Encurralar Putin por guerra na Ucrânia é a mais nova preocupação dos EUA

Conselheiros de Biden temem que líder russo possa dobrar aposta e ampliar conflito em resposta às sanções

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Washington | The New York Times

Autoridades seniores da Casa Branca que estão projetando a estratégia para confrontar a Rússia começaram a discutir internamente uma nova preocupação: que a avalanche de sanções dirigidas a Moscou, que se acelerou mais rápido do que imaginavam, esteja encurralando o presidente Vladimir Putin e possa levá-lo a atacar, talvez expandindo o conflito para além da Ucrânia.

Nas reuniões da Sala de Crise da Casa Branca, a questão surgiu repetidamente nos últimos dias, segundo três funcionários. A tendência de Putin, conforme as autoridades de inteligência dos EUA disseram à Casa Branca e ao Congresso, é dobrar a aposta quando se sentir prejudicado por seus próprios excessos.

Assim, eles descreveram uma série de reações possíveis, que vão de bombardeios indiscriminados a cidades ucranianas para compensar os primeiros erros cometidos por sua força invasora a ciberataques ao sistema financeiro dos EUA, mais ameaças nucleares e talvez ações para levar a guerra além das fronteiras da Ucrânia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante visita a obra do Centro Espacial, em Moscou - Serguei Guneiev/Sputnik - 27.fev.22/AFP

A discussão sobre os próximos movimentos de Putin está ligada a uma revisão urgente das agências de inteligência a respeito do estado mental do líder russo e se suas ambições e seu apetite por risco foram alterados pelos dois anos de isolamento da Covid-19. Essas preocupações se intensificaram após a ordem de Putin no domingo (27) de colocar as armas nucleares estratégicas do país em alerta, "prontas para combate", em reação a "comentários agressivos" do Ocidente.

Nos dias que se seguiram, entretanto, as autoridades de segurança dos EUA dizem ter visto poucas evidências de que as forças nucleares da Rússia realmente assumiram um estado de prontidão diferente.

Um sinal da profunda preocupação dos EUA ficou evidente quando o secretário de Defesa, Lloyd Austin, anunciou na quarta-feira (2) que estava cancelando um teste do míssil nuclear Minuteman previamente agendado para evitar uma escalada de desafios diretos a Moscou ou dar a Putin uma desculpa para invocar novamente o poder do arsenal nuclear do país.

"Não tomamos esta decisão levianamente, mas sim para demonstrar que somos uma potência nuclear responsável", disse o secretário de imprensa do Pentágono, John Kirby, na quarta. "Reconhecemos neste momento de tensão como é crítico que os EUA e a Rússia levem em conta o risco de erro de cálculo e adotem medidas para reduzir esses riscos." No entanto, a reação de Putin à onda inicial de sanções provocou uma série de preocupações que uma autoridade chamou de "problema de Putin encurralado".

Essas preocupações se concentram numa série de anúncios recentes: a retirada de empresas petrolíferas, como Exxon e Shell, do desenvolvimento dos campos de petróleo da Rússia; as medidas contra o Banco Central da Rússia, que levaram o rublo a despencar; e o anúncio de surpresa da Alemanha de que abandonaria a proibição de enviar armas letais às forças ucranianas e de aumentar seus gastos militares.

Além de cancelar o teste do míssil, porém, não há evidências de que os EUA estejam considerando medidas para reduzir as tensões, e uma autoridade disse que não existe interesse em recuar nas sanções.

"Muito pelo contrário", disse a pessoa, que, como outras autoridades americanas entrevistadas para esta reportagem, pediu anonimato para comentar as discussões entre assessores do governo.

De fato, o presidente Joe Biden anunciou sanções ampliadas na quinta (3), visando a classe dos oligarcas russos. Muitos dos citados —incluindo Dmitri Peskov, porta-voz de Putin e um de seus conselheiros próximos— estão entre seus defensores mais influentes e beneficiários do sistema que criou. Biden, lendo um comunicado e sem responder a perguntas, disse que as sanções "já tiveram um impacto profundo".

Poucas horas depois de sua fala, o índice S&P baixou a classificação de crédito da Rússia para CCC-, anunciou a agência em comunicado. É muito abaixo dos níveis em que a Rússia foi classificada alguns dias após a invasão e apenas dois degraus acima de um aviso de que o país está entrando em moratória.

Isso sugeriu que o esforço de Putin para colocar sua economia "à prova de sanções" fracassou em grande parte. E, pelo menos por enquanto, não há saída visível para o líder russo, a não ser declarar um cessar-fogo ou retirar suas forças —medidas que ele até agora não demonstrou interesse em tomar.

Em entrevista coletiva na Casa Branca na quinta (3), a secretária de imprensa Jen Psaki disse que não sabia de qualquer iniciativa para mostrar uma saída a Putin. "Acho que neste momento estão marchando em direção a Kiev com um comboio e continuando a tomar medidas bárbaras contra a população da Ucrânia. Portanto, não é o momento em que estamos oferecendo opções para reduzir as sanções."

No entanto, um alto funcionário do Departamento de Estado, questionado sobre os debates no governo sobre os futuros riscos, disse que há nuances na abordagem do governo que apontam possíveis saídas para o líder russo. A política de Biden, disse o funcionário, não é buscar uma mudança de regime na Rússia. A ideia, segundo ele, é influenciar as ações de Putin, não seu controle do poder.

E as sanções, observou o funcionário, foram projetadas não como punição, mas como alavanca para acabar com a guerra. Elas vão escalar se Putin escalar, disse a autoridade. Mas o governo calibrará suas sanções e talvez as reduza, se Putin começar a abrandar.

A estratégia de Putin nas próximas semanas, alertaram outras autoridades dos EUA em reuniões fechadas desde que a crise se acelerou, poderá ser redirecionar o conflito a Washington, na esperança de distrair os ataques a civis na Ucrânia e despertar uma reação nacionalista às ações de um antigo adversário.

Se Putin quiser atacar o sistema financeiro dos EUA, como Biden atacou o dele, terá apenas um caminho significativo: seu exército bem treinado de hackers e um grupo de criminosos operadores de ransomware, alguns dos quais se comprometeram publicamente a ajudar em sua batalha.

Membros do Congresso americano também levantaram temores de que Putin ative a rede de hackers criminosos de Moscou, que conduziram ataques de ransomware nos EUA que fecharam hospitais, fábricas de processamento de carne e a rede Colonial Pipeline, que transportava quase a metade da gasolina, diesel e combustível de aviação na Costa Leste.

"Se a situação se agravar ainda mais, acho que veremos ataques cibernéticos russos contra nossa infraestrutura crítica", disse o deputado republicano Mike Gallagher, membro da Comissão de Inteligência da Câmara e copresidente de uma influente comissão do ciberespaço.

Mas o próximo passo de Putin provavelmente será intensificar suas operações na Ucrânia, o que quase certamente resultaria em mais vítimas civis e destruição. "Não foi fácil para Putin, e agora ele não tem escolha a não ser dobrar a aposta", disse Beth Sanner, ex-funcionária graduada da inteligência. "É isso o que os autocratas fazem. Você não pode abandonar tudo, ou vai parecer fraco."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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