Liz Truss reconhece 'tempestade', mas defende gestão após 1º mês turbulento no Reino Unido

Primeira-ministra completa 30 dias no cargo com economia em crise e credibilidade do partido em baixa

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Londres

Assim que assumiu como primeira-ministra do Reino Unido, há exatamente um mês, Liz Truss prometeu no discurso de posse "colocar a nação no caminho do sucesso". Em 30 dias no cargo, porém, a via foi mais de turbulência, que atingiu o mercado financeiro, os rumos das crises que os britânicos enfrentam e a popularidade de seu Partido Conservador —que tem o futuro no poder já sob certa ameaça.

O clima é tal que nesta quarta (5) a política usou o discurso que encerrou o congresso anual da legenda para fazer uma enfática defesa de seu plano, tentando consolidar uma autoridade cada vez mais questionada.

É verdade que ela herdou múltiplos problemas de Boris Johnson: inflação acima de 10% pela primeira vez em 40 anos, alta do custo de vida, o descrédito devido ao "partygate" —escândalo de políticos quebrando regras de isolamento na pandemia que, por fim, levaria à queda do antecessor. Houve também o imponderável da morte da rainha Elizabeth 2ª no segundo dia da gestão, com o luto nacional levando por terra o compromisso de agir rápido.

A primeira-ministra Liz Truss discursa em congresso do Partido Conservador em Birmingham - Hannah McKay - 5.out.22/Reuters

A questão é que, quando o novo ministro de Finanças, Kwasi Kwarteng, anunciou no último dia 23 um pacote de corte de impostos de 45 bilhões de libras —o maior em 50 anos— e aumento de empréstimos, a situação piorou.

O mercado reagiu mal. A moeda britânica caiu para o menor patamar em relação ao dólar desde 1985, e o Banco da Inglaterra se dispôs a comprar 65 bilhões de libras em títulos do governo para salvar fundos de pensão. Até o Fundo Monetário Internacional (FMI) fez uma rara crítica pública à sexta maior economia do mundo. E, nesta quarta, as taxas de juros passaram de 6%, em média —o mais alto índice desde a crise financeira de 2008—, impactando milhões de britânicos com financiamentos imobiliários.

Acusada de aumentar a dívida do país e governar para os ricos, Truss diz que essa é a única maneira de a economia crescer. "Nesses tempos difíceis, devemos agir. Estou decidida a fazer o Reino Unido avançar para superar a tempestade", afirmou, em fala de mais de 30 minutos, na qual foi aplaudida de pé pelos conservadores, mas brevemente interrompida por ativistas com a faixa "Quem votou por isso?".

"Cortar impostos é a coisa certa a fazer, moral e economicamente. Por muito tempo o debate econômico foi sobre como repartir uma torta limitada. Em vez disso, temos que fazer a torta crescer para que todos possam receber um pedaço maior", disse a primeira-ministra. "Sempre que há uma mudança, há uma desordem. Nem todos serão a favor, mas o mundo inteiro se beneficiará do resultado."

Para Tony Travers, professor do Departamento de Governo da London School of Economics, a grande falha do governo foi ter feito um plano às pressas. "Políticos dirão que a culpa é de [Vladimir] Putin, que o mesmo acontece em outros países, é um fenômeno global. Mas ninguém no mercado financeiro acredita nisso", diz à Folha.

"Anunciaram um corte radical de impostos e subsídio de energia sem preparar o sistema político ou o mercado e sem incluir no cenário instituições que dão credibilidade ao governo, como o Escritório de Responsabilidade Orçamentária."

A desvalorização da moeda, por outro lado, não preocupa tanto o especialista. "Crises na libra fazem parte da vida pública britânica. Na história recente, houve uma devido à crise de Suez em 1956, outra épica na Quarta-Feira Negra em 1992. Esses ‘dramas’ e seus impactos políticos não são algo novo; o Reino Unido se recupera e segue em frente."

Sob pressão, porém, Kwarteng e Truss voltaram atrás nesta semana e desistiram de reduzir a alíquota de imposto de renda de quem ganha acima de 150 mil libras por ano. Apesar do início problemático, Travers não acredita que Truss esteja ameaçada —ainda.

"É muito difícil imaginar os conservadores se livrarem dela tão rapidamente. Eles já tiveram quatro líderes, e portanto quatro primeiros-ministros, desde 2010. Ter o quinto os faria parecer um partido político desesperado que busca transferir o próprio problema para o país. Ela está a salvo."

Não dá para dizer o mesmo da legenda em si, entretanto. Uma pesquisa de opinião do instituto YouGov na semana passada mostrou Truss com menos popularidade que Boris em seus piores momentos e deu aos trabalhistas vantagem de 33 pontos percentuais sobre os rivais. No sistema britânico, eleitores votam nos deputados que compõem o Parlamento, e o líder da sigla que detém a maioria é o primeiro-ministro.

As próximas eleições gerais são em 2024, mas a oposição aproveita o momento. O líder trabalhista, Keir Starmer, disse que "o governo perdeu o controle da economia", e mesmo um conservador, o ex-ministro de Transportes Grant Shapps, afirmou que Truss poderia enfrentar um voto de desconfiança de seus correligionários se não começar a melhorar sua aprovação.

"Sob a liderança de Starmer, o partido se tornou mais moderado. Mas o mais benéfico para os trabalhistas é o fato de os conservadores terem feito mal para a própria imagem. Historicamente, eles são conhecidos por gerenciar bem a economia, ter estado no poder por 65% do tempo desde 1945. Ao mancharem essa reputação, mancham o motivo pelo qual foram bem-sucedidos por tanto tempo", diz Travers.

"Os conservadores estão no poder há mais de 12 anos e ficaram períodos longos para um único partido em uma democracia. Também lutam contra uma inevitável perda de apoio que qualquer sigla tem com o tempo nesse sistema. Mas, como em uma previsão do tempo, o clima está pior agora do que em qualquer ponto dos últimos 12 anos e meio."

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