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Ross Douthat

Cenário de eleições de meio de mandato nos EUA traz risco de deslegitimação do sistema

Republicanos e democratas têm razões para temer; necessidade, porém, é mãe da invenção

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Ross Douthat

Colunista do The New York Times, escreve sobre política, religião, valores morais e educação superior

Ao longo da era Trump, eram frequentes comentários progressistas de que seu partido político de preferência representava uma clara maioria americana, frustrada por instituições antidemocráticas e condenada a viver sob o domínio da minoria conservadora.

No contexto político de 2016-20, essa crença foi exagerada. Sim, Donald Trump venceu a eleição presidencial de 2016 com uma minoria do voto popular. Mas mais americanos votaram em republicanos do que em democratas para o Congresso, e mais americanos votaram em candidatos de centro-direita para presidente —incluindo o voto libertário— do que em Hillary Clinton e a Verde Jill Stein.

Em termos estritamente majoritários, os progressistas mereciam perder em 2016, mesmo que Trump não merecesse necessariamente vencer.

Broche de Donald Trump em apoiadora em comício em Selma, na Carolina do Norte - Allison Joyce - 9.abr.22/Getty Images/AFP

E as vantagens estruturais republicanas, embora reais, não impediram os democratas de levar a Câmara em 2018, a Presidência em 2020 e o Senado em 2021. Essas vitórias ampliaram o padrão da política americana no século 21, que apresentou mudanças significativas em ciclos alternados, não o entrincheiramento do poder de uma das partes.

O cenário político pós-2024, no entanto, pode se parecer mais com as representações do progressismo de sua difícil situação na era Trump. De acordo com cálculos da Cassandra desse grupo, o analista David Shor, a convergência de 1) um mapa do Senado desfavorável para os democratas com 2) suas desvantagens preexistentes no Colégio Eleitoral e no Senado poderia facilmente produzir um cenário em que o partido ganhasse 50% do voto popular para o Congresso e 51% do voto presidencial —e acabasse perdendo a Casa Branca e encarando uma vantagem republicana quase à prova de obstrução no Senado.

Esse é um cenário para o horror progressista, mas também não é um que os conservadores devam aprovar. Nos últimos anos, à medida que suas vantagens em ambas as instituições aumentaram, os conservadores têm defendido instituições como o Senado e o Colégio Eleitoral com variações do argumento de que os EUA são uma república democrática, não uma democracia pura.

Esses argumentos têm menos peso, porém, quanto mais consistentemente antidemocráticos se tornam os resultados gerais do sistema. (Eles desmoronariam completamente no cenário buscado por Trump e alguns de seus aliados após a eleição de 2020, no qual as legislaturas estaduais simplesmente substituem suas preferências pelos eleitores em seus estados.)

A legitimidade do Colégio Eleitoral pode se sustentar se um resultado ocasional de 49% a 47% do voto popular for para o outro lado; da mesma forma a legitimidade do Senado caso se incline um pouco para outro partido, mas mude de mãos de forma consistente.

Mas um cenário em que um partido tenha mantido o poder de governar sem apoio majoritário é uma receita para deslegitimação e desilusão razoável, que nenhuma coluna conservadora inteligente sobre o significado constitucional da soberania do Estado abordaria adequadamente.

Do ponto de vista do Partido Republicano, a melhor maneira de evitar esse futuro —em que a natureza das vitórias conservadoras enfraquece a legitimidade percebida do governo— é deixar de se contentar com as vantagens concedidas pelo sistema e se esforçar mais para conquistar maiorias definitivas.

Você não pode esperar que um partido simplesmente ceda suas vantagens: nunca haverá uma emenda constitucional bipartidária para abolir o Senado, em qualquer linha do tempo que se imagine. Mas você pode esperar que um partido mostre um pouco mais de ambição eleitoral do que o Republicano tem feito ultimamente —buscar ganhar mais eleições da maneira como Ronald Reagan e Richard Nixon ganharam, em vez de se contentar com disputas apertadas e depositar esperanças em golpes de sorte.

Especialmente no clima atual, que parece terrível para os democratas, os republicanos têm a oportunidade de tornar discutível a queixa do Colégio Eleitoral, pelo menos por um tempo, simplesmente assumindo posições plausíveis, nomeando candidatos plausíveis e conquistando maiorias definitivas.

Isso significa rejeitar a política da paranoia de fraude eleitoral —como, espera-se, os republicanos farão ao escolher Brian Kemp em vez de David Perdue nas primárias da Geórgia. Significa rejeitar as tentativas de retornar à política libertária da era do Tea Party, hoje defendida em recente manifesto do senador da Flórida Rick Scott sugerindo aumentos de impostos para a classe trabalhadora —basicamente o equivalente direitista a "desfinanciar a polícia" em termos de toxicidade política.

E isso significa, e temo que esteja além das capacidades do partido, indicar um candidato que não seja Trump em 2024.

Um Partido Republicano que conseguiu conquistar maiorias populares no Senado ou no Colégio Eleitoral ainda pode vê-las ampliadas por suas vantagens estruturais. Mas essa é uma característica normal de muitos sistemas democráticos, não só do americano. É muito diferente de perder o voto popular de forma consistente e ainda assim receber o poder de qualquer maneira.

Quanto ao que os democratas devem fazer sobre suas desvantagens —bem, essa é uma discussão mais longa, mas dois pontos rápidos por enquanto.

Primeiro, na medida em que o partido quer se concentrar em respostas estruturais para seus desafios estruturais, ele precisa de clareza sobre que tipo de reformas eleitorais realmente conquistariam alguma coisa. Isso está faltando à era Biden, em que os progressistas desperdiçaram tempo e energia com projetos que não foram aprovados e que provavelmente não ajudariam muito a legenda se o fossem.

Uma ideia de reforma diferente, o estatuto de estado para o Distrito de Columbia e para Porto Rico, também não teria acontecido no período, mas é muito mais sensível aos desafios reais enfrentados pelos democratas no Senado. Então, se você é um ativista ou um legislador se planejando para a próxima breve janela de quando seu partido assumir o poder, pressionar por um Senado expandido parece uma bola longa mais razoável para treinar o arremesso de sua equipe.

Em segundo lugar, na medida em que há um caminho de volta democrata para uma maior paridade no Senado e no Colégio Eleitoral sem reforma estrutural, isso provavelmente requer o desenvolvimento de uma facção explícita dentro do partido dedicada a reconquistar dois tipos de eleitores (latinos culturalmente conservadores e trabalhadores brancos de classe média) que faziam parte da coalizão de Barack Obama, mas se desviaram para a direita desde então.

Essa facção teria duas missões: seguir uma agenda testada em pesquisas sobre política econômica (não apenas a favorável aos negócios apoiada por muitos democratas centristas) e encontrar constantemente maneiras de se distinguir do progressismo organizado —fundações, ativistas, acadêmicos— sobre questões culturais e sociais.

E, crucialmente, não no estilo tático preferido por analistas como Shor, mas na linguagem do princípio: os eleitores que tendem à direita precisariam saber que essa facção realmente acredita em sua moderação, em seus ataques aos princípios progressistas e que seus membros continuam sendo uma pedra no sapato do progressismo mesmo depois de chegarem a Washington.

Nesse momento, os democratas dispersaram os políticos que de certa forma se encaixam nesse molde, da Virgínia Ocidental à cidade de Nova York. Mas eles não têm uma agenda para se unir, doadores prontos para financiá-los, intelectuais prontos para adotá-los como seus. A necessidade, no entanto, é a mãe da invenção —e poderá se impor ao Partido Democrata em breve.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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