EUA miram centro na Arábia Saudita para transferir presos de Guantánamo

Programa ajuda ex-detentos e extremistras a se reintegrar à sociedade

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Carol Rosenberg
Riad | The New York Times

Não havia ninguém no campus empoeirado do centro de reintegração e recuperação de extremistas islâmicos. A piscina estava vazia, as luzes estavam acesas na oficina de arteterapia mas não havia visitantes. Nem um pedaço de papel era visto fora do lugar na unidade de serviços psicológicos e sociais.

Os beneficiários do programa do regime saudita que ajuda os prisioneiros a se reintegrar à sociedade estavam em licença para a Eid al-Adha, festa do Sacrifício, tendo deixado o lugar estranhamente vazio. Apenas uma pintura na galeria dava a ideia da tolerância religiosa que é marca registrada do programa: uma mulher cheirando uma flor, seu cabelo descoberto voando ao vento.

O programa, com um campus em Riad e outro em Jidá, cresceu a partir de uma campanha de contraterrorismo que começou em 2004 para reeducar cidadãos que voltavam de campos de treinamento jihadistas no Afeganistão e outros influenciados por eles.

Staff members at the Counseling and Care Center in Riyadh, Saudi Arabia, July 7, 2022. About 6,000 men have gone through some form of the re-education program for former extremists, including 137 former prisoners of Guantánamo Bay. (Gabriella Demczuk/The New York Times)
Funcionários de centro de reabilitação para extremistas em Riad, na Arábia Saudita - Gabriella Demczuk/The New York Times

Cerca de 6.000 homens passaram por algum tipo de programa, entre eles 137 ex-detentos da prisão militar dos EUA na baía de Guantánamo, nenhum condenado por crimes de guerra. O último detido de Guantánamo foi enviado ao programa em 2017, pouco antes de o então presidente Donald Trump encerrar as atividades do escritório que negociava transferências.

Agora, a questão é se e como o centro se encaixa nos esforços de Joe Biden de fechar a prisão em Guantánamo, aberta há mais de 20 anos para manter suspeitos de terrorismo presos depois dos ataques de 11 de Setembro. Trinta e seis prisioneiros permanecem lá hoje.

Ao longo dos anos, os EUA mantiveram cerca de 780 homens e meninos em Guantánamo, com cerca de 660 deles no seu auge, em 2003. Os cidadãos sauditas eram de particular interesse, porque 15 dos 19 sequestradores dos ataques de 11 de Setembro eram sauditas.

O governo Trump libertou apenas um prisioneiro, um agente confesso da Al-Qaeda que atualmente está cumprindo sentença de prisão em Riad sob um acordo da era Barack Obama. Biden repatriou outro cidadão saudita em maio, mas em um acordo para submetê-lo a tratamento psiquiátrico, não para reabilitação jihadista.

Mais da metade dos detidos hoje em Guantánamo foram liberados, mas devem esperar que o governo encontre um país disposto a recebê-los com medidas de segurança. A maioria é do Iêmen, um dos vários países que o Congresso considera muito instáveis para receber presos de Guantánamo. Outros detentos estão em negociações, e se discute se os condenados podem cumprir sua pena sob custódia estrangeira.

O governo Obama tentou fechar a prisão, e a Arábia Saudita foi um dos países que figuraram proeminentemente nos planos de reassentamento. Outro foi Omã, que recebeu 28 iemenitas em um projeto altamente secreto que lhes proporcionou esposa, casa e emprego, desde que não dissessem aos vizinhos que tinham cumprido pena em Guantánamo, segundo ex-detentos. Nenhum deles havia sido julgado por crimes de guerra.

Obama enviou 20 prisioneiros para os Emirados Árabes Unidos, a maioria iemenitas, mas também vários afegãos e um russo. O país, no entanto, basicamente os prendeu e os repatriou abruptamente, menos o russo, atraindo protestos de direitos humanos de que aqueles que retornavam corriam o risco de perseguição. Com o programa considerado um fracasso, Biden procura outras opções para os liberados.

