Em salão com veto a armas, Trump defende direito às armas em convenção da NRA

Ex-presidente pede reforço de segurança nas escolas e apenas uma entrada nos centros de ensino

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Washington

O ex-presidente Donald Trump foi uma das estrelas do encontro anual da NRA (Associação Nacional do Rifle), entidade do setor de armas de fogo dos Estados Unidos, nesta sexta-feira (27).

Em sua fala, defendeu o direito dos americanos de terem armas e ressaltou que a melhor forma de evitar massacres no país é reforçar o cuidado com a saúde mental e implantar barreiras nas escolas.

Não sem certa dose de ironia, a plateia que foi assistir ao republicano precisou deixar as armas do lado de fora do salão. A determinação foi feita pelo Serviço Secreto, responsável pela proteção dele, que impede a entrada de pessoas com armamentos, inclusive facas, em eventos com a presença de ex-presidentes.

Assim, detectores de metal foram colocados na entrada do local. O evento ganhou especial atenção por ser realizado em Houston, no Texas, a cerca de 450 quilômetros de Uvalde, onde na terça (24) um atirador de 18 anos invadiu uma escola de ensino fundamental e matou 19 crianças e duas professoras. Ele usou um rifle que tinha comprado legalmente, dias após atingir a maioridade, e foi morto pela polícia.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump discursa em evento da Associação Nacional do Rifle em Houston, no Texas
O ex-presidente dos EUA Donald Trump discursa em evento da Associação Nacional do Rifle em Houston, no Texas - Shannon Stapleton/Reuters

O episódio foi o pior massacre em uma instituição de ensino infantil nos EUA em quase dez anos e ocorreu dez dias após outro ataque a tiros, em Buffalo, no qual um homem de 18 anos matou dez pessoas negras numa ação transmitida ao vivo pela internet. A polícia investiga uma possível motivação racial.

Nesta sexta, Trump pediu um minuto de silêncio pelas crianças mortas em Uvalde e leu os nomes das vítimas. Em seu discurso, chamou o atirador de "lunático fora de controle", mas criticou políticos e ativistas que pedem mudanças no acesso às armas nos EUA. Os ataques em Nova York e no Texas desencadearam a volta dessas discussões. O presidente Joe Biden, por exemplo, fez um discurso emocionado na terça criticando o lobby pró-armas. "Por que estamos dispostos a viver com essa carnificina? Quando, em nome de Deus, vamos nos levantar e enfrentar o lobby das armas?", afirmou.

Trump fez críticas diretas ao posicionamento do rival. "Testemunhamos um desfile familiar de políticos cínicos buscando explorar as lágrimas das famílias para aumentarem seu poder e tomar nossos direitos constitucionais", afirmou. "Toda vez que uma pessoa perturbada comete um crime odioso, há um esforço grotesco de alguns da nossa sociedade para avançar a própria agenda política extrema."

Para o ex-presidente, a saída para prevenir novos massacres é que famílias e educadores reforcem a atenção para detectar pessoas próximas com problemas emocionais —o atirador de Uvalde teve uma adolescência marcada por bullying e problemas familiares. "Temos que mudar radicalmente nossa abordagem sobre saúde mental. Facilitar o confinamento dos violentos e com problemas mentais em instituições. E lidar com o problema das famílias partidas, porque nenhuma lei pode curar os efeitos de um lar partido. Não há substituto para uma mãe forte e um grande pai."

O republicano defendeu ainda que escolas reforcem a segurança, com medidas como ter apenas uma porta de entrada e de saída, com detectores de metal, para evitar o acesso de pessoas armadas.

"A existência do mal em nosso mundo não é motivo para desarmar os cidadãos que respeitam a lei", disse. "A existência do mal é uma das melhores razões para armar os cidadãos que respeitam a lei."

A NRA, que manteve o encontro em Houston mesmo após apelos por um adiamento, dado o clima devido ao caso de Uvalde, considerou o ataque um "ato de um criminoso isolado e problemático". O governador do Texas, o republicano Greg Abbott, iria ao evento, mas desistiu e deve enviar um discurso em vídeo.

Outros políticos republicanos, como Kristi Noem, governadora da Dakota do Sul, e Ted Cruz, senador pelo Texas, fizeram discursos inflamados em defesa das armas. Eles apontam que cidades onde há mais restrições, como Chicago, registram mais casos de violência do que locais com acesso livre a elas.

"Para citar o ex-presidente Ronald Reagan, devemos rejeitar a ideia de que cada vez que uma lei é violada a sociedade é a culpada, em vez de quem a violou", defendeu Wayne LaPierre, atual presidente da NRA.

A associação é a principal entidade de defesa das armas nos EUA e faz lobby junto a políticos contra regulações no acesso a armamentos. O grupo, no entanto, passa por um momento delicado, após enfrentar lutas internas por liderança e um processo judicial que acusa seus diretores de desviar recursos.

O encontro da entidade, que não era realizado desde 2019, reúne políticos, estandes de venda e novos produtos. O acesso é livre aos filiados da instituição, cuja anuidade custa a partir de US$ 35.

Do lado de fora, manifestantes protestaram por mais medidas de restrição, para impedir ou dificultar o acesso a armas pesadas. Beto O'Rourke, candidato democrata ao governo do Texas nas eleições de novembro, discursou para os ativistas. "A hora de termos parado Uvalde era logo depois de Sandy Hook", disse, citando outro massacre de crianças em uma escola americana, em 2012.

"A hora de parar o próximo ataque a tiros em massa nesse país é aqui e agora."

O porte de armas é garantido pela Constituição americana, mas muitos especialistas, ativistas e políticos defendem maior controle de acesso, como medidas para impedir que pessoas com problemas psicológicos ou histórico de violência tenham acesso a armamentos de alto calibre.

Parlamentares ligados ao Partido Republicano, porém, costumam barrar medidas nesse sentido, pois veem o direito a se armar como um símbolo de liberdade a ser preservado. Nesta semana, inclusive, um projeto contra o terrorismo doméstico que previa maior controle, foi barrado no Senado.

Quando Trump estava no poder, essa influência fez com que o então presidente voltasse atrás em momentos nos quais ensaiou a defesa de políticas de controle de armas, após ataques como o de Uvalde.

Segundo reportagem do jornal The New York Times, isso ocorreu em 2019, quando um atirador matou 23 pessoas em El Paso, também no Texas. O então presidente foi dissuadido por assessores, que viam o risco de perda da base de apoio e de um confronto direto com a agenda política dos republicanos.

Antes disso, após um caso numa escola na Flórida, em 2018, Trump pressionou publicamente por maior verificação de antecedentes para a venda de armas e falou em aumentar a idade exigida para comprá-las, de 18 para 21 anos. A equipe presidencial e o lobby do setor armamentista desmantelaram a postura.

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