Descrição de chapéu partido democrata

Saída de Cuomo elimina distração para Partido Democrata tentar manter maioria em 2022

Legenda precisa garantir votos de mulheres suburbanas educadas que escolheram Trump em 2016 e Biden em 2020

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Lúcia Guimarães
Nova York

“Se você quiser um amigo em Washington, arrume um cachorro.” O popular ditado do folclore político americano é erroneamente atribuído ao presidente Harry Truman (1945-1953), mas sua longevidade reflete a solidão no topo do poder.

Dias antes de renunciar em desgraça, o governador nova-iorquino Andrew Cuomo foi visto caminhando com seu pastor siberiano Captain e presenteado com a inevitável manchete do New York Post, o tabloide de direita de Rupert Murdoch: “Governador Andrew Cuomo passa o dia com o único amigo que sobrou em Albany”.

Andrew Cuomo caminha em direção a helicóptero após renunciar ao governo de Nova York
Andrew Cuomo caminha em direção a helicóptero após renunciar ao governo de Nova York - Caitlin Ochs/Reuters

A queda vertiginosa da fortuna política de Cuomo reflete mais do que o fim da tolerância social ao assédio sexual e outras formas de intimidação no local de trabalho. Reflete também o fato de que o Partido Democrata acolheu a identidade do movimento #MeToo, e o preço de alienar ainda que uma pequena parcela de mulheres eleitoras é um risco alto demais.

O partido vive um momento delicado a caminho da eleição de novembro de 2022, quando estarão em jogo todos os 435 assentos no Congresso, 39 das 100 vagas no Senado e 36 dos 50 dos governos estaduais.

Na Câmara, a maioria do partido de Joe Biden é tênue —são apenas seis deputados a mais, porque outros quatro democratas são delegados de territórios, sem direito a voto. E, no Senado, com 50 democratas e 50 republicanos, toda a agenda do presidente depende do voto de desempate da vice, Kamala Harris.

Aumentando a precariedade, dois senadores democratas alinhados à direita formam uma represa constante das ambições da ala progressista do partido e concentram poder desproporcional. Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, e Kyrsten Sinema, do Arizona, representam estados que somam apenas 9 milhões de americanos.

É comum o partido que captura a Casa Branca perder maioria legislativa dois anos depois, nas eleições intermediárias. Uma explicação consensual, há décadas, é que os eleitores do candidato a presidente derrotado ficam mais motivados para ir às urnas e dar freios ao Poder Executivo em Washington. Mas o termômetro político americano não pode mais se basear em senso comum tradicional.

A polarização hoje é de tal ordem que vai ser difícil, num futuro próximo, um presidente que toca uma agenda social popular como Biden ter a positividade refletida nas pesquisas e nas urnas. Uma grande preocupação que a liderança democrata não expressa em público é a intensidade com que eleitores trumpistas detestam Biden —não importa o quanto suas vidas melhorem sob o novo presidente.

O pacote de infraestrutura que o Senado aprovou na terça-feira (10), uma cesta de bondades que pode seduzir qualquer eleitor, contou com o apoio de 19 senadores republicanos. O grupo tem um ponto em comum: nenhum deles expressou ambição de concorrer à Presidência em 2024 e, portanto, não teme a guerra de guerrilha que Donald Trump montará do exílio se não for o candidato.

Lá Fora

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Um grupo demográfico crucial para os democratas manterem a maioria são as mulheres suburbanas educadas que votaram em Trump em 2016. Os subúrbios americanos não são comunidades pobres, mas bairros de classe média e classe média alta.

E essas mulheres mostraram nas urnas, nas eleições intermediárias de 2018 e nas de 2020, a rejeição ao presidente que colocou crianças imigrantes em jaulas, foi acusado de estupro e comprou o silêncio de uma atriz pornô.

“A questão é: com Trump fora de cena sem causar choque diário, essas mulheres vão comparecer de novo para votar em democratas?”, especula Jessica Taylor, editora do influente Cook Political Report, uma bíblia da análise eleitoral nos EUA.

Taylor disse à Folha que a vice-governadora de Nova York, Kathy Hochul, que vai se tornar a primeira mulher a governar o estado, teria o efeito refrescante sobre o rastro de hostilidade masculina deixado por Andrew Cuomo.

Na quarta-feira (11), numa breve entrevista coletiva para se apresentar à imprensa política em Albany, Hochul soava como música para Joe Biden e a liderança democrata. Disciplinada, direta e bem-humorada, a política veterana —que Cuomo esnobava e excluía de decisões de governo— deixou claro que nunca foi próxima do chefe e que seu o governo jamais será descrito, ao contrário do atual, como um ambiente tóxico de trabalho.

E insinuou que o posto de número dois em sua gestão vai para um político ou política de uma minoria. Produto do interior do estado, Hochul é o símbolo das eleitoras suburbanas que os democratas precisam atrair.

“Ela é extremamente querida e conciliadora,” diz à Folha Howard Dean, o ex-governador de Vermont que foi pré-candidato a presidente em 2004. Depois de derrotado nas primárias em que não faltaram gafes, Dean presidiu o Comitê Nacional do Partido Democrata de 2004 a 2009, um período em que implementou estratégias eficazes de alcance eleitoral nos 50 estados —legado que foi erodido depois da eleição de Barack Obama em 2008.

O ex-governador acredita que o peso eleitoral do escândalo Cuomo, caso ele não renunciasse logo, foi exagerado. “Eu sou mais otimista do que os que vivem na bolha política de Washington”, diz Dean, que continua ativo como palestrante universitário e membro de duas fundações democratas que promovem informação eleitoral e política externa.

Ele não se arrisca a prever vitórias democratas entre deputados, mas acha que o pessimismo geral com o Senado vai se mostrar incorreto. “Pense no pacote da infraestrutura. O líder republicano Mitch McConnell não votou a favor porque apoia. Votou porque a base republicana está encolhendo.”

Dean acha que olhar só para pesquisas que mostram alta aprovação de Trump entre os republicanos é ignorar um bloco eleitoral cada vez mais velho e reduzido. Ele usa como exemplo o governador da Flórida, Ron DeSantis, visto como possível candidato a presidente e que faz guerra política às medidas sanitárias importas pelo governo Biden.

A variante delta explodiu no estado “e os números dele estão despencando", lembra Dean. “Esses governadores que estão contribuindo para mortes e infecções explodirem, em estados como Flórida e Texas, vão custar caro aos republicanos nas urnas.”

Outra incerteza para os democratas, em 2022, lembra Jessica Taylor, será o redesenho de distritos eleitorais em estados onde republicanos controlam as assembleias. “Mas há que pesar também outro fator, o da tragédia nacional”, diz. “Depois do 11 de Setembro, George W. Bush não foi punido nas urnas em 2002 porque o país estava unido em luto.”

O agravamento da pandemia poderia fazer mais eleitores coalescerem em torno do presidente que, no momento, aparece nas pesquisas do site FiveThirtyEight com 55,4% de aprovação na gestão do combate à Covid-19?

Howard Dean lembra mais um fator que é menos visível no radar da imprensa política. “O Partido Democrata é o partido da maioria dos jovens, e os jovens não atuam nos limites da hierarquia partidária tradicional. Eles se engajam em grupos privados, alistam exércitos de voluntários para garantir o direito ao voto. Para eles, não existe uma central monolítica de poder. É outra realidade no resto do país. Não dá para julgar pelo clima de Washington, que funciona como uma escola fundamental em esteroides.”

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