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Rishi Sunak pode acalmar mercados, mas o mais difícil será acalmar os eleitores

Novo premiê do Reino Unido é tecnocrata respeitado, mas político impopular imposto por Partido Conservador em crise

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Lucas de Abreu Maia

Cientista político, é professor da Universidade de Bristol, na Inglaterra

Bristol

O Reino Unido ganhou um novo monarca há pouco mais de um mês, mas a coroação que de fato importa se deu nesta segunda-feira (24), com a imposição de Rishi Sunak como primeiro-ministro de um país que vive hoje a maior crise desde a Segunda Guerra.

Embora a nomeação possivelmente venha a ser suficiente para estabilizar a economia britânica, em queda livre graças à desastrosa gestão da antecessora, Liz Truss, o maior desafio do novo premiê será convencer o povo —que, afinal, não o elegeu— de sua legitimidade para governar.

A elevação de Sunak ao cargo mais alto da política britânica é uma coroação, então, em vários sentidos. Primeiramente, ele conseguiu reunir os legisladores do cingido Partido Conservador em torno de si. A despeito das brigas internas (entre fiscalistas e populistas, pró e anti-imigração, apoiadores do brexit e os que veem com clareza a tragédia que o referendo de 2016 causou ao país), Sunak chegou ao número 10 da Downing Street, a residência oficial, sem competição interna.

O novo premiê do Reino Unido, Rishi Sunak, ao deixar a sede do Partido Conservador, em Londres - Daniel Leal - 24.out.22/AFP

Diante da iminente derrota dos conservadores nas próximas eleições, os parlamentares do partido decidiram impor a sua base o único homem capaz de acalmar os mercados neste momento.

Eis o segundo sentido da coroação: ele foi imposto aos cerca de 200 mil filiados à legenda. Como em todo sistema parlamentarista, o primeiro-ministro do Reino Unido é o líder da agremiação com mais assentos no Legislativo.

Ocorre que o sistema britânico adicionou pitadas de populismo ao parlamentarismo clássico. Enquanto em outras democracias europeias os líderes são apontados só pelos correligionários em cargos eletivos, no Reino Unido há um pleito interno do partido. A base conservadora, porém, representa um país que não mais existe: velho, anglicano e quase totalmente branco.

Ela já havia rejeitado Sunak, de ascendência indiana, na escolha de Liz Truss como primeira-ministra, em setembro. Ao que tudo indica, bastaria um candidato branco, fosse quem fosse, para que o eleitor conservador (em ambos os sentidos), o preferisse àquele que agora se torna o primeiro premiê não branco do Reino Unido.

No Reino Unido, o partido que controla o Parlamento deve convocar uma nova eleição pelo menos a cada cinco anos —ainda que não seja incomum que o pleito seja antecipado quando a sigla sente alguma chance de ampliar sua base, como fizeram Theresa May em 2017 e Boris Johnson em 2019. Agora, no entanto, as pesquisas indicam que os conservadores perderiam feio, de maneira que em hipótese alguma convocarão eleições. Em vez disso, devem segurar as pontas como possível até o limite legal, em 2025.

E, se o objetivo é segurar as pontas, Sunak é mesmo o melhor nome para fazê-lo. Ninguém questiona sua competência. Educado em uma das escolas particulares de maior prestígio na Inglaterra, graduado na Universidade de Oxford e com MBA em Stanford, ele foi ministro das Finanças na gestão de Boris —e a ele foi atribuída a relativa estabilidade econômica do país durante a pandemia de Covid.

Mas, se é um tecnocrata respeitado, é também profundamente impopular. Milionário (a imprensa britânica estima que ele seja mais rico que o rei Charles 3º), já foi ridicularizado em redes sociais por desconhecer o preço do pão e não saber como usar um cartão de crédito por aproximação num posto de combustíveis —a cena foi vista em uma ação para promover o corte de impostos do setor, em março deste ano.

(O carro que Sunak dirigia na ação era também emprestado de um funcionário, de um modelo popular, não um dos quatro carrões que ele tem na garagem do primeiro-ministro.)

Para além dos memes, porém, a fortuna de Sunak já trouxe problemas muito mais sérios. A mulher dele, herdeira de uma bilionária família indiana, foi acusada de sonegar impostos ao migrar para a Inglaterra.

O simbolismo de um primeiro-ministro mais rico que o rei dificilmente poderia vir num pior momento. O Reino Unido vive a pior crise inflacionária em 40 anos. Diante do aumento no custo de vida e da queda real dos salários, greves pipocam em todo o país. Enquanto isso, em sua primeira fala pública, o novo premiê anunciou que cortes nos já precários (para os padrões europeus) serviços públicos estão a caminho.

O fiscalista Sunak possivelmente conseguirá acalmar os mercados —que, nas últimas semanas, fizeram com que a libra despencasse e os juros de longo prazo dos títulos do governo britânico disparassem. Mais improvável é que consiga acalmar um eleitorado que, no fim de contas, não o elegeu.

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