Nobel da Paz vai para ativista da Belarus e ONGs de direitos humanos de Rússia e Ucrânia

Láurea vem acompanhada de críticas a medidas autoritárias de Vladimir Putin e a ditador Aleksandr Lukachenko

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Guarulhos

O ativista Ales Bialiatski, da Belarus, o Memorial, grupo de direitos humanos da Rússia, e o Centro para Liberdades Civis da Ucrânia ganharam o Prêmio Nobel da Paz de 2022. O anúncio foi feito na manhã desta sexta-feira (7) pelo comitê norueguês do Nobel.

A láurea às duas ONGs e ao representante da sociedade civil é, em alguma medida, uma resposta ao avanço do autoritarismo na órbita de Vladimir Putin —de quem a ditadura belarussa é aliada de primeira hora— e à Guerra da Ucrânia, possibilidade que já vinha sendo aventada antes do anúncio da categoria mais importante da premiação.

Ales Bialiatski, ativista da Belarus laureado com Nobel da Paz 2022 ao lado de duas organizações de direitos humanos, durante evento em Estocolmo - Anders Wiklund - 2.dez.20/Reuters

"Eles fizeram um notável esforço para documentar crimes de guerra, abusos de direitos humanos e de poder", afirmou o comitê. "Juntos, mostram a importância da sociedade civil para a paz e a democracia."

Bialiatski, 60, está preso na Belarus. Diretor da principal organização belarussa de defesa dos direitos humanos –a Viasna (primavera)–, ele integrou uma espécie de conselho de transição formado após o ditador Aleksandr Lukachenko ser reeleito em 2020 em um pleito amplamente questionado devido a indícios de fraudes.

Perseguido, o grupo almejava promover a transferência de poder, na esteira de protestos que levaram milhares às ruas do país e que expuseram as faces mais duras da repressão do regime.

O comitê norueguês descreveu o ativista como alguém que "dedicou sua vida a promover a democracia e o desenvolvimento pacífico" e disse esperar que a láurea pressione o regime a libertá-lo.

Já o Memorial, com mais de três décadas de atuação, é o mais antigo grupo de direitos humanos da Rússia. Ele foi fundado por dissidentes soviéticos —incluindo o também Nobel da Paz e físico nuclear Andrei Sakharov— que se dedicaram a preservar a memória dos milhões de russos que morreram ou foram perseguidos em campos de trabalhos forçados durante a era de Josef Stálin.

Em novembro de 2021, a Justiça russa pediu a dissolução do Memorial, acusando o grupo de ter infringido "de maneira sistemática" obrigações de sua condição de "agente estrangeiro". Moscou também argumentou que estava aplicando leis para impedir o extremismo e proteger o país de influências externas. No mês seguinte, a Suprema Corte acolheu o pedido da promotoria, desmanchando o grupo e marcando o final de um ano de intensa repressão a críticos e opositores do governo de Putin.

O Centro de Liberdades Civis da Ucrânia, por sua vez, foi fundado em 2007 e ampliou sua atuação desde a invasão russa. Entre outras coisas, o grupo monitora desaparecimentos forçados que alega serem promovidos por forças militares russas em território ucraniano. Em nota, o centro, que é majoritariamente comandado por mulheres, agradeceu à comunidade internacional pelo apoio.

Este é o segundo ano em que o Nobel da Paz traz para o centro do debate críticas ao governo de Putin na Rússia. Desta vez, a norueguesa Berit Reiss-Andersen, chefe do comitê, quando questionada, disse que o líder do Kremlin tem representado "um governo autoritário que reprime ativistas". Uma mensagem amarga para o líder russo, que nesta sexta-feira faz aniversário e completa 70 anos.

Na edição de 2021, Moscou já havia ganhado atenção ao ver Dmitri Muratov, um dos principais jornalistas independentes do país, ser laureado ao lado da também jornalista Maria Ressa, das Filipinas, em função de seu trabalho na defesa da liberdade de imprensa. De lá para cá, o governo de Putin perseguiu o Novaia Gazeta, jornal chefiado por Muratov, e impediu seu funcionamento na prática.

Ao todo, 343 candidatos haviam sido indicados à láurea neste ano —destes, 92 eram organizações. A cifra é a segunda mais alta da história da premiação, atrás apenas do recorde de 2016, quando houve 376 concorrentes ao Nobel da Paz.

