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Guerra da Ucrânia Rússia

Os rumores sobre a morte do tanque foram altamente exagerados

Objeto do desejo da Ucrânia pode não virar a guerra, mas evidencia papel dos blindados

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São Paulo

O furor em torno do fornecimento para Kiev do Leopard-2, tanque de guerra alemão objeto de desejo da Ucrânia e motivo de impasse entre Berlim e seus aliados, mostra que os rumores sobre a morte desse tipo de blindado como arma efetiva foram altamente exagerados no último ano.

Não foi um mero boato. O fracasso da onda inicial da invasão russa da Ucrânia, quando uma coluna blindada de 60 quilômetros de comprimento ficou parada sob fogo de mísseis portáteis e de drones, parecia confirmar a obsolescência do tanque de guerra principal.

Um Leopard-2 finlandês durante exercício conjunto com a Otan no país escandinavo, em maio passado
Um Leopard-2 finlandês durante exercício conjunto com a Otan no país escandinavo, em maio - Heikki Saukkomma - 4.mai.22/AFP

Esse é o nome técnico para veículos altamente blindados, geralmente com mais de 30 toneladas, lagartas para uso fora de estradas e torre com giro de 360 graus equipada com um canhão com calibre de pelo menos 75 mm —o padrão usual é de 120 mm, como no Leopard-2 (64,5 toneladas), ou acima.

Uma enxurrada de análises buscava comprovar o que foi visto em escala reduzida pouco menos de dois anos antes, na guerra entre Armênia e Azerbaijão, quando drones turcos a serviço de Baku destroçaram os tanques de Ierevan. Em favor da avaliação havia a falta de informação sobre o que acontecia em solo. Fontes russas secaram, só sendo abertas por meio de enviesados canais militares no Telegram ao longo da guerra, e as ocidentais reproduziam a realidade sob suas lentes de apoiadoras de Kiev.

Aos poucos, trabalhos como o do analista militar americano Rob Lee (King's College, Londres) e do think tank britânico Royal United Services Institute mostraram que a realidade era mais matizada.

O que aconteceu naquele momento não foi a prova de que as vulnerabilidades dos tanques os tornavam inúteis e caros —um Leopard-2 novo sai por € 13 milhões (R$ 73 milhões), a depender do pacote de venda.

O problema foi tático. Na guerra moderna, ataques da magnitude desenhada pela Rússia contra a Ucrânia precisam combinar ramos diferentes das Forças Armadas. Os russos, provavelmente por uma avaliação arrogante de que os ucranianos se renderiam de cara, apostaram tudo em ações desconjuntadas.

Assim, colunas blindadas seguiam em estradas abertas sem apoio de infantaria para anular os pontos de resistência em que soldados de Kiev usavam mísseis portáteis Javelin contra eles, o que apenas repetiu o ocorrido com os tanques israelenses na Guerra da Yom Kippur (1973) contra os árabes armados, ironicamente, com armas semelhantes e táticas soviéticas.

A cobertura aérea, vital desde 1939 em qualquer guerra, foi falha. Além disso, ao menos dois batalhões de artilharia ao norte de Kiev podem ter ajudado a segurar a ofensiva desdentada de soldados.

Houve ainda uma questão mais grave escrutinada em estudos posteriores: a logística. Nos três primeiros meses da guerra, usando apenas os dados de inteligência aberta do site de monitoramento holandês Oryx, cerca de 50% das perdas de tanques russos foram por abandono. Traduzindo, o diesel acabou. Isso era especialmente grave no caso dos T-80, modelos soviéticos que têm uma turbina a motor que gasta barbaridades de combustível. O americano M1A2 Abrams, objeto do desejo dos ucranianos, usa propulsão semelhante —consumindo querosene igual ao de aviação numa taxa de 15 litros por milha (1,6 km).

Ao mesmo tempo, as táticas evoluíram. Os russos aprenderam com os erros e passaram a concentrar seus esforços. Foram bem-sucedidos no sudeste ucraniano, ligando o Donbass ocupado à Crimeia anexada em 2014, e agora avançam lentamente sobre Bakhmut, ponto focal da batalha por Donetsk.

Javelins e drones perderam o charme inicial, e os veículos não tripulados são hoje mais utilizados para ajustar o tiro de artilharia e jogar munições leves contra alvos de ambos os adversários. O uso de armas eletromagnéticas para desabilitar os aviões-robôs ou capturá-los também evoluiu.

A partir do foco renovado no Donbass, o leste russófono da Ucrânia, a guerra passou crescentemente a ser um conflito de atrito. Artilharia pesada de lado a lado, até que alguém rompa uma frente e avance com tanques e blindados —foi o que Kiev fez na desguarnecida porção de Kharkiv (nordeste) em setembro.

Ali ficou provada novamente a necessidade dos tanques, quando dentro de um esquema racional de emprego. Os modelos soviéticos à disposição de Kiev, versões do antigo T-64 em sua maioria, foram eficazes ao garantir a ocupação do terreno reconquistado. Com tudo isso e o barulho em torno da decisão ainda não tomada pela Otan, que efetivamente muda o grau de envolvimento da aliança militar americano-europeia e de seus aliados, uma coisa é certa: os tanques estão mais vivos do que nunca.

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