Descrição de chapéu África

Etiópia libera presos políticos e diz que iniciará diálogo para acabar com guerra

Centenas de pessoas já morreram em conflito que dura mais de um ano e deixou milhões de desabrigados

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Adis Abeba | Reuters

O governo da Etiópia anunciou nesta sexta (7) que iniciará um diálogo com a oposição, no que pode ser considerado um primeiro sinal das lideranças no poder para buscar um fim à guerra civil que assola o país há mais de um ano. O conflito já deixou centenas de mortos e milhões de desabrigados e famintos.

A mensagem do gabinete do premiê Abiy Ahmed, porém, dá a entender que a guerra foi vencida pelo governo central. "A chave para uma paz duradoura é o diálogo", afirma o comunicado divulgado pelo escritório de comunicações em Adis Abeba. "Uma das obrigações morais do vencedor é a misericórdia."

À promessa de diálogo se seguiu a libertação de prisioneiros políticos, segundo a emissora estatal EBC. Entre eles está Sebhat Nega, cofundador da TPLF (Frente de Libertação do Povo do Tigré), que disputa o poder com Ahmed, e Abay Weldu, ex-presidente da região do Tigré, principal reduto da oposição armada.

O jornalista etíope Eskinder Nega após ser libertado da prisão de Kaliti, em Adis Abeba, antes de ser preso novamente, em 2020
O jornalista etíope Eskinder Nega após ser libertado da prisão de Kaliti, em Adis Abeba, antes de ser preso novamente, em 2020 - Yonas Tadesse - 14.fev.18/AFP

O governo ainda anunciou a soltura do líder do partido de oposição Balderas pela Democracia Genuína, Eskinder Nega, preso há um ano e meio acusado de terrorismo.

O ex-blogueiro e jornalista dissidente foi detido depois de tumultos em protestos pelo assassinato do cantor e ativista Haacaaluu Hundeessaa, em junho de 2020, na capital do país. O artista era reverenciado por muitos oromos, o maior dos cerca de 80 grupos étnicos que compõem a Etiópia.

Eskinder, que é da etnia amhara, foi condenado com mais de uma dezena de outros ativistas, incluindo o influente empresário de mídia e político oromo Jawar Mohammed, também anistiado nesta sexta. Em meio aos protestos de 2020, ao menos 178 pessoas foram mortas em Adis Abeba e na região de Oromiya.

Em agosto do ano passado, um grupo insurgente mais ativo, o Exército de Libertação Oromo, anunciou uma aliança com a TPLF na luta contra as tropas de Ahmed. Em novembro, os insurgentes anunciaram ter avançado sobre outras regiões e consideraram marchar até Adis Abeba, o que assustou o governo central.

Dias antes, o premiê declarou estado de emergência de seis meses e pediu que a população pegasse em armas para se defender. O avanço dos rebeldes, porém, não durou muito, e as tropas centrais conseguiram recuperar parte do território. No mês passado, as forças de Tigré se retiraram das regiões vizinhas.

O premiê é alvo de críticas do Ocidente por capitanear um conflito meses depois de ter vencido o Nobel da Paz, em 2019. A TPLF dominou a política nacional por quase três décadas, mas perdeu influência depois de o atual premiê assumir, em 2018. As relações com a frente do Tigré azedaram depois que Ahmed foi acusado de centralizar o poder às custas das administrações regionais do país —o que ele nega.

O sinal de reconciliação desta sexta vem dois dias após um ataque aéreo atingir um campo de refugiados e matar três pessoas, incluindo duas crianças, no Tigré. Segundo a ONU, o ataque atingiu o campo de Mai Aini, onde vivem principalmente refugiados da Eritreia. Outros quatro migrantes ficaram feridos.

Não se sabe quem executou o ataque, mas só o governo central tem poder aéreo na região —Adis Abeba nega o envolvimento em mortes de civis. Cerca de 150 mil refugiados eritreus vivem na Etiópia, e alguns sofrem com as tropas dos dois lados do conflito. Uma investigação da agência de notícias Reuters, em novembro, revelou que refugiados foram assassinados, enquanto outros foram estuprados por gangues e saqueados, tanto pela TPLF quanto pelas forças da Eritreia, que apoiam o governo federal da Etiópia.

Segundo levantamento de agências humanitárias, ao menos 146 pessoas morreram e 213 ficaram feridas devido aos ataques aéreos no Tigré, desde 18 de outubro. O documento foi baseado em evidências coletadas por trabalhadores regionais, bem como depoimentos de testemunhas. O ataque mais mortal ocorreu no último dia 16, em Alamata, quando 38 morreram e 86 ficaram feridos.

A comunidade internacional e ONGs ainda têm denunciado o bloqueio, por parte do governo, de ajuda humanitária na região. No maior hospital do Tigré, em Mekelle, faltam produtos básicos, como gaze e fluidos intravenosos, o que tem contribuído para a morte de crianças. "Assinar atestados de óbito se tornou nosso trabalho principal", disse um dos médicos a agências internacionais de ajuda humanitária.

A apresentação do profissional incluiu resumos de casos, listas de remédios e suprimentos médicos perdidos e fotografias de pacientes feridos e desnutridos. Os médicos ainda identificaram 117 mortes e dezenas de complicações, incluindo infecções, amputações e insuficiência renal, alegadamente relacionadas à escassez de medicamentos e equipamentos essenciais.

O governo central voltou a afirmar na segunda (3) que nenhum bloqueio foi imposto. "O que está acontecendo no Tigré é responsabilidade exclusiva da TPLF", disse o porta-voz Legesse Tulu. Ele ainda acusou os insurgentes de saquearem equipamentos e remédios em mais de uma dúzia de hospitais.

Nesta sexta, o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, chamou a decisão do governo central de liberar presos políticos de "passo significativo de fortalecimento da confiança" e disse esperar a melhoria no acesso humanitário a todas as áreas afetadas. Para atender as necessidades da população local, segundo as Nações Unidas, ao menos cem caminhões de ajuda deveriam entrar no Tigré todos os dias. A realidade, porém, é outra: menos de 12% desse valor chegou desde julho.

Enquanto isso, a ONU alerta que mais de 90% dos 5,5 milhões de habitantes da região precisam de assistência humanitária e 400 mil vivem em condições de fome.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.