Moscou parece viver escassez de homens depois de mobilização de Putin

Fuga de convocação militar faz barbearias e clube de strip notarem redução no movimento; apps de namoro em países vizinhos crescem

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Valerie Hopkins
Moscou | The New York Times

As tardes de sexta-feira na barbearia Chop-Chop, no centro de Moscou, costumavam ter muito movimento. Mas num fim de semana recente, só uma das quatro cadeiras estava ocupada. "Normalmente a casa estaria cheia, mas metade de nossos clientes se foi", diz a gerente, Olia.

Muitos dos clientes e metade dos barbeiros —todos saíram para escapar da mobilização de centenas de milhares de homens decretada pelo presidente Vladimir Putin para reforçar a campanha militar russa na Ucrânia.

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Homem convocado par alutar na Ucrânia abraça parceira, durante despedida em centro de recrutamento em Moscou - Nanna Heitmann - 11.out.22/The New York Times

Muitos homens têm evitado sair à rua, por medo de receber o aviso de alistamento militar obrigatório. Olia conta que naquele dia, indo trabalhar, viu autoridades em cada uma das quatro saídas da estação de metrô checando documentos dos homens. Seu namorado, barbeiro, também fugiu.

"Cada dia que passa é difícil", diz a gerente, que, como outras entrevistadas, não quis dar o sobrenome, temendo represálias. "Sempre planejávamos tudo juntos, como casal."

Olia está longe de ser a única nessa situação. Embora ainda restem muitos homens na cidade de 12 milhões de habitantes, a presença deles em toda a capital diminuiu perceptivelmente –em restaurantes, na comunidade hipster e em jantares e festas. É o caso especialmente entre a intelligentsia moscovita, da qual muitos membros possuem renda e passaportes que lhes permitem viajar ao exterior.

Alguns homens que rejeitaram a invasão da Ucrânia deixaram a Rússia quando a guerra começou. Outros que se opõem ao Kremlin fugiram por temer a prisão ou opressão. Mas a maioria que saiu nas últimas semanas ou foi convocada para o serviço militar ou queria evitar o alistamento compulsório ou temia a possibilidade de Putin declarar lei marcial e o país fechar fronteiras.

Ninguém sabe exatamente quantos homens partiram desde que Putin anunciou o que descreveu como "mobilização parcial". Mas centenas de milhares de homens se foram. O presidente afirmou que pelo menos 220 mil homens foram recrutados.

Pelo menos outros 200 mil foram para o vizinho Cazaquistão —que não exige passaporte para a entrada de russos—, segundo o governo local. Dezenas de milhares fugiram para Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Israel, Argentina e a Europa Ocidental.

"Parece que viramos um país de mulheres", diz a fotógrafa Stanislava, 33, numa festa recente. "Eu estava procurando amigos homens para me ajudar a carregar alguns móveis e me dei conta de que quase todos foram embora."

Muitas casadas permaneceram em Moscou quando os maridos fugiram depois de receber uma "povetska" –convocação de alistamento— ou antes que o documento chegasse.

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Mulheres jogam bilhar em bar de rua badalada de Moscou. Frequência de encontros caiu no mínimo 50% - Nanna Heitmann - 15.out.22/The New York Times

"Minhas amigas e eu nos encontramos para tomar vinho, bater papo e dar apoio umas às outras", diz Liza. Seu marido, advogado de uma multinacional, recebeu um aviso sobre a mobilização dias antes de Putin anunciar a medida. Ele deixou o emprego e fugiu para um país da Europa Ocidental. Mas Liza, 43, permaneceu porque a filha está na escola.

As mulheres cujos maridos foram recrutados sofrem de solidão, mas o que pesa mais é o medo de que eles talvez não voltem vivos. Num "voenkomat" (comissariado militar) no noroeste de Moscou, esposas, mães e filhos se reuniram na semana passada para despedir-se de seus entes queridos que estavam sendo despachados para a guerra.