A curiosidade sobre a lista de nomes, porém, só poderá ser sanada daqui a 50 anos. Os candidatos e aqueles que os indicaram —que, entre outros, envolvem líderes de países e quem eventualmente já foi laureado— ficam sob uma espécie de sigilo por cinco décadas.

A ausência de informação leva a uma corrida, muitas vezes frustrada, de apostas sobre os mais cotados. Para esta edição, eram ventilados ao menos três nomes ligados à guerra no Leste Europeu. A temática foi certeira, mas nenhum dos nenhum dos cotados foi ganhador.

Eram eles: o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, Svetlana Tikhanovskaia, opositora ao regime da Belarus, e Alexei Navalni, principal opositor de Putin. Tikhanovskaia celebrou a premiação de Ales Bialiatski, dizendo no Twitter que o prêmio é um reconhecimento para todos os belarussos que lutam por liberdade e democracia. "Todos os presos políticos devem ser libertados."

O presidente dos EUA, Joe Biden, parabenizou o comitê norueguês por "confrontar a intimidação e a opressão". Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, elogiou o reconhecimento "da excepcional coragem dos homens e mulheres que se levantam contra autocracias".

"Grupos da sociedade civil são o oxigênio da democracia, catalisadores da paz, do progresso nacional e do crescimento econômico", disse António Guterres, secretário-geral da ONU.

O Nobel foi concedido pela primeira vez em 1901. Inicialmente, eram cinco categorias: paz, literatura, química, física e medicina. Uma sexta —economia— foi adicionada décadas mais tarde, em 1969.

Até a metade do século 20, os vencedores da categoria paz eram políticos que procuravam promover a paz internacional, a estabilidade e a justiça por meio da diplomacia e de acordos internacionais.

Desde o fim da Segunda Guerra, o prêmio passou a reconhecer esforços nas áreas de desarmamento, democracia e direitos humanos. Na virada para o século 21, o foco foi ampliado para incluir iniciativas que tentem conter a crise climática causadas pelo homem.

Há alguns anos, o Nobel também vem recebendo críticas devido às suas escolhas para o prêmio da paz.

Em 2017, a ativista Aung San Suu Kyi, laureada em 1991, foi criticada por seu silêncio em relação à crise humanitária envolvendo os muçulmanos da etnia rohingya em Mianmar, que viraram alvos do Exército e foram obrigados a fugir. Em 2019, o laureado foi o premiê da Etiópia, Abiy Ahmed, contemplado por ter encerrado a guerra com a Eritreia —um ano depois, porém, ele liderou outro confronto no norte do país, com separatistas da região do Tigré, até hoje em vigor.

Já em 2009, o então presidente dos EUA, Barack Obama, estava ainda em seu primeiro ano de mandato quando foi laureado. O próprio democrata disse não saber exatamente o motivo de ter sido agraciado.

Não houve premiação do Nobel de Paz em 19 ocasiões. O comitê norueguês explica que, caso nenhuma das obras analisadas seja considerada de real importância, o prêmio é reservado para o próximo ano. Mas também houve períodos —na Primeira e na Segunda Guerra— nos quais a premiação foi parcialmente interrompida.

Até a edição de 2021, em 31 ocasiões o Nobel da Paz foi compartilhado por dois premiados e em duas vezes, entre três pessoas.

Busto de Alfred Nobel, que dá nome à premiação, em Estocolmo - Henrik Montgomery - 3.out.22/Agência TT News/Reuters

Entregue apenas a autores vivos, o prêmio nasceu para cumprir o testamento do químico Alfred Nobel. O curioso é que, em vida, o sueco ficou conhecido por ter inventado um artefato utilizado em guerras: a dinamite. Seu pai era dono de uma fábrica de explosivos em São Petersburgo, e foi lá que um jovem Nobel, com pouco mais de 15 anos, interessou-se pela nitroglicerina, elemento essencial do explosivo.

A descoberta não tinha o objetivo de ser usada em campos de batalha. A ideia inicial de Nobel era que o artefato lhe ajudasse em seu trabalho: como engenheiro, construía pontes e prédios em Estocolmo, e a dinamite poderia implodir pedras para tal fim. Ele patenteou a invenção nos EUA em 1867, quando tinha 34 anos.

Pouco antes de morrer de hemorragia cerebral, aos 63, deixou em seu testamento que 94% de seus ativos deveriam ser destinados à criação de um fundo para premiar iniciativas que ajudassem a humanidade.


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