Funeral de Tyre Nichols ocorre nesta quarta; veja perguntas e respostas sobre o caso

Detalhes do caso seguem obscuros 3 semanas após a morte do homem negro espancado pela polícia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O funeral de Tyre Nichols, homem negro de 29 anos que morreu após ser espancado por policiais em Memphis, nos EUA, ocorreu nesta quarta-feira (1º) e contou com a presença da vice-presidente americana, Kamala Harris e símbolos da luta antirracista. A cerimônia chama a atenção para as várias perguntas sem respostas que ainda envolvem a morte violenta, gatilho para novos protestos contra o racismo e a violência policial.

Manifestantes e ativistas cobram punição aos agressores e a implementação de políticas para corrigir desigualdades históricas que resultam em violência desproporcional contra negros e hispânicos no país de maioria branca. Três semanas após a morte de Nichols, veja o que se sabe sobre o caso até agora.

Imagem da câmera corporal dos policiais mostra abordagem violenta a Tyre Nichols em Memphis, nos EUA
Imagem da câmera corporal dos policiais mostra abordagem violenta a Tyre Nichols em Memphis, nos EUA - Departamento de Polícia de Memphis - 27.jan.23/via AFP

Por que Nichols foi parado pela polícia?

Vídeos com mais de uma hora de duração foram divulgados, mas os motivos da abordagem do homem negro de 29 anos ainda não foram esclarecidos.

As filmagens começam quando a polícia para Nichols em um cruzamento de Memphis por volta das 20h30 no horário local. Os policiais envolvidos disseram que ele estava dirigindo com imprudência. Mas a justificativa é questionada por autoridades que apontam inexistência de provas —a família de Nichols diz que ele estava matriculado em um curso de fotografia e havia saído para registrar o pôr do sol.

Num primeiro momento, os policiais relataram que houve confronto, o que também não foi comprovado. Ao ser abordado, Nichols foi arrastado para fora do carro e jogado no chão por policiais com armas em punho. "Não fiz nada!", gritou o homem, mostram as imagens de câmeras nas fardas dos agentes.

Depois, um policial acusa Nichols de ter quase batido com seu carro numa viatura. Tampouco há provas.

Por que as gravações só foram divulgadas quase três semanas depois da abordagem?

As agressões aconteceram no último dia 7, mas as imagens foram liberadas na sexta (27). Especialistas em relações públicas afirmam que, provavelmente, foram feitas reuniões para definir como e quando as gravações seriam divulgadas.

O prefeito de Memphis, Jim Strickland, diz que o vídeo foi divulgado depois da hora do rush porque foi considerada a possibilidade de manifestações na cidade. "Recebemos ligações de líderes de escolas e empresas dizendo: 'Quando você liberar [as imagens]... Estamos preocupados com nossos alunos e funcionários'", disse Strickland ao jornal The Commercial Appeal, do Tennessee.

O caso alimentou protestos contra o racismo e a violência policial e foi comparado ao assassinato de George Floyd, em 2020, que também era um homem negro. Ele morreu em Minneapolis depois de um policial sufocá-lo, pressionando os joelhos contra seu pescoço por mais de nove minutos. Suas últimas palavras —"Eu não consigo respirar"— se tornaram um dos lemas da onda de manifestações.

Nichols chegou a ser socorrido?

Sim, mas as investigações apontam que os socorristas poderiam ter feito mais. As gravações mostram que a ambulância chegou ao local 22 minutos após o espancamento, e ainda não se sabe quanto tempo levou para transportá-lo ao hospital.

As imagens indicam ainda que os socorristas foram lentos e, aparentemente, não consideraram o estado de saúde de Nichols uma emergência. Os socorristas Robert Long e JaMichael Sandridge foram demitidos da equipe de bombeiros de Memphis. Segundo a chefe da corporação, Gina Sweat, eles "falharam ao conduzir a avaliação adequada do paciente".

Michelle Whitaker, tenente do departamento, também foi desligada. Ela dirigia a ambulância deslocada ao local das agressões e nem sequer saiu do veículo para ajudar no atendimento. O padrasto de Nichols, Rodney Wells, disse que os socorristas são igualmente culpados pela morte do enteado.

O que causou a morte de Nichols?