"Eles são como brinquedos nas mãos de crianças", diz Ekaterina, 27. Seu marido, Vladimir, 25, estava no prédio, e faltavam instantes para ele embarcar para um campo de treinamento na periferia de Moscou. "Não passam de bucha de canhão." Ela queria que Vladimir tivesse fugido da convocação, considerando que seria preferível ele passar alguns anos na prisão a voltar para casa morto.

Se os moscovitas puderam desfrutar um verão hedonista, no qual pareceu que nada havia mudado drasticamente desde a invasão da Ucrânia, a situação agora é diferente, com o inverno chegando e as consequências da guerra se evidenciando.

Na segunda-feira (17) o prefeito de Moscou anunciou que a mobilização foi oficialmente encerrada na capital. Mas muitos locais veem o movimento reduzido. Nas duas semanas seguintes ao anúncio da mobilização, o número de pedidos em restaurantes cuja conta média passa de 1.500 rublos (R$ 130) caiu 29%. Segundo o jornal Kommersant, o Sberbank, maior instituto de crédito da Rússia, fechou 529 de suas agências só em setembro.

Muitas lojas do centro de Moscou estão vazias, com placas de "aluga-se". A maior companhia aérea do país, a Aeroflot, fechou sua loja na elegante rua Petrovka. Vitrines nas quais estilistas ocidentais haviam exposto criações ao longo do verão foram finalmente cobertas.

"Está me lembrando de Atenas em 2008", diz Alexei Ermilov, fundador da Chop-Chop, citando a capital grega durante a crise financeira global. Segundo ele, das 70 barbearias que compõem sua franquia, as de Moscou e São Petersburgo são as que mais estão sentindo a ausência de homens.

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Jovens cadetes passeiam pelo museu da Segunda Guerra Mundial, em Moscou - Nanna Heitmann - 13.out.22/The New York Times

A imprensa local divulgou que um dos maiores clubes de striptease de Moscou viu o movimento cair 60% e que há menos seguranças disponíveis.

Enquanto isso, downloads de aplicativos de namoro aumentaram nos países para os quais russos fugiram. Na Armênia, o número de cadastros no app Mamba subiu 135%, segundo a empresa disse ao site russo RBK. Na Geórgia e na Turquia, os downloads aumentaram 110%; no Cazaquistão, 32%.

"Todos os homens de ideias mais moderadas se foram", diz Tatiana, 36, que trabalha com vendas de tecnologia, em uma partida de sinuca com amigas num clube na elegante rua Stoleshnikov. "O grupo de gente para namorar encolheu pelo menos 50%."

Durante o verão, a rua vivia cheia de jovens se divertindo. Mas num sábado recente estava relativamente vazia.

Tatiana conta que muitos de seus clientes deixaram o país, mas que ela própria vai ficar. Outros moscovitas, porém, ainda pretendem partir. Alisa, 21, afirma que acaba de se formar e quer economizar o suficiente para sair do país depois que as amigas concluírem os estudos, para que possam alugar um imóvel juntas no exterior. "Não enxergo futuro aqui na Rússia —não enquanto Putin continuar no poder."

Para os homens que permanecem, andar pela cidade virou uma experiência estressante. "Procuro ir de carro para todo lugar, porque eles podem entregar uma convocação se você estiver andando na rua ou ao lado do metrô", diz Alexander Perepelkin, diretor de marketing e editor da revista Blueprint.

Ele ficou porque sente que deve isso a seus mais de cem funcionários. Mas hoje o escritório o lembra dos primeiros meses da pandemia de Covid, e ele e os sócios não sabem ao certo o que fazer. "Marketing é o tipo de atividade que é feita na vida normal, não em tempos de guerra", diz.

Na barbearia Chop-Chop, Ermilov conta algo semelhante. No final de setembro ele partiu para Israel e hoje tem planos de abrir um negócio que não tenha presença física em seu país, "menos exposto a riscos geográficos".

Na Rússia, a gerente da barbearia Olia discute a possibilidade de ampliar os serviços para atender também a mulheres. "Mas é impossível traçar planos agora; o horizonte de planejamento encolheu para mais ou menos uma semana."

Tradução de Clara Allain

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