Relatório do governo sobre festas de Boris Johnson pode omitir detalhes após pedido da polícia

Scotland Yard, que conduz investigação própria, é acusada de interferência ao solicitar 'referência mínima' a eventos controversos

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BAURU (SP)

A investigação interna que pode determinar o futuro do premiê do Reino Unido, Boris Johnson, após a revelação de uma série de festas em que ele e seus funcionários teriam violado as regras de isolamento em meio à pandemia, pode ser postergada devido a um pedido da Polícia Metropolitana de Londres.

A expectativa era a de que o relatório fosse publicado nesta semana, mas o cronograma foi prejudicado quando, na última terça (25), a corporação anunciou a abertura de uma investigação criminal sobre as festas em Downing Street, residência oficial de Boris.

Surgiram, então, dúvidas sobre eventuais diferenças entre os dois inquéritos, já que as possibilidades de atuação da Scotland Yard, como também é conhecida a corporação, não são as mesmas de Sue Gray, funcionária do governo incumbida da investigação interna.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, durante visita a base da Força Aérea britânica em Gales - Carl Recine - 27.jan.22/AFP

Havia, por exemplo, rumores de que um dos relatórios poderia conter uma versão maquiada dos escândalos. A princípio, a polícia negou qualquer interferência na tarefa de Gray, mas, nesta sexta-feira (28), divulgou um comunicado em que admite ter feito pedidos que, para alguns críticos, podem limitar o alcance do inquérito do governo ou até fazer com que ele acabe em pizza, para usar o jargão informal.

"Aos eventos que a MET [sigla da corporação] está investigando, pedimos que uma referência mínima seja feita no relatório do gabinete", disse a Scotland Yard. Segundo o comunicado, não houve pedidos de adiamento da publicação do relatório nem de limitação sobre outros eventos. "Temos mantido contato com o gabinete, inclusive sobre o conteúdo do relatório, para evitar prejuízos à nossa investigação."

Para os legisladores, especialmente os que pediram a renúncia de Boris, o pedido da polícia compromete a investigação do governo porque demanda um novo trabalho de revisão para determinar o que pode e o que não pode ser mantido no documento. O temor é o de que pontos-chave do inquérito ou revelações mais espinhosas possam acabar censurados.

"A partir da declaração da MET, está claro que as alegações mais sérias não estarão disponíveis para o Parlamento ver e podem atrasar ainda mais o relatório", disse o conservador Andrew Bridgen à agência de notícias Reuters. "Isso não diminui minha visão de que a posição do primeiro-ministro é insustentável."

O pedido da Scotland Yard também levou a uma crise de confiança no trabalho das autoridades, segundo um porta-voz dos Liberais-Democratas, terceiro partido mais importante do Reino Unido. Para ele, é "profundamente prejudicial" que haja suspeitas de uma articulação política entre a polícia e o governo.

"O relatório de Sue Gray deve ser publicado na íntegra, incluindo todas as fotos, mensagens de texto e outras evidências", disse Alistair Carmichael. "Se for editado agora, uma versão completa e não editada deve ser publicada assim que a investigação policial estiver concluída."

Mais tarde nesta sexta, a polícia metropolitana informou que recebeu as primeiras informações do gabinete para desenrolar as investigações. A comandante Catherine Roper disse que os agentes examinarão o material de forma "justa e proporcional" e que qualquer pessoa suspeita de ter violado as medidas restritivas será convidada a explicar suas ações, para que medidas —não especificadas— sejam tomadas.

Boris nunca esteve tão ameaçado, mas apesar do número crescente de pedidos de renúncia, inclusive de membros do seu partido, o premiê vem respondendo a seus críticos, a jornalistas e parlamentares que aguardem a divulgação do relatório da investigação. Gray, segunda-secretária de gabinete, assumiu a condução do inquérito depois que Simon Case, a quem a responsabilidade fora atribuída, deixou o cargo quando a imprensa apontou que um dos eventos irregulares teria acontecido em seu escritório.

Boris foi ao Parlamento para pedir "desculpas sinceras" pela participação num evento de sua equipe que furou as regras de confinamento no país. Depois, dirigiu as mesmas palavras à rainha Elizabeth 2ª por festas no gabinete na véspera do funeral do príncipe Philip, quando o Reino Unido estava em luto.

Pediu desculpa uma terceira vez depois de ser questionado sobre acusações de que não apenas sabia da festa em Downing Street, para a qual os convidados foram instruídos a levar bebidas, como deu aval para o prosseguimento do evento. Boris também teria feito uma festa de aniversário em meio às restrições da Covid, de acordo com informações da imprensa britânica.

E, mais recentemente, envolveu-se em outro escândalo segundo o qual teria autorizado o resgate de dezenas de animais do Afeganistão em meio à caótica retirada de tropas ocidentais do país em meio à retomada do poder pelo grupo fundamentalista Talibã, em agosto. O caso veio à tona em dezembro e gerou críticas de que animais teriam sido priorizados em vez de pessoas. O premiê nega envolvimento na decisão.

A soma das polêmicas tem levado opositores a afirmarem que a agenda do governo está paralisada, justamente em um momento crítico, quando o país ainda vive as consequências da alta de casos de Covid. O parlamentar conservador Roger Gale chegou a chamar Boris de "lame duck" (expressão que, na tradução literal significa "pato manco", ou seja, uma figura decorativa, sem poder de fato).

Com Reuters

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