Crise no Iraque tem dia com 15 mortes, invasão de palácio e aposentadoria de líder xiita

Em meio a impasse eleitoral, Moqtada al-Sadr anuncia retirada e greve de fome

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Bagdá | AFP e Reuters

Poderoso clérigo muçulmano xiita do Iraque, Moqtada al-Sadr anunciou nesta segunda-feira (29) sua aposentadoria definitiva da política e o fechamento dos escritórios de seu partido, mais votado das últimas eleições. As ações se deram em resposta a um impasse que já dura dez meses e deu ao Iraque seu período mais longo sem um governo estabelecido.

A reação dos apoiadores do religioso foi imediata —dezenas de pessoas invadiram a sede do governo e mergulharam na piscina. O Palácio Republicano fica na Zona Verde de Bagdá, região de ministérios e missões estrangeiras que já vinha sendo ocupada há semanas por grupos de manifestantes pró-Sadr.

Apoiadores do clérigo Moqtada al-Sadr invadem sede do governo, em Bagdá - Ahmad Al-rubaye -29.ago.22 / AFP

Os manifestantes usaram cordas para derrubar barreiras de concreto que protegiam os portões, ocuparam as luxuosas salas do palácio e gritaram palavras de ordem em apoio ao clérigo.

Do lado de fora da Zona Verde, a confusão se agravou: jovens leais a Sadr entraram em conflito com grupos xiitas ligados ao Irã e jogaram pedras uns nos outros. Também foram ouvidos tiros e disparos de artilharia de longo alcance, segundo relato de testemunhas a agências de notícias internacionais. O saldo foi de ao menos 15 pessoas mortas e 270 feridas.

Diante desse cenário, Sadr anunciou que faria uma greve de fome até a violência cessar. Seu gabinete, contudo, não se pronunciou sobre o assunto.

O governo dos Estados Unidos descreveu o cenário como inquietante e pediu calma e diálogo. A missão da ONU no Iraque, sediada na Zona Verde, pediu aos manifestantes moderação máxima.

Após a invasão do prédio, Mustafa al-Kadhimi, o primeiro-ministro interino aliado de Sadr, suspendeu as reuniões do governo. O Exército decretou um toque de recolher no país todo a partir do fim do dia e pediu que os manifestantes deixem a Zona Verde para evitar mais confrontos.

Sadr é uma das únicas pessoas no Iraque —além do aiatolá Ali al-Sistani, grande autoridade religiosa xiita— capaz de mobilizar grandes massas. Tem milhões de seguidores, uma milícia e um império financeiro. Ele não detalhou o fechamento de seus escritórios, mas disse que as instituições culturais e religiosas permanecerão abertas.

Sadr não consegue montar um governo desde outubro do ano passado, quando seu partido venceu as eleições sem obter maioria absoluta no Parlamento. Em junho, ele retirou todos os seus representantes do Parlamento após não conseguir excluir seus rivais —apoiados por Teerã– das negociações.

No meio da crise, insistiu na dissolução do Parlamento e em eleições antecipadas. Ele diz que nenhum político que está no poder desde a invasão dos EUA, em 2003, pode ocupar o cargo.

Sadr galvanizou sua legião de apoiadores nos últimos meses, desorganizando o esforço do Iraque para se recuperar de décadas de conflito e de sanções econômicas estrangeiras. No último dia 30, seus apoiadores invadiram o Parlamento, em dias de manifestações que deixaram 125 feridos.

"Eu anuncio minha retirada final", disse Sadr em um comunicado publicado em sua conta no Twitter nesta segunda, criticando outros líderes políticos xiitas por não atenderem a seus pedidos de reforma.

Esta não é a primeira vez que o líder se retira da política. Ele já havia abandonado o governo no passado e dissolvido milícias leais a ele, mas depois acabava retornando à vida pública. A diferença agora é que o atual impasse político parece mais difícil de resolver do que os anteriores.

Como no caso de outros líderes populistas ao redor do mundo, o discurso de Sadr é marcado por contradições. Apesar de criticar o sistema e pedir uma nova ordem política menos corrupta, ele se beneficia do Estado —e seus seguidores ocupam cargos no governo.

As cenas dos manifestantes na piscina lembram a invasão recente da residência do então presidente do Sri Lanka Gotabaya Rajapaksa. Centenas de manifestantes enrolados em bandeiras do país circularam por corredores, celebraram nas áreas de lazer e prepararam petiscos na cozinha do local, num grande protesto contra a escassez de combustíveis.

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