Combo de protestos e crises no Peru evidencia fragilidade do novo governo

Dina não conta com apoio de eleitorado, que a pressiona por renúncia e convocação de novas eleições

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Ghaio Nicodemos Barbosa

Pesquisador do Observatório Político Sul-Americano e do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa, grupos de pesquisa vinculados ao Iesp-Uerj

Interesse Nacional

No dia 7 de dezembro de 2022, o então presidente do Peru, Pedro Castillo, foi removido do cargo por meio de uma moção de vacância, e Dina Boluarte, empossada como nova presidente do país, dando início às seguidas manifestações contra o novo governo.

A nova presidente, apesar de eleita primeira vice na chapa de Castillo, não conta com apoio de seu eleitorado, que a pressiona pela imediata renúncia e a convocação de novas eleições. Desde então, o Peru convive com protestos pedindo a renúncia de Dina, que completou 50 dias de governo no último dia 26.

Dina Boluarte, presidente do Peru, em Lima - Mariana Bazo - 24.jan.23/Xinhua

Um governo frágil e acuado por protestos, mortes e acusações

No dia 10 de dezembro, a presidente peruana apresentou a composição do seu Conselho de Ministros, formado na tentativa de conciliar forças políticas, evitando nomear ex-ministros da gestão anterior. Ademais, escolheu membros do segundo escalão ministerial do governo Castillo: a ministra das Relações Exteriores, Ana Gervasi Días, e o ministro da Economia, Alex Contreras Miranda.

A primeira grande controvérsia envolveu a nomeação de Pedro Angulo Arana, reconhecido por ser opositor declarado de Castillo, para presidir o Conselho de Ministros. Investigado por assédio sexual no exercício das funções de promotor do Ministério Público do Peru, sua presença no governo já se iniciou desgastada.

Arana também teve repercussão negativa quando alegou que as primeiras mortes registradas em decorrência dos protestos se deviam ao fato de os manifestantes falarem quéchua e não entenderem as ordens proferidas pelos policiais em espanhol. Em 20 de dezembro, Arana foi substituído por Alberto Otárola, então incumbente no Ministério da Defesa.

Os protestos, inicialmente concentrados no sul do país, passaram a adotar métodos mais agressivos na primeira semana de governo. Em 12 de dezembro, a planta industrial da empresa Leite Glória foi atacada em Arequipa, o que provocou uma série de prejuízos e interrompeu a produção de laticínios.

O então titular da Defesa Otárola declarou ao Congresso peruano, em 13 de dezembro, que as manifestações no sul do país estariam ligadas a "interesses obscuros", como o narcotráfico e o garimpo ilegal. Naquele dia foram registradas sete mortes de civis em decorrência dos protestos.

O impacto negativo da repressão foi responsável pelas primeiras deserções do gabinete ministerial, em 16 de dezembro, com a renúncia da ministra da Educação, Patrícia Correa, e do ministro da Cultura, Jair Pérez Brañez. Após a reforma do gabinete, realizada em 20 de dezembro, o país vivenciou uma breve calmaria, atribuída aos feriados de fim de ano, interrompida em 4 de janeiro com a retomada dos protestos.

Em 9 de janeiro, a repressão policial a manifestantes na província de Puno marcaram o país, com a confirmação de 18 mortes e centenas de feridos. Uma das ocorrências mais marcantes foi o atentado sofrido por Aldair Mejía, jornalista da agência de notícias EFE, agredido e intimidado pelas forças de segurança após registrar a prisão de um manifestante.

Mejía, foi socorrido pelos manifestantes e constrangido por militares que tentaram impedi-lo de receber assistência médica. Graças à intercessão da organização civil Instituto Prensa y Sociedad, o incidente foi registrado, e as circunstâncias do ataque sofrido pelo jornalista foram respaldadas publicamente.

A Associação Nacional de Imprensa do Peru, em abaixo-assinado, acusou o governo peruano de 72 violações à liberdade de imprensa nos protestos ocorridos no país até aquela data. Em 12 e 13 de janeiro ocorreram novos atos na capital, e outros três novos ministros renunciaram. O primeiro a sair foi o ministro do Trabalho, Eduardo García Birimisa, que deixou o gabinete sem provocar animosidades.

Já o ministro do Interior, Víctor Rojas, entregou o cargo ao sofrer pressões pela responsabilização das 47 mortes de civis confirmadas até aquele momento. A terceira baixa foi da ministra da Mulher, Grecia Rojas Ortiz, que deixou o cargo cobrando ações do governo para restaurar a paz democrática no país e autocrítica sobre as decisões tomadas até aquele momento.

