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Rússia expressa pouco otimismo após 'nãos' dos EUA sobre Ucrânia, mas vê espaço para diálogo

Kremlin diz não ter pressa para tirar conclusões, embora veja falta de consideração com suas demandas

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BAURU (SP)

A sequência de respostas negativas dadas pelos Estados Unidos a propostas da Rússia para tentar solucionar a crise com a Ucrânia foi recebida pelo Kremlin com pouco otimismo.

O porta-voz da Presidência de Vladimir Putin, Dmitri Peskov, disse nesta quinta-feira (27) que Moscou não tem pressa para tirar conclusões depois da resposta formal negativa de Washington, entregue no dia anterior, aos planos de redesenhar os acordos de segurança pós-Guerra Fria na Europa.

À semelhança da diplomacia americana, contudo, Peskov afirmou que da parte dos russos também há interesse em continuar o diálogo. O impasse, segundo ele, está no termo "inaceitáveis" usado pelos americanos e pela Otan para classificar as demandas de Moscou.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante cerimônia em São Petersburgo que recorda o cerco de Leningrado durante a 2ª Guerra Mundial - Aleksei Nikolskyi - 27.jan.22/Sputnik/Reuters

"Não podemos dizer que nossos pensamentos foram levados em consideração ou que foi demonstrada a disposição de levar nossas preocupações em consideração", afirmou Peskov, acrescentando que a crise atual é uma reminiscência da Guerra Fria. "Mas não vamos nos apressar com nossas avaliações."

A reação sutil do Kremlin foi vista ao menos como um breve respiro na crise, ainda que esteja longe de significar um recuo na escalada de tensões. As perspectivas de uma solução ainda são nebulosas. O chanceler russo, Serguei Lavrov, disse haver esperança de iniciar um diálogo sério entre as partes, mas apenas sobre questões secundárias, não sobre as fundamentais.

A resposta dos EUA era previsível e manteve a disposição de conversar. "Estamos abertos ao diálogo", disse o secretário de Estado americano, Antony Blinken. Sem entrar em detalhes, o chefe da diplomacia negou as principais demandas apresentadas por escrito por Putin, a saber: o Kremlin quer a volta da Otan a seu tamanho antes da absorção de membros ex-comunistas, a partir de 1999, e o compromisso de que a aliança nunca terá a Ucrânia como um de seus membros.

Em outros temas, e aqui está a porta de saída do imbróglio —se é que ela existe, já que os russos realizam exercícios militares em três lados da Ucrânia—, Blinken disse estar aberto a mais diálogos e citou temas como desarmamento nuclear e monitoramento de exercícios militares mútuos.

O secretário americano insistiu que haverá conversas com reciprocidade "se a Rússia desescalar suas forças" em torno da Ucrânia —de 100 mil a 175 mil soldados mobilizados, número insuficiente para uma invasão total, mas adequado para ações como a eventual anexação do Donbass.

Blinken afirmou ainda que deverá falar novamente com Lavrov, assim que o chanceler conversar com Putin. Visto que um dia após as negativas dos EUA a Rússia diz que não tem pressa em tirar conclusões, o impasse permanece.

Para o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba, uma investida militar russa não está no radar pelo menos durante as próximas duas semanas. Esse é o período de tempo previsto até a próxima reunião entre Rússia, Ucrânia, Alemanha e França em Berlim —o agendamento foi o que de mais concreto saiu do encontro semelhante realizado em Paris nesta quarta.

Pouco antes das declarações do Kremlin, o chanceler ucraniano disse acreditar que Moscou deve permanecer em um caminho diplomático com Kiev e com o Ocidente.

"Entendemos que uma operação militar é algo que eles guardam no bolso, não é algo que colocam à frente de outras opções", afirmou Kuleba, acrescentando, porém, que a Ucrânia está se preparando para todos os cenários. Em sua visão, a estratégia da Rússia é agir para desestabilizar o país vizinho, inclusive usando táticas de guerra híbrida, como ataques cibernéticos e campanhas de desinformação.

Putin não fala publicamente sobre a crise há semanas. Para ele, a simples retirada das tropas na fronteira não é uma opção palatável. O presidente russo pode, porém, bater o pé e, em vez de agir militarmente como sempre disse que não faria, aplicar o que o Kremlin costuma descrever como respostas "técnico-militares". Isso envolveria, por exemplo, a abertura de uma base permanente na Belarus, talvez com armas nucleares, e o envio de tropas ou armas para aliados no quintal dos EUA, como Cuba e Venezuela.