Outros casos difíceis incluem um muçulmano rohingya étnico que é apátrida; um paquistanês educado em Maryland que se tornou informante do governo dos EUA e teme perseguição se for repatriado; e um cidadão saudita que tem criticado a família real do país.

Uma recente visita ao campus nos arredores de Riad destacou uma possibilidade. O programa foi fundado pelo príncipe Mohammed bin Nayef, ex-ministro do Interior que tinha laços estreitos com agências de inteligência dos EUA. Quando ele foi afastado pelo governante de fato do reino, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, o programa foi renomeado para Centro de Aconselhamento e Cuidado.

Como descrito pelos administradores, ele mistura aulas sobre interpretações não violentas da sharia com exercícios físicos, recreação e aconselhamento, visando ao retorno para a família daqueles que completarem o programa. Ou, como disse um membro da equipe, desfazer "a lavagem cerebral que é feita" quando um jovem é atraído pelo extremismo religioso.

Uma biblioteca apresenta a leitura recomendada sobre sauditas bem-sucedidos. "As pessoas certas, a fim de evitar os modelos errados que levam à escuridão ou à morte", diz, por meio de um intérprete, Wnyan Obied Alsubaiee, diretor do programa, que detém a patente de major-general.

Um livro conta a história de um saudita que estudou em Nova York na década de 1970 e ganhou destaque na vida cívica em sua terra natal, incluindo uma atuação em um diálogo saudita-americano depois dos ataques de 11 de Setembro. Outra é a biografia de um ex-ministro do governo.

Pintura feita por ex-detento em atividade no centro, em Riad - Gabriella Demczuk/The New York Times

Alsubaiee revela que dois ex-prisioneiros de Guantánamo no sistema prisional saudita seriam aceitos no programa assim que completassem sua sentença. Um deles é Ahmed Muhammed Haza al-Darbi, o terrorista confesso da Al-Qaeda libertado pelo governo Trump. A identidade do outro não é conhecida.

O diretor se irrita com as representações do programa como um hotel cinco estrelas para extremistas: "Não é um prêmio. Eles não são mais prisioneiros. Têm de voltar para a sociedade. Queremos que se sintam aceitos e que vejam isso como outra chance".

Dos 137 homens enviados de Guantánamo para a Arábia Saudita, alguns por meio da prisão saudita, 116 voltaram à sociedade e não se meteram em problemas, 12 foram recapturados, 8 foram mortos e 1 é "procurado". Alguns dos mortos são conhecidos —foram enviados durante o governo George W. Bush e depois fugiram para o Iêmen, onde se juntaram à Al-Qaeda na Península Arábica.

Em Riad, os participantes do programa vivem em quartos individuais dispostos em torno de um pátio com uma mesquita, uma cozinha e um pequeno fogão ao ar livre para fazer chá nas noites frias do deserto.

Segundo os administradores, as primeiras visitas dos participantes a suas casas são curtas, mas evoluem para estadas de longo prazo com a família.

O aparato de segurança não é visível, mas está presente. O diretor é um oficial militar, e funcionários se vestem de forma idêntica. Na academia, um guia fez gestos para uma câmera em um canto da área de halterofilismo e explicou que todos lá estavam sob vigilância. Ninguém disse quantas das 200 vagas do programa estavam ocupadas ou quando a pessoa mais recente ou o residente mais antigo chegaram.

Na galeria, um terapeuta de arte, Awad Alyami, descreveu seu programa como uma oportunidade para que os homens expressem seus sentimentos e para que os patrocinadores do programa os avaliem. Uma seção da galeria mostra o trabalho de ex-prisioneiros de Guantánamo. "Um monte de coisas estranhas aqui", comenta. Uma imagem se destaca, com uma torre de guarda, arame farpado e homens em uniforme alaranjado. A arte de outros participantes do programa tendia a cenas do deserto e temas sauditas.

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