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Criminalidade preocupa Nova York, e desigualdades devem aumentar

Cidade precisa retreinar força de trabalho com dinheiro público e parcerias público-privadas

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Gillian Tett
Financial Times

O prefeito de Nova York, Eric Adams, provocou uma tempestade ao prometer tirar doentes mentais das ruas da cidade para interná-los em hospitais, mesmo que seja contra a vontade deles.

A criminalidade e as pessoas em situação de rua têm provocado angústia crescente na cidade, e as duas questões podem ser ligadas a problemas de saúde mental não tratados. Se a nova iniciativa do prefeito levar mais segurança às ruas —e esse é um "se" importante–, vai lançar um desafio a cidades como San Francisco e Seattle, onde os problemas são muito maiores.

Barracas abrigam pessoas em situação de rua em calçadas no distrito de Manhattan, em Nova York
Barracas abrigam pessoas em situação de rua em calçadas no distrito de Manhattan, em Nova York - David 'Dee' Delgado - 8.abr.22/Reuters

Mas, embora questões visíveis como pessoas em situação de rua são um alvo importante da atenção do prefeito, há outra questão menos visível que também deveria preocupá-lo. Trata-se das perspectivas da economia de Nova York e da força de trabalho da cidade.

Durante os lockdowns da Covid, muitas empresas e habitantes de alto poder aquisitivo se mudaram para lugares onde a carga tributária é mais baixa, como a ensolarada Flórida. Isso enfraqueceu a base tributária local no exato momento em que as demandas de gastos aumentavam.

A lacuna fiscal foi parcialmente coberta com ajuda federal –mas, na realidade, essa foi uma solução apenas aparente. Desde então, algumas das "aves migratórias" voltaram (mas não todas), escritórios foram reabertos, os aluguéis residenciais recuperaram seus níveis anteriores e os hotéis voltaram a lotar.

Mas o índice de ocupação de imóveis comerciais ainda está mais baixo que antes da pandemia, e parece pouco provável que retorne aos níveis pré-Covid. Acadêmicos das escolas de administração de empresas da Universidade Columbia e NY Stern estimam que o setor dos imóveis comerciais de Nova York teve seu valor reduzido em US$ 50 bilhões (R$ 262 bilhões).

Assim, Adams enfrenta os mesmos problemas que muitos outros líderes municipais desde que a pandemia começou: será que Nova York pode ser fiscalmente sustentável com escritórios metade vazios? E como fica sua força de trabalho?

A boa notícia é que a cidade tem vantagens iniciais significativas (tirando sua fama de ousadia agressiva e seu tino para negócios escusos). Um relatório recente produzido para a prefeitura pela consultoria McKinsey apresenta a realidade: a região possui a segunda maior economia metropolitana do mundo, perdendo apenas para Tóquio. O PIB per capita supera com folga os US$ 150 mil (R$ 786 mil) anuais, mais alto que em qualquer outra cidade do país exceto Los Angeles.

O número de residentes com diplomas universitários é maior que em qualquer outra cidade americana, e Nova York tem uma longa tradição de atrair multidões de migrantes ambiciosos: um terço da força de trabalho nasceu fora do país. Profissionais imigrantes estão desproporcionalmente presentes no setor médico, mas migrantes também formam metade dos profissionais do setor imobiliário e um terço do financeiro.

Fato mais importante ainda é que a cidade está acostumada a reinventar sua base econômica repetidas vezes. No início do século, a maioria dos empregos mais bem pagos estava no setor financeiro. Hoje, segundo relatório recente do gabinete do prefeito, o setor de tecnologia é o maior motor de crescimento de empregos bem pagos, e Nova York perde apenas para o Vale do Silício em suas dimensões. Wall Street não está mais no topo.

Mas a má notícia é que a situação mais ampla está mudando. Desde 2019, a força de trabalho de Nova York diminuiu 4%, num contraste marcante com décadas anteriores. Isso se deve em parte ao êxodo devido à pandemia, mas a participação da força de trabalho estava em queda antes mesmo da Covid.

Além disso, a McKinsey calcula que, embora entre 1991 e 2011 a cidade tenha recebido quase 900 mil moradores novos, desde então ela perdeu 452 mil. Sim, você leu corretamente: na cidade onde Lin-Manuel Miranda, autor do libreto de "Hamilton", escreveu o verso "Imigrantes –a gente dá conta do trabalho!", a maré de migrantes se inverteu. Miranda observou nesta semana que isso o entristece, já que ele vê a imigração (corretamente) como algo que fortalece a cidade.

Mas os problemas trabalhistas mais amplos são igualmente preocupantes. A McKinsey prevê que até 2030 a automação terá eliminado 350 mil vagas de trabalho em Nova York em setores como suporte a escritórios e restaurantes. A consultoria previu uma onda ainda maior de geração de empregos na saúde, tecnologia, direito e empresas.

Mas o problema é que a segunda categoria de potenciais novas vagas de trabalho requer treinamento e formação profissional, o que não era o caso da primeira. Assim, o futuro da Grande Maçã parece perigosamente bifurcado: em breve haverá um excedente de empregos bem pagos para profissionais altamente qualificados (e que têm mobilidade elevada), enquanto os trabalhadores mal remunerados e pouco qualificados enfrentarão dificuldades.

Isso sugere que a cidade precisa retreinar sua força de trabalho com dinheiro público, parcerias público-privadas ou as duas coisas. Alguns projetos nesse sentido já foram iniciados, mas são limitados. E, enquanto o ex-prefeito Michael Bloomberg era hábil na formação de parcerias com empresas, Adams, até agora, parece mais fraco nesse quesito.

Para agravar a situação, Nova York está diante de uma crise fiscal crescente. A equipe de Adams anunciou recentemente que nos próximos três anos haverá um déficit orçamentário de mais de US$ 13 bilhões (R$ 68,1 bilhões), com uma queda de 7,7% na arrecadação do imposto de renda de pessoa física e tributos relacionados neste ano. Diante disso, a equipe tem razão em reduzir gastos.

Mas ela não pode reduzir demais sem prejudicar ainda mais a infraestrutura –e não pode elevar os impostos sobre empresas ou nova-iorquinos ricos, sob pena de desencadear um êxodo ainda maior para lugares como a Flórida.

Assim, como já aconteceu muitas vezes no passado, Nova York parece não apenas ser a cara dos EUA, mas também um microcosmo extremo dos desafios nacionais. Depois dos lockdowns, sua economia pode estar crescendo e seu espírito empreendedor pode estar em alta, mas tudo indica que suas divisões econômicas e sociais provavelmente vão se agravar.

Se Adams conseguir melhorar essa situação, ganhará presença maior no palco político nacional americano. Se não, Nova York vai enfrentar mais problemas.

Tradução de Clara Allain

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