À agência russa de notícias Tass Vladimir Ermakov, funcionário sênior da diplomacia de Moscou, disse que caso as demandas do Kremlin para "garantir contenção e previsibilidade" continuem não sendo atendidas, uma crise de mísseis nucleares entre Washington e Moscou seria inevitável.

Ermakov alegou que a Otan é capaz de implantar rapidamente um sistema de armas nucleares para atingir alvos estratégicos da Rússia e que os EUA estão se preparando para enviar mísseis de curto e médio alcance à Europa e à região Ásia-Pacífico. O diplomata insistiu para que todas as movimentações nesse sentido sejam interrompidas, que as armas sejam devolvidas aos americanos e que a infraestrutura capaz de permitir uma escalada nuclear seja liquidada.

Apesar das tensões em alta, a Rússia reiterou a afirmação de que não tem intenção de invadir a Ucrânia. "Já afirmamos repetidamente que nosso país não pretende atacar ninguém. Consideramos inaceitável até mesmo a ideia de uma guerra entre nossos povos", disse Alexei Zaitsev, porta-voz da chancelaria russa.

Trégua durante as Olimpíadas de Inverno em Pequim

Especula-se que, de fato, uma ação militar mais incisiva da Rússia não deve ocorrer nas próximas semanas, também devido à realização das Olimpíadas de Inverno em Pequim. Começa nesta sexta-feira (28) e vai até 20 de março o período de trégua olímpica, uma tradição milenar de interromper conflitos ativos durante a realização dos Jogos. Em tese, todos os 193 países-membros da Organização das Nações Unidas concordaram em colaborar com a paz global.

Há que se reforçar o "em tese" quando são trazidos à memória os fatos de 2008, com ingredientes que são de uma semelhança aterradora com o momento atual. Na ocasião, enquanto Pequim dava início às Olimpíadas de verão que mudariam a cara do país no cenário internacional, Moscou deslocava tropas para a Geórgia para retomar o controle da província da Ossétia do Sul.

Na primeira página da Folha de 9 de agosto de 2008, abaixo de uma foto com o título "China abre Jogos com festa monumental", a manchete dizia: "Russos invadem Geórgia após ataque a separatistas".

Neste 2022, há rumores de que o dirigente Xi Jinping pediu diretamente a Putin que não invada a Ucrânia no período olímpico. Fontes ligadas ao regime disseram, sob anonimato, que a solicitação teria o intuito de não ofuscar a realização da competição, alvo de boicote diplomático de potências como EUA, Canadá, Reino Unido e Austrália.

Putin deve viajar a Pequim na próxima semana, onde será recebido por Xi. Oficialmente, a China nega que tenha tentado interferir nas decisões geopolíticas e militares da Rússia, embora os dois países tenham fortalecido laços em questões que vão de relações comerciais e direitos humanos a oposição aos EUA.

"Usemos essa oportunidade [dos Jogos] para promover a paz, a solidariedade, a cooperação e outros valores comuns compartilhados por toda a humanidade para fazer do mundo um lugar melhor", escreveu no Twitter o embaixador chinês na ONU, Zhang Jun.

Nesta quarta, Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, conversou por telefone com seu homólogo americano e pediu, segundo comunicado divulgado por sua pasta, que "todas as partes mantenham a calma e se abstenham de fazer coisas que agitem as tensões e aumentem a crise".

Ele aproveitou para instar os EUA a "levarem a sério as razoáveis preocupações de segurança da Rússia" e, em aparente referência à expansão da Otan no Leste Europeu, disse que a segurança de um país não pode se dar à custa da de outros. O chanceler ainda reforçou que os Acordos de Minsk 2, base das demandas russas, deveriam ser implementados por constituírem "um documento político fundamental e reconhecido por todas as partes".

Blinken, por sua vez, disse que a "desescalada e a diplomacia são o caminho responsável", de acordo com comunicado do Departamento de Estado. Acrescentou, ainda, que a conversa tratou de temas como a segurança global e os riscos econômicos provocados por possíveis agressões russas contra a Ucrânia.

Com Reuters

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