Trump ensaiou defender controle de armas nos EUA, mas assessores o convenceram a desistir

Após tiroteio em escola em 2018, republicano pressionou por mudança e falou em aumentar idade mínima de 18 para 21 anos

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Michael C. Bender
The New York Times

Um dos momentos mais extraordinários da presidência de Donald Trump foi uma reunião de uma hora com senadores após o tiroteio em Parkland, na Flórida, na qual ele defendeu medidas de segurança sobre armas às quais a Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês) se opunha há muito tempo.

O apoio de Trump às medidas de controle de armas –que ele explicou na televisão ao vivo da Casa Branca em 28 de fevereiro de 2018– surpreendeu os legisladores dos dois partidos. Mas no dia seguinte, diretores da NRA se encontraram com Trump sem câmeras ou repórteres na sala, e ele imediatamente recuou.

Na visão de críticos, a aparente rendição à pressão resume o histórico dele sobre o controle de armas.

O então presidente dos EUA, Donald Trump, discursa na Casa Branca, em Washington, após ataque a tiros em uma escola na Flórida - 15.fev.18/AFP

Sem o conhecimento da população, entretanto, Trump novamente pressionou dentro da Casa Branca por novas medidas significativas de controle de armas após mais de um ano, depois de duas chacinas horríveis que ocorreram ao longo de 13 horas. Essas discussões não foram relatadas anteriormente.

Em 3 de agosto de 2019, um atirador de extrema direita matou 23 pessoas numa loja do Walmart em El Paso, no Texas. No início da manhã seguinte, outro homem atirou e matou nove pessoas diante de um bar em Dayton, em Ohio. Ambos os assassinos usaram fuzis semiautomáticos.

No dia seguinte, na Casa Branca, Trump ficou tão abalado com a violência do fim de semana que questionou assessores sobre uma possível solução e deixou claro que queria agir, segundo três pessoas presentes durante a conversa. "O que vamos fazer sobre os rifles de assalto?", perguntou Trump.

"Absolutamente nada", respondeu Mick Mulvaney, seu chefe de gabinete interino. "Por quê?", insistiu Trump. "Porque você perderia", Mulvaney lhe disse. Trump nunca buscou a proibição das armas de assalto, embora a tivesse pedido em seu livro de 2000 "The America We Deserve" (os EUA que merecemos), no qual criticou os republicanos por se oporem até mesmo a restrições limitadas de armas.

Trump encarou a NRA novamente nesta sexta-feira (27), em Houston, onde discursou na conferência anual do grupo pró-armas. O evento ocorre dias depois de um atirador matar 19 crianças e dois adultos numa escola primária na cidade de Uvalde, no Texas. "Os EUA precisam de soluções reais e de liderança real, não de políticos e partidarismo", disse ele em um post nas redes sociais nesta semana após o massacre na escola, explicando sua decisão de falar no evento.

Outros oradores programados, incluindo o governador do Texas, Greg Abbott, decidiram faltar à reunião.

O interesse repetido de Trump em pressionar pelo controle de armas quando era presidente contrariava sua imagem pública como um absolutista em questões ligadas à Segunda Emenda que defendia firmemente sua posição com a NRA. Na campanha de 2016, prometeu abolir as escolas sem armas em seu primeiro dia no governo e afirmou que às vezes carregava uma arma escondida.

"Sinto-me muito melhor armado", afirmou ele no programa Face the Nation, da CBS, durante as primárias republicanas. Ao tentar se reeleger em 2020, disse aos eleitores que tinha "salvo a Segunda Emenda". Mas a realidade era mais complexa. Após o tiroteio na escola Marjory Stoneman Douglas, na Flórida em 2018, e de novo no verão de 2019, Trump pressionou publicamente por mais verificações de antecedentes antes da venda de armas e falou em aumentar a idade exigida para comprá-las, de 18 para 21 anos.

O atirador que realizou o massacre de Uvalde tinha 18 anos, assim como o acusado de matar dez pessoas negras num supermercado em Buffalo, em Nova York, em 14 de maio. "Temos enorme apoio a verificações de antecedentes realmente simples e importantes", disse Trump a repórteres em agosto de 2019.

O republicano assumiu o cargo em 2017 praticamente livre da ortodoxia de seu partido ou de qualquer ideologia política específica, confiando em seus próprios instintos. Não carregava cicatrizes das batalhas do conservadorismo intelectual, em que as discussões sobre o mérito dos cortes de impostos pelo lado da oferta, as políticas de saúde pública e direitos de armas moldaram uma geração de republicanos.

Ele tinha sido um democrata e um republicano registrado e doou centenas de milhares de dólares para candidatos de ambos os partidos. Para questões além do comércio e da imigração, a reação inicial de Trump foi muitas vezes aprovar as pesquisas de opinião e apoiar ideias que nenhum outro presidente republicano recente teria considerado.

Isso ocorreu muitas vezes em questões ligadas às armas. E muitas vezes coube aos assessores de Trump no governo, incluindo o vice-presidente Mike Pence, puxá-lo de volta para posições em que os republicanos se sentiam mais à vontade. De acordo com pessoas familiarizadas com as conversas, Pence teve especial influência ao falar com Trump após os tiroteios de 2018 e 2019.

Um conselheiro de política da Casa Branca disse que o ex-presidente tem na cabeça temas de discurso democratas porque sempre viveu em Nova York. Em questões sobre a Segunda Emenda, a equipe de Trump muitas vezes o cansou, soterrando-o com detalhes técnicos da política de armas.

De fato, na conversa em agosto de 2019, quando sugeriu que queria encontrar uma maneira de proibir as armas de assalto, Mulvaney perguntou como ele as definia, conforme disseram as pessoas presentes. Comumente, o termo se refere a uma classe de armas que inclui os fuzis semiautomáticos AR-15 usados com frequência em tiroteios contra a população. "Bem, são as armas militares", respondeu Trump.

Legalmente, os AR-15 são versões civis de uma arma militar fortemente regulamentada desde os anos 1930. "Senhor presidente", retrucou Mulvaney, "as armas de assalto militares já são proibidas por lei".

O então presidente desistiu da ideia.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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