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Eleição de fachada na Nicarágua vai confirmar ditador Daniel Ortega no poder

Ditadura perseguiu opositores e prendeu sete dos principais candidatos; pleito não terá observadores internacionais

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Buenos Aires

A ditadura de Daniel Ortega, 75, dará mais um passo autoritário neste domingo (7), quando a Nicarágua terá uma nova eleição de fachada, da qual o ex-líder sandinista deve sair reeleito para um quarto mandato. Nos últimos seis meses, o regime prendeu, sob acusações de lavagem de dinheiro e traição à pátria, sete candidatos opositores. Restam outros cinco, que estão na corrida como parte do teatro —são todos aliados do governo.

A repressão contra críticos de Ortega, no poder desde 2007, acirrou-se em 2018, quando mais de 300 manifestantes foram mortos em confronto com as forças de segurança e grupos paramilitares alinhados ao regime. Além dos sete candidatos, há atrás das grades 32 políticos de oposição e mais de 100 líderes sindicais e estudantis, jornalistas e ativistas, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Motociclista passa por uma faixa do presidente da Nicarágua e candidato à presidência, Daniel Ortega, e sua esposa e companheira de chapa, Rosario Murillo, em Masaya
Motociclista passa por uma faixa do presidente da Nicarágua e candidato à presidência, Daniel Ortega, e sua esposa e companheira de chapa, Rosario Murillo, em Masaya - Oswaldo Rivas - 2.nov.21 / AFP

Nos últimos anos, o ditador cancelou o registro dos dois principais blocos de oposição, Coalizão Nacional e Aliança Nacional, passando a dominar o Poder Legislativo, e nomeou novos juízes da Suprema Corte. Assim, viabilizou a aprovação de leis que estendem o período das prisões preventivas e o alcance das acusações de traição à pátria, facilitando a detenção de opositores. Também perderam o registro, passando a ser considerados ilegais, 45 sindicatos e organizações sociais.

"O avanço de Ortega contra os líderes opositores é algo sem precedentes na América Latina desde os anos 1970 e 1980, quando grande parte da região estava sob ditaduras militares", diz José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da ONG Human Rights Watch.

Segundo pesquisa recente do instituto Gallup, 78% dos nicaraguenses consideram a reeleição de Ortega ilegítima e 65% dizem que votariam na oposição, se fosse possível —mesma porcentagem dos que são favoráveis à liberação dos presos políticos.

Além do presidente, a eleição escolherá os 90 membros da Assembleia Nacional. O pleito ocorrerá sem a presença de observadores internacionais, para "evitar interferência estrangeira", segundo a versão da Corte Suprema.

Com 6,6 milhões de habitantes, a Nicarágua é um dos países mais pobres da América Latina e enfrenta uma recessão há três anos, agravada pela pandemia. Segundo o Banco Mundial, o país deve sofrer a terceira pior contração econômica do hemisfério ocidental em 2021, ficando atrás só de Haiti e Venezuela. Em 2020, o PIB encolheu 8,8% e, para este ano, projeta-se uma cifra negativa de dois dígitos.

Ortega é um dos líderes negacionistas em relação à Covid, tendo promovido festas e eventos públicos com aglomeração e deixado de estimular e implementar políticas de prevenção, teste e tratamento. Até aqui, só 5,5% dos nicaraguenses tomaram as duas doses da vacina contra a doença, que matou pouco mais de 200 pessoas no país (número com grande risco de subnotificação).

A escalada autoritária e a crise econômica têm feito crescer a imigração —legal e ilegal. Os destinos preferidos são a vizinha Costa Rica, onde está a maioria dos perseguidos políticos, e os EUA.

O governo costa-riquenho fez um alerta de que o sistema de imigração local está transbordando, com 89 mil novos pedidos de asilo apenas neste ano. Um pouco mais ao norte, na fronteira dos EUA, o número de nicaraguenses detidos por tentar cruzar de modo ilegal passou de 575 em janeiro de 2021 para 13.392 em julho, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA.

O cerco à imprensa é outra tônica do país. Nos últimos dias, jornalistas estrangeiros que embarcariam na Costa Rica para Manágua tiveram as passagens canceladas pelas autoridades nicaraguenses. O regime também negou recentemente a entrada de repórteres do jornal francês Le Monde e do americano The New York Times. Segundo a ONG Urnas Abiertas, 98 profissionais de mídia foram vítimas de agressão no primeiro semestre.

Os principais meios de comunicação independentes têm sofrido pressão econômica para operar. O jornal La Prensa deixou de circular sua versão em papel, o canal 100% Notícias teve seu fundador, Miguel Mora, preso e o site Confidencial, depois de ter sua sede invadida e sequestrada, hoje opera na Costa Rica.

"Não há liberdade de imprensa na Nicarágua, assim como não há Estado de Direito", afirma Carlos Fernando Chamorro, diretor do Confidencial. A família Chamorro é um dos alvos preferidos de Ortega.
Além de Carlos Fernando, considerado foragido, sua irmã Cristiana e seu primo Juan Sebastián estão entre os sete candidatos detidos —Cristiana em prisão domiciliar, Juan na cadeia. Os dois primeiros são filhos da ex-presidente Violeta Chamorro, dissidente sandinista que derrotou Ortega nas eleições de 1990.

