Influenciadores idosos desafiam noção de idade na China

Cantoras de rap e consultoras de estilo ajudam a desmistificar estereótipos sobre envelhecimento

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Alexandra Stevenson Zixu Wang
Hong Kong | The New York Times

A mulher de 65 anos se agacha em um campo e segura uma cabeça de repolho.

Atrás dela, duas amigas para a frente e para trás, seguram pepino e rabanetes. "Este repolho podre, vamos arrancá-lo, comê-lo, alcançar alguma liberdade culinária", canta em voz baixa e rouca Guo Yifen, a mulher com o repolho, na música "Spicy Hot Pot Real Rap" (rap real da sopa picante).

O trio, conhecido como Sister Wang Is Coming (a irmã Wang está chegando), é conhecido por compartilhar vídeos divertidos no Douyin, a versão chinesa do TikTok. Guo e suas parceiras, Wang Shuping, 64, e Wang Xiurong, 66, têm mais de 500 mil seguidores que assistem a seus videoclipes relacionados a comida, com músicas como "Fried Mushrooms" (cogumelos fritos) e "Country Food Rap" (rap da comida caipira).

Quatro mulheres que fazem parte do Glamma Beijing gravam vídeo para a internet em Pequim, na China
Quatro mulheres que fazem parte do Glamma Beijing gravam vídeo para a internet em Pequim, na China - Gilles Sabrié - 25.ago.22/The New York Times

O grupo faz parte de um número crescente de chineses idosos que tiveram sucesso viral compartilhando suas vidas diárias online. Nesse recanto da internet chinesa, octogenárias cantam, septuagenárias dançam tango e fashionistas grisalhas desfilam em passarelas e dão dicas de maquiagem para milhões de fãs. Existe até um homem de 86 anos que apenas senta e joga video games como Call of Duty.

Com mais de 260 milhões de habitantes de mais de 60 anos, a China tem a maior e mais crescente população de idosos do mundo. Quase a metade está online, onde alguns optam por viver seus sonhos profissionais, enquanto outros apenas se divertem um pouco. Muitos encontram companhia por meio de fãs, um antídoto para uma vida solitária. Fazem parte de uma nova geração de aposentados chineses que têm menos netos e maior autonomia financeira para praticar hobbies e compartilhar experiências online.

Os cantores, dançarinos e celebridades acidentais fazem parte de uma comunidade global de idosos que abraçaram os altos e às vezes baixos das redes sociais.

Na China, os influenciadores estão ajudando a desafiar o estereótipo particularmente arraigado de que se espera que os avós fiquem em casa ou ajudem a cuidar de suas famílias limpando, cozinhando e cuidando dos netos, enquanto os filhos adultos trabalham. Para alguns aposentados, os netos não são mais um fator, pois cada vez mais jovens chineses rejeitam o casamento ou optam por não formar famílias.

"Olhamos para a velhice dos nossos pais e pensamos: temos que viver de uma maneira diferente", disse Sun Yang, 66, ex-professora de inglês que se aposentou há mais de uma década. Sun e três de suas amigas são influenciadoras de moda que atendem pelo nome de Glamma Beijing. Em seus vídeos, desfilam roupas vintage e modernas e misturam dicas de estilo com conselhos para a vida cotidiana.

"O que fazemos agora é algo que só podíamos sonhar quando éramos jovens", disse ela. Muitos dos mais de 2 milhões de seguidores da Glamma Beijing estão na faixa dos 50 e 60 anos. Mas também há mais jovens, que perguntam às mulheres sobre escola e namoro. Algumas dizem que os tutoriais as ajudaram a superar o medo de envelhecer, disse Sun.

As estrelas do Glamma Beijing às vezes apresentam a família em seus vídeos. A nora de Sun gerencia a conta de rede social, e sua neta de seis anos de idade frequentemente ajuda a filmar. Mas principalmente as quatro falam sobre viagens, caminhadas e ensaios de desfiles de moda.

A independência é um tema comum nos vídeos das influenciadoras, pois elas são contra a ideia de que os idosos devem ficar em casa na aposentadoria e ajudar a criar a próxima geração.

Nos videoclipes de Sister Wang Is Coming, Guo e suas amigas correm pelos campos, pregam peças umas nas outras ou se deitam na grama e sonham acordadas. Elas fazem raps sobre seu amor por cozinhar e comer. É um mundo distante das rotinas diárias que já tiveram como mães e esposas com filhos para criar e maridos para alimentar. "Os tempos estão mudando", disse Lin Wei, 67, outra Glamma e ex-enfermeira que prometeu permanecer ativa na velhice. "Precisamos acompanhar a sociedade e nos integrar a ela."

Para as vovós do foodie rap, moradoras de um vilarejo perto de Pequim, os vídeos começaram como uma forma de passar o tempo na pandemia. "Era só diversão", disse Wang Shuping. Quando o filho de Wang, Ren Jixin, veio visitá-los no feriado do Ano Novo Lunar, ele decidiu ajudá-las a aperfeiçoar o número.

"Nós cantamos desafinado. Não temos ouvido musical", disse Guo. Ren, compositor de música para documentários, sugeriu que o trio fizesse rap em vez de cantar e começou a escrever letras para o grupo. Neste ano, centenas de milhares de pessoas começaram a seguir sua conta no Douyin. Ren voltou para casa e agora passa vários dias por semana escrevendo, ensaiando e filmando.

"Isso exercita nosso cérebro", disse Guo sobre o conteúdo que elas criam.

Há dinheiro também. Por meio de sua conta no Douyin, a Sister Wang Is Coming ganha cerca de US$ 1.400 (R$ 7.400) por mês. Não é o suficiente para viver, mas à medida que sua base de fãs aumenta elas geram maior interesse de empresas que desejam anunciar com elas.

Para a Glamma Beijing, o streaming é muito mais lucrativo. Elas podem ganhar mais de US$ 115 mil (R$ 613 mil) com publicidade e comissões de vendas com apenas algumas transmissões ao vivo. Em um desses eventos em agosto, as quatro avós se sentaram à beira de um lago num parque em Pequim e conversaram sobre sua juventude, enquanto 21 mil pessoas assistiam online.

Mas o sucesso pode ter seus desafios. Alguns influenciadores mais antigos no país são gerenciados por agências de talentos que impõem cotas extenuantes e exigem que seus clientes vendam produtos e marcas. Os fãs podem ser inconstantes, e as plataformas de rede como o Douyin podem bombardear os usuários com canais mais focados em vender produtos do que em contar uma boa história.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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