Descrição de chapéu Financial Times China Coronavírus

Doentes com Covid na China agora também têm de lidar com gastos hospitalares abusivos

Em meio a surto após mudança de política, províncias deixam de oferecer tratamento gratuito, e seguradoras negam cobertura

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Sun Yu Wang Xueqiao Nian Liu
Xangai e Pequim | Financial Times

Pacientes chineses com Covid-19 enfrentam contas médicas crescentes desde que os convênios médicos pagos pelo Estado reduziram ou eliminaram a cobertura da doença de seus planos, em resposta a uma onda sem precedentes de casos que se alastra pelo país.

Segundo os governos locais, desde o mês passado —quando Pequim reverteu sua política de zero Covid— pelo menos 14 cidades e províncias chinesas deixaram de oferecer tratamento gratuito para o coronavírus. Durante três anos os pacientes chineses tiveram tratamento subsidiado contra o vírus.

Hospitais em Xangai e Guangzhou estão cobrando de pacientes graves até 20 mil yuans (R$ 15 mil) por dia de tratamento intensivo. O valor equivale a cinco meses de renda de um morador urbano médio.

Médica atende paciente na emergência de um hospital em Xangai em meio à alta de casos no país - 5.jan.2023/Reuters

O medo de acumular uma dívida soma-se ao risco de infecção, já que a indústria de seguros evita arcar com os custos de reembolsos. Antes, esse mercado vendeu dezenas de milhões de planos médicos de baixo custo, mas agora as seguradoras relutam em aprovar reembolsos de despesas ligadas à doença.

A política de saúde chinesa dificulta aos pacientes apresentar provas de infecção pelo vírus. As autoridades de saúde restringiram a definição de mortes e casos de Covid e, na semana passada, foram criticadas pela OMS (Organização Mundial de Saúde) por subnotificar a gravidade da pandemia.

Um funcionário da seguradora Taikang, em Pequim, que recebeu dezenas de queixas depois de negar cobertura, disse que sua empresa é "muito rigorosa" quando se trata de aprovar pedidos. "É preciso apresentar comprovante da doença emitido por hospitais, que raramente emitem o documento", disse.

O cenário cria dificuldades para pacientes de baixa renda e expõe desigualdades no sistema de saúde, que não conta com verbas suficientes, segundo analistas. Hospitais e clínicas recebem uma enxurrada de pacientes idosos. "A China nunca deixou o sistema de saúde acessível a todos", diz Yanzhong Huang, do think tank Council on Foreign Relations. "O surto mais recente está agravando o problema."

Até mudar de postura repentinamente, no mês passado, Pequim havia alardeado o tratamento gratuito da Covid como símbolo de seu sucesso no combate à pandemia.

Na semana passada, Anhui, província do leste com 64 milhões de habitantes, começou a exigir que as pessoas paguem 30% de suas despesas ligadas à pandemia. A cidade de Sanhe, próxima a Pequim, foi mais longe e anunciou que pacientes com Covid teriam que pagar até metade dos custos hospitalares.

Isso vem gerando uma carga financeira elevada para muitos pacientes. O agricultor Gao Shengli, 53, da província central de Henan, sofreu um AVC na semana passada após receber o diagnóstico de Covid. Dois dias depois de ser internado num hospital local, recebeu uma conta de 150 mil yuans (R$ 115 mil), mais que o dobro de sua renda familiar anual. Contas adicionais que variam entre 5.000 e 10 mil yuans continuam a chegar diariamente, levando sua família ao desespero.

"Meu pai não tem convênio médico", conta o filho de Gao, que se negou a dar seu nome. "O hospital está nos perseguindo diariamente para cobrar a dívida, e nós não temos como pagar."

A situação da classe média urbana chinesa não é muito melhor: os pacientes têm dificuldade em pedir reembolso aos seus seguros médicos. Muitos hospitais se recusam a dar provas de infecção a pacientes que receberam diagnósticos a não ser que eles também informem estar com uma infecção pulmonar e passem por uma revisão das autoridades de saúde locais.

Um médico no Hospital Nº 10 de Xangai afirmou, sob anonimato, que a comissão de saúde da cidade instruiu a instituição a restringir os diagnósticos de Covid. Segundo o profissional, a equipe foi orientada a classificar a maioria dos casos de infecção respiratória. Um assessor da Comissão Nacional de Saúde, em Pequim, disse que o surto aconteceu tão rapidamente que as autoridades não tiveram tempo de traçar um plano de ação. O regime não tem meios de oferecer tratamento gratuito a todos, segundo a pasta.

A Administração Nacional de Segurança da Saúde disse no sábado que vai cobrir plenamente as hospitalizações de pacientes com Covid, mas continuou a excluir as complicações. E os hospitais estão sob pressão para reduzir os custos médicos desde que o fundo nacional de seguro se viu sobrecarregado pelos custos crescentes do programa Covid zero.

Na cidade oriental de Hangzhou, o gerente de marketing Frank Wang, que adquiriu um plano de seguro contra Covid no início do ano passado, desenvolveu infecções dos pulmões e rins depois de ser infectado com o vírus e não conseguiu receber um comprovante de ter tido Covid.

"O hospital deixou claro que não é fácil obter um comprovante, já que o diagnóstico foi politizado", diz Wang, que pagou mais de 20 mil yuans (R$ 15 mil) pelo tratamento. "Pacientes como eu viraram vítimas."

Tradução de Clara Allain

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