O Talibã, grupo fundamentalista que governa o Afeganistão, anunciou nesta terça-feira (27) um acordo para importar gasolina, diesel, gás e trigo da Rússia. A declaração vem no mesmo dia em que a ONU afirmou que a comunidade internacional "está perdendo a paciência" com o grupo nas negociações para desbloquear recursos do país.
O acerto com Moscou é o primeiro grande acordo econômico internacional feito pelos fundamentalistas desde que eles voltaram ao poder, em agosto do ano passado. Na época, os EUA bloquearam US$ 7 bilhões (R$ 37,6 bi) das reservas afegãs como forma de pressionar os talibãs a não adotarem violações de direitos humanos.
Segundo o Ministério de Comércio e Indústria afegão, o acordo com os russos envolve o fornecimento anual de 1 milhão de toneladas de gasolina, 1 milhão de toneladas de diesel, 500 mil toneladas de gás liquefeito (GLP) e 2 milhões de toneladas de trigo. O transporte será feito via estradas e ferrovias.
É incerto o período exato de vigência do acordo, mas o chefe da pasta, Haji Nooruddin Azizi, disse à agência Reuters que a operação passará por um teste prévio antes de os dois países assinarem outro pacto de longo prazo. Ele se recusou a dar detalhes sobre preços ou métodos de pagamento, mas afirmou que os produtos serão comprados com valor inferior aos praticados no mercado global.
Procurado pela Reuters, o Kremlin não comentou.
Nenhum país reconhece formalmente o Talibã como líder político do Afeganistão, incluindo a Rússia. Moscou, porém, mantém laços com os fundamentalistas desde antes da queda do governo apoiado por Washington em Cabul e, hoje, mantém a embaixada no país —um dos poucos países a fazer isso.
A representação diplomática russa em Cabul, aliás, foi alvo de um atentado no início do mês, deixando seis pessoas mortas, incluindo dois funcionários da embaixada.
O anúncio também é benéfico à Rússia, que viu reservas internacionais serem bloqueadas por EUA, União Europeia e Reino Unido devido à Guerra da Ucrânia. O Ocidente reduziu drasticamente a importação de combustíveis russos e aplicou sanções aos grandes bancos do país, impactando a economia local —ainda que não da forma esperada pelo grupo liderado por Washington.
Até por isso, o acordo comercial deve ser observado de perto nos EUA, onde diplomatas mantêm conversas com o Talibã sobre planos de desbloqueio das reservas do país. Ainda nesta terça, porém, o vice-representante da ONU no Afeganistão disse que a comunidade internacional está "perdendo a paciência" com os fundamentalistas.
"Houve desenvolvimentos positivos nos últimos meses, mas foram muito poucos, muito lentos e não compensaram os negativos" disse Markus Potzel.
A declaração foi reverberada pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. Em relatório divulgado nesta terça, ele citou as investigações dos EUA de que o Talibã teria "ligações contínuas" com o líder da Al-Qaeda, Ayman Al Zawahiri, morto no final de julho. O documento também denuncia "restrições severas" impostas pelos fundamentalistas às mulheres, em particular a proibição de frequentar escolas.
Seja como for, Moscou parece ter outras preocupações. Segundo uma fonte da agência de notícias AFP, a Rússia atuou em conjunto com a China para barrar uma declaração conjunta no Conselho de Segurança da ONU contra as violações dos direitos humanos no Afeganistão. Na reunião, o embaixador chinês Geng Shuang enfatizou a necessidade de desbloquear os fundos da nação islâmica "para melhorar a vida dos afegãos e garantir a reconstrução econômica".
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.