Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Acusação de 'bomba suja' é novo capítulo de guerra de versões entre Rússia e Ucrânia

Nações inimigas se acusam mutuamente de planejar uso de armas radioativas, enquanto Ocidente reitera apoio a Kiev

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São Paulo

A alegação da Rússia de que a Ucrânia está construindo uma suposta "bomba suja" para uso na guerra no Leste Europeu se tornou alvo de críticas de países do Ocidente, que afirmam que Moscou pretende usar a questão como pretexto para intensificar o conflito com o vizinho.

O episódio, mais um na guerra de informações que tem caracterizado a Guerra da Ucrânia, antecede o que parece ser uma iminente batalha pelo controle de Kherson —capital homônima de um dos territórios ucranianos recém-anexados por Vladimir Putin por meio de referendos considerados ilegítimos pela comunidade internacional.

Soldados russos patrulham monumento da Chama Eterna em Kherson em meio à Guerra da Ucrânia - Olga Maltseva - 19.out.22/AFP

Segundo chefes das Forças Armadas russas, Kiev estaria planejando detonar uma "bomba suja" no próprio território para responsabilizar Moscou pela contaminação resultante. Esse tipo de artefato é um míssil convencional aditivado com materiais radioativos. Também chamado de dispositivo de dispersão radiológica (RDD na sigla em inglês), quando detonado ele espalha produtos química ou biologicamente tóxicos.

Elas não são consideradas armas nucleares, e sua produção é mais simples até que de um artefato tático. O objetivo é contaminar uma determinada área —e quem estiver no local— com radiação, por meio de exposição direta ou da ingestão ou respiração de material radioativo. A Comissão Reguladora Nuclear dos EUA classifica as "bombas sujas" de arma de perturbação —não destruição— em massa, que tem como objetivo amedrontar e contaminar.

A suspeita de que Kiev poderia adotar esse tipo de artefato foi compartilhada por representantes do Kremlin com ministros das Relações Exteriores de EUA, Reino Unido e França —todos membros da Otan, a aliança militar liderada por Washington.

Depois de se posicionarem individualmente no fim de semana, os três países ocidentais rejeitaram as alegações da Rússia e reafirmaram seu apoio à Ucrânia em comunicado conjunto nesta segunda (24). "O mundo enxergaria o que há por trás de qualquer tentativa de usar essa alegação como um pretexto para uma escalada", diz a nota.

A declaração foi ecoada pelo secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg. O norueguês rejeitou a acusação sobre o uso da "bomba suja" e a descreveu como mais uma falsa alegação de Moscou.

O chanceler russo, Serguei Lavrov, desdenhou do ceticismo ocidental, enquanto o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que "a incredulidade deles não significa que não haja uma ameaça". Pouco depois, o Ministério da Defesa anunciou que prepara suas forças para atuar em condições que envolvam contaminação radioativa.

No fim da tarde desta segunda Moscou ainda enviou uma carta ao Conselho de Segurança da ONU avisando que levará o tema à reunião desta terça-feira (25) do órgão. "Consideraremos o uso da 'bomba suja' por Kiev um ato de terrorismo nuclear", escreveu o embaixador Vassili Nebenzia.

"Instamos os países ocidentais a que exercerem sua influência sobre Kiev para que a Ucrânia abandone seus planos, que colocam em perigo a paz e a segurança internacionais, e pedimos ao secretário-geral [António Guterres] para fazer tudo que possa para evitar esse crime hediondo aconteça."

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, havia dito que apenas a Rússia é capaz de usar armas nucleares na Europa e que o "carrossel de telefonemas" realizados pelo país deixou a situação clara. "Todos entenderam muito bem quem é a fonte de todas as coisas sujas imagináveis nesta guerra."

Um militar dos EUA afirmou que não há indícios de que Kiev esteja construindo uma "bomba suja", assim como não há nenhum elemento concreto que aponte que Moscou tenha decidido enfim usar armas nucleares, biológicas ou químicas —a despeito de suas reiteradas ameaças nesse sentido.

As tropas de Vladimir Putin passaram os últimos dias preparando a retirada de civis de Kherson, capital de um dos territórios ocupados no sul da Ucrânia desde as primeiras semanas de guerra. A movimentação, segundo analistas militares, seria a preparação para uma batalha pelo controle da região homônima à medida que as forças de Kiev têm reconquistado posições.

Segundo a inteligência ucraniana, ao mesmo tempo que retiram equipamentos, moradores vulneráveis e feridos, o Exército russo também reforça suas defesas com o objetivo de frear a contraofensiva.

Uma derrota russa no local representaria um dos piores reveses para Putin, desgastado internamente desde a mobilização anunciada para reforçar as frentes de batalha na Ucrânia. Embora já tenha encerrado as convocações —com 222 mil homens, de um total estimado inicialmente em 300 mil—, o que seria uma demonstração de força de Moscou acabou ofuscado por imagens e relatos de russos deixando ou tentando sair do país às pressas.

Kherson foi a única grande cidade capturada pela Rússia cujo controle Moscou manteve intacto desde o início da guerra. Ela ainda representa seu único acesso à margem oeste do rio Dnieper e abriga a passagem para a Crimeia, península que a Rússia tomou em 2014.

As autoridades russas que atuam localmente em Kherson afirmaram que os homens que decidissem não deixar a região teriam a opção de se juntar à unidade de autodefesa militar. A alternativa insólita foi apontada por Kiev como mais uma das maneiras utilizadas por Moscou para pressionar cidadãos em áreas ocupadas —o que configuraria um crime de guerra, de acordo com as convenções de Genebra.

Desde setembro, quando a Rússia sofreu grandes derrotas militares, as ações de Putin têm agravado o conflito. Além da convocação dos reservistas, o russo formalizou a anexação de quatro regiões ocupadas que ele nem sequer domina completamente, tem reiterado, ainda que veladamente, a ameaça nuclear e, mais recentemente, decretou lei marcial nas áreas invadidas e levou a guerra para dentro da Rússia ao proclamar alerta máximo em oito regiões de seu país.

Com Reuters

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