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Rubens Barbosa

Experiente, Mauro Vieira terá desafios dentro e fora do Itamaraty no governo Lula

Chanceler nomeado por petista terá que restabelecer papel do país e motivar quadro diplomático com modernização e reformas

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Rubens Barbosa

Diplomata, ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-1999, governos Itamar e FHC) e em Washington (1999-2004, governos FHC e Lula) e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior

Interesse Nacional

Não houve surpresa na nomeação do embaixador Mauro Vieira para o Itamaraty. Ele é um dos diplomatas mais bem-sucedidos de sua geração. Habilidoso, sério, competente, foi ministro no governo de Dilma Rousseff (PT), embaixador em Buenos Aires, junto às Nações Unidas e em Washington e secretário-geral do Itamaraty. Tem, portanto, experiência e profundo conhecimento dos temas diplomáticos.

O que não quer dizer que não terá de enfrentar desafios internos e externos de grande importância. Em poucos momentos no passado a política externa teve um papel tão relevante para definir o lugar do Brasil no mundo, restabelecer a credibilidade do país e retificar a percepção externa negativa sobre seu futuro.

O ministro do Exterior, a partir de 1º de janeiro de 2023, terá a responsabilidade histórica de restabelecer o papel da casa de Rio Branco como o principal formulador e executor da política externa. Além disso, fortalecer o papel de coordenador das ações externas do governo brasileiro com os demais ministérios. E, seguindo o exemplo do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, de manter, acima de interesses ideológicos e partidários, as linhas permanentes da atuação externa como política de Estado, não de governo de turno.

O então chanceler Mauro Vieira em entrevista; diplomata voltará ao Itamaraty no governo Lula - Alan Marques - 29.jan.16/Folhapress

O mundo mudou, e o Brasil mudou, desde o momento em que Mauro Vieira dirigiu os destinos da politica externa em 2015. A geopolítica hoje influi nas decisões nacionais como poucas vezes antes. Diante da possível divisão do mundo entre democracias e autocracias, promovida pelos EUA, a política externa deveria manter uma posição de independência, sem alinhamento automático a qualquer dos lados.

Ninguém questiona ser o Brasil um país ocidental em termos de valores e princípios, mas hoje depende econômica e comercialmente da Ásia, em especial da China. Os interesses nacionais devem passar acima de considerações ideológicas ou partidárias.

O novo ministro vai liderar o Itamaraty no momento em que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou que o Brasil está de volta para exercer um papel de protagonismo no cenário internacional. Motivar o quadro diplomático com a modernização do trabalho na chancelaria e com reformas na estrutura da casa, que tornarão o trabalho mais ágil e eficiente, certamente estará entre suas prioridades internas.

Mauro Vieira deve promover uma profunda modificação na ação diplomática brasileira, segundo a orientação pública de Lula. A ação externa terá como preocupação central o engajamento da política exterior nas questões ambientais e de mudança de clima, a partir da Amazônia.

Pela primeira vez desde a independência o Brasil está como um dos atores principais em um tema global, e a resposta do Itamaraty a esse desafio fará o país voltar a ter o protagonismo que teve desde a Rio-92 até 2018. A diplomacia ambiental poderá ser uma das marcas principais da futura gestão no Itamaraty.

A agenda multilateral em defesa da democracia e dos direitos humanos —em especial também os de gênero—, de povos indígenas, idosos e crianças, da saúde, na luta contra o narcotráfico e o terrorismo no âmbito das Nações Unidas contará com a experiência do novo ministro.

A agenda comercial, nas negociações de acordos de livre comércio, em especial com a União Europeia e no contexto do Mercosul, deverá configurar outra prioridade, junto com o trabalho de fortalecimento da OMC. A integração regional, de tanta importância para o Brasil e esquecida nos últimos quatro anos, deverá ter prioridade, e o Brasil ter sua voz ouvida na região e nos organismos regionais.

As relações hemisféricas, com os EUA, com os países latino-americanos e sul-americanos, dadas as prioridades anunciadas por Lula, terão um papel de destaque, em especial a questão da democratização e dos direitos humanos na Venezuela, da instabilidade no Haiti e os entendimentos bilaterais com a Argentina.

Dada a importância do relacionamento econômico e comercial com a China e as perspectivas da ampliação do intercâmbio com a Ásia, esse aspecto da política externa certamente terá imensa relevância.

Entre outros, três desafios estarão em cima da mesa de Mauro Vieira desde o primeiro dia: a assinatura do Acordo de Livre Comércio com a União Europeia, as negociações para o ingresso do Brasil na OCDE e os atritos do âmbito do Mercosul em função das atitudes unilaterais tomadas pelo governo uruguaio.

Resta saber se Mauro Vieira vai inovar e escolher uma mulher, pela primeira vez, para ocupar a Secretaria-Geral do Itamaraty.

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