Em 19 de janeiro, os movimentos sociais indígenas, campesinos, estudantis e sindicais iniciaram a "Tomada de Lima", convocação nacional para protestos contínuos, que já duram sete dias. O governo decretou estado de emergência, restringindo direitos civis em todo país, e fechou temporariamente os aeroportos de Arequipa e Cusco.

O primeiro dia de protestos culminou com o incêndio em um dos principais prédios históricos da cidade e, no terceiro dia, a Universidad Nacional Mayor de San Marcos foi invadida por forças de segurança para desalojar manifestantes lá abrigados.

Estimativas governamentais indicam US$ 1,3 bilhão (R$ 6,6 bilhões) em danos e prejuízos, derivados de ações de vandalismo e de perdas de produção em consequência dos 85 pontos de bloqueio em 20 estradas do país. Algumas localidades já registram a falta de alimentos, combustíveis e medicamentos.

Postura do governo frente a acusações de violações de direitos humanos

Diante do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 25 de janeiro, José Andrés Tello, ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, defendeu o governo e o uso de força na repressão aos atos, mesmo com autoridades estrangeiras demonstrando preocupação com as 56 mortes registradas até então.

O ministro declarou que o governo age em defesa da democracia e dos direitos humanos e que os protestos não podem ser confundidos com ações criminosas. O embaixador peruano em Genebra, Luis Chuquihuara, prometeu que possíveis abusos na repressão serão investigados.

No mesmo dia, em videoconferência com o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos, Dina subiu o tom e declarou que não se renderá a forças antidemocráticas, reforçando que os manifestantes estão vinculados a práticas criminosas e defendendo o uso de força.

Expectativas de antecipação de eleições e impasse institucional

Apesar de declarar na posse que cumpriria integralmente seu mandato até 2026, a presidente sinaliza desde o início dos protestos a possibilidade de antecipar as eleições para abril de 2024.

No dia 25, Lima chegou ao seu sétimo dia de atos, nos quais seguem os confrontos entre manifestantes e forças policiais. Às vésperas do seu 50º dia de governo, ela pediu trégua aos manifestantes para negociar, mas acenou que não está disposta a tratar da principal reivindicação, sua renúncia imediata.

Naquele dia, a ministra da Produção, Sandra Belunde, foi a sexta a renunciar no governo atual, enquanto o primeiro-ministro e o ministro da Justiça articulam um projeto de reforma constitucional para possibilitar a antecipação das eleições para 2023.

Não obstante, a proposta de antecipar as eleições precisa obter dois terços dos votos no Congresso em duas sessões legislativas, e a primeira votação tem de ocorrer até 14 de fevereiro, quando finda a atual sessão legislativa. Caso a primeira votação não ocorra no prazo, a proposta perderá sua tempestividade, já que a segunda votação para a emenda só poderá ocorrer na sessão legislativa que iniciará em 2024.

As expectativas institucionais para que as eleições ocorram neste ano, entretanto, são incertas e insuficientes para resolver a atual crise política peruana. Primeiro, o tempo exíguo para votação da proposta dificulta a articulação de uma maioria de 87 legisladores favoráveis à antecipação do pleito. Segundo, diversos partidos apresentam condicionantes para a realização de eleições gerais neste ano.

Parte da direita fujimorista exige que, antes de votar a antecipação, o Congresso aprove outras reformas emergenciais, enquanto setores à esquerda, como o Perú Libre, condicionam o pleito à realização de um referendo para convocar uma Constituinte e, em paralelo, articulam a moção de vacância de Dina.

Por último, a antecipação das eleições não garantirá que um novo presidente tenha melhores relações com o Congresso e pode apenas adiar uma nova convulsão social no país. Clivagens sociais de classe, origem geográfica e etnia que separam a população urbana, da população camponesa e indígena agravam as tendências de fragmentação partidária que se expressam no Congresso, instituição crucial no enfraquecimento e queda dos últimos presidentes que o país elegeu e depôs nos últimos anos.

Ainda que seja um tema ressoando timidamente após a queda de Castillo, a proposta para a realização de uma Assembleia Constituinte pode ganhar fôlego caso os impasses para a antecipação das eleições gerais não tenham um resultado positivo entre governistas e oposicionistas.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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