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Putin diz que Ocidente ignora demandas, e Rússia abre nova frente militar contra Ucrânia

Presidente faz primeira declaração da crise no ano e questiona se Otan e EUA querem provocar guerra

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São Paulo

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou nesta terça-feira (1º) que os Estados Unidos e a Otan (aliança militar ocidental) ignoraram suas demandas para encontrar estabilidade no Leste Europeu e acusou o Ocidente de arriscar uma guerra com a Rússia.

Ao mesmo tempo, deu mais um sinal. Após fazer manobras militares na Belarus, na Crimeia e junto ao leste ucraniano, Putin abriu uma nova frente de pressão sobre Kiev, com um raro exercício com tropas russas estacionadas na Transdnístria, território pró-Rússia na Moldova.

A fala do presidente, dada após um encontro com o premiê da Hungria, o populista Viktor Orbán, foi a primeira sobre a crise e sobre segurança europeia desde 23 de dezembro. Na semana passada, os americanos rejeitaram formalmente as demandas do Kremlin em relação à Ucrânia.

Soldado ucraniano brinca com cachorro em trincheira perto da linha de frente de Donetsk
Soldado ucraniano brinca com cachorro em trincheira perto da linha de frente de Donetsk - Anatoli Stepanov - 31.jan.2022/AFP

"Estamos analisando as respostas dos EUA e da Otan [...], mas está claro que as preocupações da Rússia foram ignoradas", disse ele, em entrevista coletiva, durante a qual afirmou esperar que o diálogo com o Ocidente continue, para evitar "cenários negativos".

"Vamos imaginar que a Ucrânia é um membro da Otan e inicie essas operações militares", disse, em referência a uma tentativa de recuperar a Crimeia anexada. "Devemos ir à guerra contra a Otan? Alguém já pensou nisso? Aparentemente não."

A ação na Transdnístria deixou alguns analistas de orelha em pé. O território é um encrave separatista na Moldova, uma antiga república soviética, e fica entre o país e a Ucrânia. Desde 1992 é autônomo e tem seu status garantido por tropas do Kremlin.

Assim, é aberta uma quarta frente de preocupações para o Ocidente, que teme uma invasão russa que Putin nega ter interesse em promover. Diferentemente das manobras anteriores, a movimentação na Transdnístria gera medo não de uma invasão, mas da busca de um precedente para guerra.

A região de 500 mil habitantes, dois terços dos quais russos étnicos, conhecida como "a última república soviética" por manter símbolos do império comunista, não tem em tese musculatura militar para ameaçar a Ucrânia. Estão baseados lá cerca de 1.500 soldados, 440 deles integrantes de uma força de paz e o restante, responsáveis por guardar uma grande quantidade de armas no local.

Estão armados com pouco mais de cem blindados e um punhado de helicópteros. Mas o que eles treinaram chama a atenção: invasão de forças estrangeiras. Nos meios militares ocidentais e ucranianos, há o temor de que a Rússia use uma operação de "bandeira falsa", quando forças suas se infiltram clandestinamente no território adversário e promovem um ataque de mentira contra suas próprias tropas.

Um lugar ermo, conhecido recentemente por abrigar um time de futebol que chegou à fase de grupos da Champions League, seria o palco ideal de tal movimentação. "Os militares praticaram movimentação sob cobertura, disfarces improvisados e posições de tiro", disse um comunicado do Ministério da Defesa.

A Moldova é um dos países da antiga periferia soviética que tem dado dor de cabeça a Putin. Sua presidente eleita em 2020, Maia Sandu, tem pedido reiteradamente a saída dos russos e a reintegração da Transdnístria a seu território. As manobras militares seguem na Belarus, ditadura aliada de Moscou que estreitou seus laços após protestos da oposição em 2020. Já as forças na Crimeia e no leste da Ucrânia encerraram seus exercícios, voltando às posições próximas às fronteiras que tanto assustam o Ocidente.

Desde que movimentou mais de 100 mil soldados em torno da Ucrânia, Putin tem dado as cartas no Leste Europeu. Um problema remanescente de 2014 —quando anexou a Crimeia, as áreas pró-Rússia dominadas por rebeldes no leste ucraniano— foi ampliado para uma tentativa de redesenhar a segurança europeia.

O Kremlin emitiu um ultimato exigindo que a Otan, que se expandiu a leste depois da Guerra Fria, retirasse suas forças de países ex-comunistas absorvidos desde 1997 e se comprometesse a nunca deixar a Ucrânia entrar no clube. Na prática, Kiev já estará excluída por muito tempo devido a seus problemas territoriais com a Rússia. É verdade que a Estônia também tinha desavenças fronteiriças com Moscou quando aderiu à Otan em 2004, mas o tempo era outro, e a contenda nunca chegou às vias de fato.

Seja como for, Putin deixou claro seu imperativo estratégico de não querer forças rivais às suas portas.

Os EUA e a Otan, como destacado pelo líder russo nesta terça-feira, rechaçaram a proposta, deixando abertas outras vias de negociação, numa troca diplomática que tem capítulos diários —na segunda, o ringue foi o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Também nesta terça, o premiê britânico, Boris Johnson, cancelou uma conversa com Putin e foi encontrar-se com o presidente Volodimir Zelenski, da Ucrânia, em Kiev. Ele falou em "risco real e imediato" de uma campanha russa contra o país do anfitrião, que vem tentando baixar o tom da crise.

Os chefes das diplomacias russa e americana, Serguei Lavrov e Antony Blinken, respectivamente, também voltaram a se falar nesta terça. O telefonema foi repetitivo, com o americano pedindo que a Rússia deixe as áreas fronteiriças da Ucrânia.

Já o encontro de Putin também teve o condão de causar irritação particular na Europa, onde Orbán já é visto como um pária em várias capitais por seu estilo autocrático. Ele fez questão de se colocar à disposição de todos para mediar a crise, mas também falou de negócios.

A agência russa Interfax diz que Orbán pediu o incremento no fornecimento de gás natural russo à Hungria. Cerca de 40% do produto consumido na União Europeia vem do país de Putin, o que leva a posições mais cautelosas na crise de nações centrais, como a Alemanha.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), tem viagem marcada para visitar Putin e, talvez, Orbán em meados deste mês. A diplomacia americana tem tentado dissuadi-lo disso, alegando o mau momento político e a sinalização de apoio ao russo —o Planalto rejeita a pressão, lembrando que foi convidado a ir.

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