Da Ucrânia a Taiwan, entenda como Elon Musk se tornou agente do caos geopolítico

Palpites e comentários do bilionário provocam controvérsia em meio a conflitos mundiais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cade Metz Adam Santariano Chang Che
San Francisco, Londres e Seul | The New York Times

Nas últimas quatro semanas Elon Musk propôs um plano de paz para a Rússia e a Ucrânia —que enfureceu as autoridades ucranianas. Postou um tuíte sobre acesso à internet no Irã —que expôs manifestantes antigoverno a um golpe de phishing. Em entrevista, sugeriu que a China poderia ser acalmada se lhe fosse entregue o controle parcial de Taiwan —um representante de Taipé exigiu que ele se retratasse.

O bilionário emergiu nos meses recentes como um ator novo e caótico no palco da política global. Embora não faltem executivos que gostem de postar no Twitter o que pensam dos assuntos mundiais, nenhum se aproxima dele em termos de influência ou capacidade de provocar problemas.

Em alguns casos Musk já se intrometeu em situações mesmo depois de ser aconselhado a não fazê-lo. E já criou muitas confusões.

Elon Musk, proprietário da Tesla e SpaceX, comparece à cerimônia de inauguração de fábrica de carros elétricos, na Alemanha - Patrick Pleul - 22.set.22/Pool/Reuters

A maior parte de sua fortuna vem da empresa de carros elétricos Tesla, mas sua influência se deve em grande parte à empresa de foguetes SpaceX, que opera a rede de satélites Starlink —que pode fornecer acesso à internet em zonas de conflito e áreas de tensão geopolítica, tendo se tornado uma ferramenta essencial para o Exército ucraniano.

A influência de Musk vai crescer ainda mais se sua aquisição planejada do Twitter for finalizada, como ele prometeu. O empresário se descreve como absolutista da liberdade de expressão, e a expectativa é que promova pouca moderação do conteúdo da plataforma.

Seus críticos —e há muitos— receiam que seja difícil separar suas opiniões de seus interesses comerciais, especialmente no que diz respeito à Tesla, cada vez mais dependente da China. "A tecnologia virou um elemento fundamental da geopolítica", diz Karen Kornbluh, diretora do think tank German Marshall Fund e ex-assessora do presidente Barack Obama. "É fascinante, é confuso e há Elon Musk no meio."

Em alguns casos Musk tem sido positivo. No início do ano, quando deu à Ucrânia acesso à internet pela rede Starlink e financiou ao menos parte do hardware e do serviço, muniu civis e militares de um meio crucial de comunicação durante o conflito com a Rússia.

Elon Musk comparece à inauguração de planta industrial automobilística em Gruenheide, Alemanha - Patrick Pleul - 22.mar.22/Pool/via Reuters

Mas as mensagens que ele tem emitido também causam problemas. Na semana passada ele postou que não poderia pagar pelo uso do Starlink pela Ucrânia por tempo indeterminado. Depois mudou de ideia.

No final do mês passado, compareceu a um evento privado em Aspen, organizado em parte pelo ex-CEO do Google Eric Schmidt, que reuniu empresários e líderes políticos. Na hora do almoço, sob uma tenda num campo de golfe, Musk subiu ao palco para um debate com o empresário bilionário David Rubenstein. A informação é de duas pessoas presentes ao evento e que quiserem ficar anônimas.

Ao término da discussão, para a surpresa de muitos, Musk propôs um plano de paz na Guerra da Ucrânia que permitiria à Rússia anexar território do vizinho; ou seja, ele teria aparentemente se alinhado com o Kremlin.

A proposta enfureceu muitas pessoas. No dia seguinte Jake Sullivan, assessor de segurança nacional do presidente Joe Biden, deu uma palestra por vídeo no evento, e um participante tocou na questão do plano de Musk. Segundo um porta-voz, Sullivan não comentou as declarações. Mesmo assim, dez dias mais tarde o empresário revelou seu plano no Twitter, e o Kremlin expressou apoio público a ele.

O presidente ucraniano Volodimir Zelenski e seus assessores criticaram asperamente o projeto. Mas as posições sempre mutantes colocam o empresário numa saia justíssima: os terminais Starlink se tornaram um meio crucial de comunicação para o Exército de Kiev. Musk não respondeu ao New York Times.

