo pesquisas federais.

Asiático-americanos disseram que sua esperança é que os ataques diminuam à medida que mais pessoas são vacinadas e a pandemia vai perdendo força. Mas um atrás de outro reiterou a mesma preocupação: não existe vacina contra o preconceito.

“O preconceito deitou raízes profundas”, disse Lily Zhu, 30, profissional de tecnologia em Pflugerville, no Texas. “Quando recebemos a vacina contra Covid, isso assinalou o fim deste ano esquisito em que todo o mundo ficou congelado no tempo. Mas esta paranoia continua presente.”

Na Filadélfia, Mandy Lin se assusta com os relatos de violência e agressões verbais contra asiático-americanos que aparecem em seus grupos no WeChat: uma mulher grávida que recebeu um soco na cara, um homem de 64 anos atacado a pouca distância do apartamento da família de Lin por alguém gritando xingamentos anti-asiáticos, uma mulher de 27 anos golpeada na cabeça sem nenhuma provocação ou aviso.

Lin disse que sua família vem seguindo a mesma rotina para se proteger, apesar de a Filadélfia ter comemorado a redução nos casos de coronavírus, anunciando o fim dos limites de capacidade dos estabelecimentos comerciais e o retorno às aulas presenciais em tempo integral no próximo outono nos EUA, primavera no Brasil.

Lá Fora

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Lin faz suas compras de comida em feiras de Chinatown, perto de sua casa. Seu marido, que trabalha num supermercado, traz para casa qualquer outra coisa que eles precisam. E todos os dias letivos ela se senta ao lado de seu filho de 9 anos, que tem autismo, para ajudá-lo em suas aulas virtuais.

Ela teme que seu filho esteja ainda mais atrasado em relação aos outros alunos pelo fato de não estar na companhia deles, mas tem grandes preocupações em mandá-lo de volta à escola: sua segurança física, o trajeto de 3,2 km até a escola, o fato de que ele não pode ser vacinado.

As disparidades no retorno à escola tornaram-se uma preocupação especialmente urgente das entidades que representam pais asiático-americanos. Eles temem o que pode acontecer no próximo ano letivo se seus filhos continuarem a se sentir em risco. O Departamento de Educação divulgou um manual recentemente para famílias que enfrentam bullying anti-asiático e lembrou às escolas que elas têm a obrigação legal de combater o assédio.

Mas isso não é o suficiente para Lin. Ainda não.

Muitas pessoas disseram que estão tentando encontrar um ponto de equilíbrio que lhes permita se sentir à vontade em público, até onde isso é possível. O simples ato de sair para uma caminhada pode exigir uma avaliação prévia angustiante: será que usar máscara servirá para protegê-los ou vai atrair atenção indesejada? É mais seguro sair de dia ou à noite? É mais seguro sair em bairros de maioria asiática, ou as chances de ser atacado são mais altas nesses locais?

Muitos moradores desses bairros vêm pedindo à polícia que aumente as patrulhas. Algumas comunidades adotaram seus próprios sistemas de vigilância comunitária.

Alguns asiático-americanos se sentiram animados com uma nova lei federal que visa reforçar a resposta policial ao aumento de quase 150% nos ataques anti-asiáticos, muitos dos quais visam mulheres e idosos.

Mas muitos continuam receosos. “Quando a sociedade é mais aberta, isso significa mais ameaças”, disse Jeff Le, parceiro político do think tank Truman National Security Project.

A vida de Le já voltou em grande medida ao normal de antes da pandemia, mas ele revelou que ainda hesita em viajar de avião desde março de 2020, quando uma mulher no Aeroporto Internacional Reno-Tahoe, em Nevada, cuspiu nele e lhe disse: “Volte para o lugar de onde você veio”.

“Foi um sentimento de impotência como nunca antes senti”, disse. “É uma coisa que não consigo esquecer. Me fez sentir como se eu fosse um câncer ou alguma coisa radioativa.”

Depois de ser vacinado, Augustine Tsui voltou a se deslocar de sua casa em Nova Jersey para o trabalho numa firma de advocacia no centro de Manhattan, mas disse que não sabe quando sua vida ou esse deslocamento diário para o trabalho voltarão a parecer normais.

Depois de passar anos andando de ônibus e trem, hoje ele vai ao trabalho de carro e paga até US$ 65 de estacionamento —o preço necessário para aliviar o receio de sua família. Sua mulher, Casey Sun, trabalha em casa, produzindo sabonetes e cosméticos orgânicos para seu negócio online, e disse que raramente sai.

O escritório de Tsui fica perto do local onde, em maio, um agressor arrancou com os dentes parte do dedo de um asiático-americano. Tsui usa máscara para esconder o rosto enquanto entra no edifício.

“Assim, em vez de atrair comentários anti-asiáticos, não fica inteiramente claro quem eu sou”, disse ele. “Posso simplesmente continuar com o meu dia.”

Tradução de Clara Allain

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