Políticos dos partidos opositores estão realizando uma campanha pelas redes sociais instando a população a não sair para votar. "Uma grande abstenção é tudo o que podemos fazer agora. Mostrar ao regime que o rejeitamos e à comunidade internacional que precisamos de ajuda", diz Ivania Álvarez, do Aliança Nacional, que está em San José. "Enquanto isso, tentamos nos reorganizar. É preciso cuidar dos militantes que ainda estão na Nicarágua e fortalecer o vínculo com os que tiveram de sair do país."

Chamorro afirma desejar mais pressão diplomática sobre a ditadura. "Esperamos que haja mais sanções contra os funcionários do regime e mais acompanhamento de agências sobre as ações de Ortega. Precisamos manter pressão, criar raiva nele e em [Rosario] Murillo," diz. "Mas tudo isso será inútil se falharmos na tarefa de reconstruir as liberdades democráticas na Nicarágua."

O presidente dos EUA, Joe Biden, manteve sanções impostas por seu antecessor, Donald Trump, que incluem multas e impedimento de entrada no país de altos funcionários do regime e familiares de Ortega.

Em resposta, em um discurso recente, o ditador afirmou que os EUA "novamente buscam avançar contra a Nicarágua com terror", fazendo referência aos "contra", combatentes armados financiados pelo governo de Ronald Reagan, nos anos 1980, para atacar o governo sandinista.

Antes de assumir o poder em 2007, Ortega participou da primeira junta que governou a Nicarágua após a queda do último integrante da dinastia Somoza, o ditador Anastasio Somoza, em 1979. Estavam com ele o hoje escritor Sergio Ramírez, o empresário Luis Alfonso Robelo Callejas, Violeta Chamorro e Moisés Hassan Morales, entre outros.

Em 1984, foram chamadas eleições gerais, e Ortega ganhou com 63% dos votos. No pleito seguinte, ele foi derrotado por Violeta Chamorro e, em 2007, voltou à Presidência, com a preferência de 38% dos eleitores (na Nicarágua não há segundo turno). Nos pleitos seguintes, venceu com 62% (2011) e 72% (2016).

Nas duas últimas gestões, vem crescendo a participação de sua mulher, Rosario Murillo, a quem ele chama de copresidente —ainda que essa figura não exista na Constituição. Ela tem ocupado espaço na medida em que Ortega cada vez aparece menos publicamente, o que levanta rumores de que ele possa estar doente.

Murillo se tornou o rosto e a voz do regime, uma vez que todos os dias se dirige ao país, e detém o comando do sistema de inteligência e da juventude sandinista (organização juvenil que vem se transformando em força paramilitar e atuou, por exemplo, na repressão aos atos de três anos atrás).

Até 2018, o casal tinha o apoio do empresariado, que desde então tenta se descolar da imagem de uma ditadura reconhecida internacionalmente por violar direitos humanos.

Outro aliado que vem faltando com compromissos é a Venezuela. O país aportava grande quantidade de petróleo, auxiliando o ditador a implementar sua política de auxílios sociais, mas o regime de Nicolás Maduro se vê cada vez mais afundado em sua própria crise.

Já na Igreja Católica, assim como na época da Revolução Sandinista, há posições desencontradas. No passado, líderes religiosos, muitos dos quais vinculados à Teologia da Libertação, apoiaram a luta dos sandinistas contra Somoza, enquanto o núcelo da igreja foi contra a revolução.

Hoje, há líderes católicos que se posicionam de modo critico a Ortega, principalmente depois da repressão de 2018. Por outro lado, de modo oficial, a Conferencia Episcopal Nicaraguense preferiu não tomar partido e liberou os fiéis para votar "de acordo com sua consciência". O papa Francisco, por sua vez, vem sendo criticado pelos opositores por não ter se posicionado contra o regime, como já fez com a Venezuela.

Rosario Murillo participa de celebração do 40º aniversário da tomada do Palácio Nacional pelos sandinistas
Rosario Murillo participa de celebração do 40º aniversário da tomada do Palácio Nacional pelos sandinistas - Inti Ocon - 22.ago.18/AFP

Em 2019, em conversa mediada pelo Vaticano, Ortega deu sinais de abrandamento, afirmando que libertaria presos políticos e garantiria eleições livres. Centenas de pessoas de fato saíram da prisão, embora continuem cumprindo penas domiciliares ou ainda respondam a processos. As eleições livres, porém, ficaram esquecidas.

"Como havia essa promessa, as prisões dos candidatos devem ser entendidas como sequestros", diz Vilma Núñez, do Centro Nicaraguense para os Direitos Humanos.

Ortega e Murillo têm, entre eles, nove filhos. Uma das filhas de Murillo, Zoilamérica, está afastada da família depois que acusou o padrasto de abusos. Como a mãe decidiu apoiar o marido, ela se exilou na Costa Rica. Os demais filhos ocupam cargos no governo, desde o de assessor presidencial até o de comando de estatais e emissoras públicas de rádio e TV.

Erramos: o texto foi alterado

O candidato à Presidência da Nicarágua Juan Sebastián foi incorretamente identificado como irmão de Carlos Fernando Chamorro. Ele é, na verdade, primo.

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