Em setembro, quando a Ucrânia avançou em territórios do sul do país ocupados pela Rússia, perdeu acesso ao Starlink em algumas áreas perto das linhas de frente. Isso porque Musk "geodelimitou" o serviço para que ficasse disponível só em certas áreas.

Musk teria discutido o assunto com os governos ucraniano e americano, num esforço para determinar os locais onde o Exército terá acesso ao Starlink.

Neste mês Musk gerou mais incerteza na Ucrânia quando disse que não poderia continuar a pagar pelo serviço do Starlink no país, fazendo parecer que era ele quem estava pagando a conta. Na realidade, segundo um documento ao qual o New York Times teve acesso, EUA, Reino Unido e Polônia pagaram pelo menos parte do custo à SpaceX.

Em Aspen, Musk também interveio em relação aos protestos antigoverno no Irã. Enquanto os atos se disseminaram e o regime reagiu bloqueando o acesso à internet em algumas regiões, o empresário pareceu ter oferecido socorro. "Ativando o Starlink", ele disse em tuíte depois de Washington ter levantado sanções que limitavam a capacidade de empresas de tecnologia americanas de operarem no Irã.

O Starlink ofereceu o potencial de passar ao largo do bloqueio das conexões terrestres.

.
Moradores usam aparelho de satélite da Starlink e gerador de energia para carregar celulares, em vilarejo no leste da Ucrânia - Ivor Prickett - 17.out.22/The New York Times

Mas, como muitos iranianos não tardaram a descobrir, a promessa de Musk não se sustentou. Ele deixou de dar qualquer informação sobre o que era preciso para colocar o Starlink em funcionamento, quanto tempo isso levaria e por que as restrições impostas pelo regime praticamente impossibilitariam a oferta ampla do serviço no país.

De acordo com o especialista iraniano em direitos digitais Amir Rashidi, com o Starlink ainda inacessível no Irã, hackers ligados ao regime lançaram uma campanha de phishing, enviando mensagens por canais de mídia social contendo links que supostamente davam acesso ao Starlink —mas que eram softwares malignos que roubavam informações dos telefones dos usuários.

Hoje, segundo Rashidi, há um pouco de acesso à internet pelo Starlink disponível no Irã com equipamentos contrabandeados de outros países. Isso está gerando receios adicionais de que as autoridades possam identificar dados transmitidos, porque os sinais de satélite talvez possam ser rastreados e apontar para pessoas no país.

Rashidi, que fugiu do país em 2009, elogia Musk por tentar ajudar, mas diz que suas táticas foram irresponsáveis. "Ele foi alguém que quis dizer ‘Estou fazendo algo de positivo’, mas sem entender quais seriam as consequências."

Recentemente, Musk também se manifestou publicamente sobre a área geopolítica possivelmente mais delicada do mundo no momento: Taiwan.

As tensões entre China e Taipé criam riscos grandes para o império do bilionário. A Tesla opera uma unidade manufatureira em Xangai que produz até 50% dos veículos novos da empresa —Pequim controla fortemente a operação de companhias ocidentais no país.

Neste mês o empresário confirmou que está sendo pressionado pelo regime, dizendo ao jornal Financial Times que a China deixou claro que desaprova o acesso à internet que ele oferece à Ucrânia por meio do Starlink. Musk disse que Pequim quer garantias de que ele não ofereça o serviço na China.

Então ele propôs uma maneira de aliviar as tensões: entregar parte do controle sobre Taiwan à China. O comentário, que contraria a política de EUA e aliados, atraiu críticas imediatas de políticos taiwaneses.

Em entrevista ao New York Times, Chao Tien-Lin, membro do Partido Democrático Progressista e do comitê de Relações Exteriores e de Defesa do Legislativo taiwanês, pediu a Musk que se retrate. "Se ele não o fizer, aconselharei sinceramente não apenas os taiwaneses, mas todos os consumidores de países democráticos liberais a boicotarem a Tesla e os produtos ligados a ela."

Algumas pessoas observaram que se houver um conflito militar entre os dois países, Taiwan, como a Ucrânia, poderia pedir a Musk para fornecer um meio de comunicação emergencial com internet via satélite. Mas, dada a posição pública do empresário, a Starlink pode não ser uma opção viável.

Tradução de Clara Allain 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.