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Projeto de US$ 1 tri expõe ambição e limites externos da China de Xi

Iniciativa Cinturão e Rota espalhou 'soft power', mas erros obrigaram sua repaginação

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São Paulo

Na primeira década de seu governo, que será estendido por mais um mandato que muitos veem como potencialmente vitalício, Xi Jinping buscou aumentar a inserção externa da China por meios diversos: assertividade política, expansão militar e, principalmente, seu peso econômico.

Nenhuma ação, contudo, suplanta a Iniciativa Cinturão e Rota, como símbolo da ambição e dos limites do modus operandi do líder chinês. Iniciada no segundo ano de Xi no leme da ditadura, 2013, ela despejou cerca de US$ 1 trilhão, em valores não corrigidos, em 149 países e 30 órgãos internacionais.

Trabalhadores fazem manutenção na ferrovia Laos-China, um dos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota, em Luang Prabang (Laos)
Trabalhadores fazem manutenção na ferrovia Laos-China, um dos projetos da Iniciativa Cinturão e Rota, em Luang Prabang (Laos) - LCRC - 27.mai.2022/Xinhua

Foram investimentos diretos, fundos de participação e diversos empréstimos para projetos principalmente de infraestrutura. Os principais clientes estão na Ásia, na África e na América Latina, mercados em que a chegada do dinheiro chinês derrubou os Estados Unidos do papel de maior credor do mundo.

Washington sentiu o golpe. Para ficar num exemplo próximo do Brasil, o Comando Sul dos EUA foi um dos primeiros a denunciar o que se convencionou chamar de armadilha da dívida —condições draconianas de empréstimos que, na prática, amarravam os países a Pequim.

O fato de ser uma crítica feita por órgão militar diz muito do ânimo político, mas os problemas eram evidentes. Zâmbia e Sri Lanka praticamente quebraram com a política chinesa, e só no ano passado havia cerca de US$ 20 bilhões em empréstimos em renegociação, segundo consultorias ocidentais.

O problema também estava na natureza de projetos. O impacto ambiental das represas chinesas no Laos, visando tornar o país uma fonte de energia no Sudeste Asiático, é objeto quase universal de críticas. Obras que ficaram paradas ou ferrovias sem utilidade, idem.

Mas nem tudo é ônus. A Cinturão e Rota colocou efetivamente o Paquistão sob o guarda-chuva chinês, promovendo um contraponto regional à Índia: maior rival de Islamabad, Nova Déli tem no confronto político com Pequim uma de suas prioridades.

No país asiático, a China colocou quase US$ 40 bilhões, assegurando também uma passagem alternativa de produtos para o oceano Índico, por meio do porto de Gwadar. O efeito colateral foi a crise financeira paquistanesa, que levou o país a bater às portas do Fundo Monetário Internacional em 2019.

Economicamente, portas foram abertas. Hoje, a China é a principal parceira de 120 países, Brasil incluso —o país não é membro do Cinturão e Rota, mas foi o maior destino de investimento em infraestrutura chinesa no continente (US$ 66 milhões, sem correção, de 2010 a 2020).

A busca chinesa por alternativas de escoamento de suas exportações também rendeu frutos com a iniciativa. Em 2011, havia 17 trens de carga com rotas regulares ligando o país à Europa. Hoje, são 15 mil, alguns com rotas alteradas devido à Guerra da Ucrânia.

A Rússia, aliás, viu na iniciativa uma forma de materializar sua aliança política crescente com Xi. Até 2020, havia recebido cerca de US$ 60 bilhões em empréstimos, segundo o Banco Mundial. A situação mudou completamente com o conflito e as sanções ocidentais, levando Xi a abrir uma linha de sobrevivência para Vladimir Putin com o aumento nas compras de hidrocarbonetos com desconto.

De todo modo, a iniciativa recebeu tantas críticas e ameaças de retaliação comercial que a China passou a reformular seus planos, aproveitando o engasgo mundial da economia com a pandemia de Covid-19. Houve uma redução no estoque de investimento externo, que segundo o regime chinês estava em US$ 56,5 bilhões em 2021, 44% empregado em projetos de energia.

Mesmo a diplomacia que acompanhava todo o processo, muitas vezes baseada em agressivos tuítes de embaixadores contra rivais, perdeu um pouco do ímpeto do "lobo guerreiro" —apelido desses diplomatas tirado de um popular filme de ação chinês.

Outro tombo ocorreu em um movimento paralelo, a tentativa de expandir a presença chinesa na infraestrutura de 5G do mundo. Diversos países ou vetaram completamente empresas como a Huawei de suas redes, como diversos europeus, ou limitaram sua participação, caso do Brasil. A retórica americana de risco de espionagem e dependência, ainda que irônica dado o histórico dos EUA, colou.

Por outro lado, contatos estabelecidos mundo afora ajudaram Xi a promover sua diplomacia da vacina na pandemia. A Coronavac só chegou rapidamente ao Butantan porque o governo paulista havia aberto um escritório em Xangai meses antes e assinado um acordo de cooperação com a Sinovac.

Desde o ano passado, houve uma redução na ênfase no termo Iniciativa Cinturão e Rota, até por remeter à Rota da Seda, a antiga ligação comercial entre China e o Ocidente. Agora, a palavra de ordem é Iniciativa de Desenvolvimento Global, levada por Xi a seu discurso na Assembleia-Geral da ONU do ano passado.

De lá para cá, segundo levantamento publicado pela pesquisadora Andreea Brînza, do Instituto Romeno para Estudos da Ásia-Pacífico, dos 15 discursos do líder, 14 citavam o novo termo. Cinturão e Rota virou qualificação de práticas, mencionadas como cooperativas, em 8 ocasiões.

Ou seja, a roupagem está sendo redesenhada. Em suas falas, Xi cita sempre o aspecto ambientalmente responsável das iniciativas do novo programa, tocando música para os fundos ESG que precisam prestar contas a seus investidores. Não se sabe bem o que sairá disso, claro, mas o que é certo é a sequência da assertividade chinesa sob o duradouro líder.

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