Uma autópsia independente contratada pelos familiares apontou que ele teve hemorragia severa devido às contusões. O relatório completo, porém, ainda não foi apresentado. Uma fotografia mostra o homem deitado em uma cama de hospital com os olhos bastante inchados. Segundo a família, Nichols teve o pescoço quebrado. Ele teria sofrido insuficiência renal e parada cardíaca devido às agressões.

No vídeo, é possível ver um agente aplicando ao menos cinco socos no rosto de Nichols. Ele também é atingido por dois chutes na cabeça, além de spray de pimenta e pancadas com cassetetes.

Memphis é uma cidade violenta?

Para os padrões americanos, sim. O Tennessee, onde está localizada a cidade, foi o quarto estado que mais registrou crimes violentos em 2021, segundo dados do FBI, a polícia federal americana.

Em Memphis, abordagens policiais a pessoas negras são três vezes mais frequentes em comparação com as brancas, segundo levantamento do jornal The New York Times. Quase dois terços (64,6%) da população na cidade se declara negra, de acordo com o último censo dos EUA.

Os policiais que mataram Nichols foram punidos?

Os cinco agentes —Tadarrius Bean, Demetrius Haley, Desmond Mills Jr, Emmitt Martin 3º e Justin Smith— foram demitidos. Suas idades variam de 24 a 32 anos e seus tempos de serviço em Memphis vão de dois anos e meio a cinco anos. Todos são negros.

Eles vão enfrentar denúncias de assassinato, agressão agravada, sequestro, má conduta e opressão oficial. Todos pagaram fiança e responderão aos processos em liberdade.

O promotor distrital responsável pelo caso afirmou nesta terça-feira (31) que outras acusações podem ser apresentadas contra os cinco policiais e demais agentes envolvidos. Outros dois membros da corporação foram suspensos do departamento local, embora seus envolvimentos na abordagem desastrosa não tenham sido esclarecidos. Eles não respondem, por enquanto, por nenhum crime.

Quatro deles, porém, já sofreram reprimendas disciplinares ou foram suspensos da corporação por um período. Haley e Martin foram duas vezes advertidos duas vezes desde 2019, e Smith e Mills apenas uma vez durante a carreira, segundo arquivos divulgados pelo departamento de polícia de Memphis nesta quarta (1º).

No sábado (29), o departamento de polícia de Memphis encerrou as atividades da unidade responsável pela morte de Nichols. O grupo havia sido criado em outubro de 2021 e se chamava Scorpion, acrônimo em inglês para "operação contra crimes de rua para restaurar a paz em nossos bairros".

Em nota, a corporação afirmou que decidiu desativar a unidade especializada depois que o chefe de polícia conversou com membros da família de Nichols, líderes comunitários e outros policiais.

Qual foi a reação dos políticos americanos?

O Congressional Black Caucus, bancada de parlamentares negros no Congresso dos EUA, disse que negocia com a Casa Branca a realização de uma reunião para discutir uma reforma policial no país.

O presidente Joe Biden cobrou dos congressistas a aprovação da lei nomeada em homenagem a Floyd, que prevê reformas policiais e ficou travada no Senado. Não há, por ora, previsão para que as discussões sejam retomadas.

A vice-presidente Kamala Harris, que esteve no funeral de Nichols, também defendeu a aprovação da Lei George Floyd.

Quem era Tyre Nichols?

Ele nasceu na cidade de Sacramento, na Califórnia, e se mudou para Memphis antes de a pandemia começar. Pai de uma criança de quatro anos, trabalhava na empresa de serviço postal FedEx e estava matriculado em um curso de fotografia. Não há informações de que ele tenha tido problemas anteriores com a polícia.

Amigos e familiares afirmam que Nichols era um skatista talentoso. Ele tinha três irmãos mais velhos. Um deles, Jamal Dupree, o descreveu como extrovertido, engraçado e cheio de energia.

A mãe de Nichols, RowVaughn Wells, disse que o filho era carinhoso e contou que ele tinha o nome dela tatuado no braço. Ela também afirmou que ele tinha a Doença de Crohn, uma síndrome inflamatória do sistema digestivo. Nichols tinha cerca de 65 kg, e todos os policiais que o agrediram tinham mais de 90 kg —alguns chegaram a ser jogadores de futebol americano na faculdade.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.