Descrição de chapéu Financial Times Guerra da Ucrânia

Aliados da Ucrânia testam linha vermelha de Putin, e risco de ataque nuclear permanece

Kiev tem janela estreita para lançar contraofensiva, e países se unem para enviar equipamentos mais pesados

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Felicia Schwartz Ben Hall
Financial Times

Os aliados de Kiev já ultrapassaram várias vezes as linhas vermelhas que eles próprios definiram em relação ao fornecimento de armas à Ucrânia. Mas hoje, quase um ano desde o início da invasão à Ucrânia, a preocupação dos Estados Unidos e da Europa com a possibilidade de escalada russa não mudou substancialmente e ainda pesa sobre as próximas decisões, inclusive sobre o envio ou não de caças.

Os EUA e seus parceiros já enviaram ou se comprometeram a enviar a maioria dos sistemas que antes não cogitavam mandar, mais recentemente tanques, mísseis guiados Himar e unidades de defesa antiaérea Patriot, entre outros sistemas.

Um tanque M1A2 Abrams é preparado para ser entregue em uma base da Otan na Romênia
Um tanque M1A2 Abrams é preparado para ser entregue em uma base da Otan na Romênia - Octav Ganea - 14.fev.2017/Inquam Photos/Reuters

Há um consenso crescente entre líderes ocidentais de que o tempo agora está do lado da Rússia e que a Ucrânia tem uma janela de tempo estreita para lançar uma contraofensiva na primavera no Hemisfério Norte. Isso está levando os aliados a se unirem prontamente para enviar equipamentos mais pesados como tanques, veículos de combate de infantaria e armas de mais longo alcance.

Uma evidência da mudança de pensamento foi vista na semana passada, quando os EUA anunciaram o envio de bombas conhecidas como Ground-Launched Small Diameter Bombs (GLSDBs, ou bombas de pequeno diâmetro lançadas do solo), as bombas de mais longo alcance que já forneceram a Kiev.

Segundo analistas e autoridades ocidentais, o fato de os limites autoimpostos estarem sendo ultrapassados constantemente reflete não uma mudança em como os aliados avaliam o risco de escalada russa, mas a mudança nos requisitos do campo de batalha ucraniano.

"A trajetória da guerra tem sido mais fundamental para determinar o risco de escalada russa", disse Samuel Charap, cientista político sênior do Rand Corporation. "Já vimos que os momentos em que a preocupação com uma escalada ficou mais aguda têm sido momentos de extrema vulnerabilidade dos russos. Não ocorreram em função de novos armamentos."

As autoridades americanas dizem reavaliar constantemente o apoio dado à Ucrânia. Os ataques com mísseis nos últimos meses contra infraestrutura essencial ucraniana convenceram EUA e aliados que é necessário enviar sistemas de defesa antiaérea mais sofisticados.

"A guerra continua mutante e dinâmica, razão pela qual nosso apoio vai continuar a se adaptar à evolução das condições, para oferecer à Ucrânia o treinamento, o equipamento e as capacidades que ela necessita para ser eficiente no campo de batalha", disse a vice-assessora de imprensa do Pentágono, Sabrina Singh.

Para alguns analistas, a redefinição constante feita por Washington de quais sistemas de armas levariam a uma escalada no conflito tem um propósito.

"A administração americana e os aliados europeus creem que esse enfoque incremental vem sendo uma maneira realmente eficaz de reduzir o risco de escalada e impedir um confronto militar direto entre EUA e Rússia", disse Andrea Kendall-Taylor, diretora de segurança do think tank de Washington Center for New American Security. "Sob muitos aspectos é como a parábola do sapo em água fervente."

Mas o deslocamento das linhas vermelhas não garante que o próprio item importante almejado pela Ucrânia, caças F-16, esteja ao alcance desse país. Questionado na semana passada se os EUA forneceriam os caças, o presidente Joe Biden respondeu simplesmente "não".

Autoridades americanas admitem que podem acabar enviando caças ou autorizando aliados a fazê-lo, mas por enquanto dizem que os caças são caros demais, que não há disponibilidade fácil deles e que será preciso tempo significativo para treinar ucranianos para pilotá-los.

O envio dos caças também provocaria o risco de atrair a Otan para o conflito. Um funcionário americano disse que os F-16 têm "o potencial de serem vistos como provocação devido ao alcance e capacidades".

"A narrativa da Rússia é que esta é uma guerra com os EUA. Não é verdade. Não queremos alimentar essa narrativa, dando aos russos a chance de apontar para coisas como os F-16 que poderiam ser usadas contra o território russo."

Autoridades ucranianas –e seus aliados mais intransigentes no Leste Europeu— dizem que as ameaças russas, incluindo alusões claras ao uso de armas nucleares, são táticas que visam a assustar os parceiros de Kiev para desencorajá-los de fornecer armamentos avançados.

Mas, num sinal de que a Ucrânia enxerga a preocupação dos EUA com uma escalada como impedimento sério ao envio de armas, o ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, que vai deixar o cargo, tomou a iniciativa incomum nesta semana de prometer não usar armas fornecidas pelo Ocidente para atingir território russo.

A preocupação com uma escalada chegou ao auge em setembro, após o colapso das linhas defensivas russas na província de Kharkiv. O presidente Vladimir Putin ordenou a mobilização de 300 mil homens e avisou o Ocidente de uma possível resposta nuclear, dizendo que, "se sua integridade territorial for ameaçada, a Rússia usará de todos os meios à sua disposição".

Desde então a Rússia atenuou as ameaças. Na semana passada, reagindo à promessa da Alemanha e de outros países de enviar tanques ocidentais à Ucrânia, Putin pareceu voltar a assinalar a possibilidade de usar armas nucleares, dizendo "temos meios de responder, e eles não serão limitados ao uso de veículos blindados". Mas foi uma referência menos explícita.

Autoridades ocidentais e analistas propuseram muitas explicações para a mudança de tom, incluindo a preocupação da China com o risco criado pelas ameaças nucleares russas. Um diplomata ocidental sênior disse que a mudança de tom foi o efeito de um aviso coordenado americano-britânico-francês a Moscou de que qualquer utilização de armas nucleares teria "consequências catastróficas".

Alguns especialistas dizem que as ameaças nucleares do Kremlin têm como alvo seu público doméstico, para incentivar os russos a aderir à mobilização. Os EUA não detectaram nenhuma mudança ameaçadora na postura nuclear russa durante a fase de discurso incendiário no ano passado. Mas ainda levam o risco a sério e monitoram constantemente para captar qualquer sinal de que a Rússia possa estar dando os passos necessários para disparar uma arma nuclear.

Em relatório publicado no mês passado pelo think tank Rand Corporation, Charap e Miranda Priebe argumentaram que há vários motivos para pensar que o uso de arma nuclear pela Rússia ainda é possível, entre outras razões porque Putin encara a guerra como "quase existencial". "A administração Biden tem motivos de sobra para tratar a prevenção do uso de armas nucleares pela Rússia como uma prioridade máxima dos EUA", escreveram.

Jack Reed, presidente democrata do comitê do Senado americano sobre as Forças Armadas, disse que o colapso do Exército russo, os avanços ucranianos na península anexada da Crimeia ou ataques à Rússia aumentariam o risco nuclear. "Se os ucranianos entrarem na Crimeia, a discussão esquentaria tremendamente no Kremlin. Linhas vermelhas são uma questão interessante, mas nunca são tão fortes ou evidentes assim", prosseguiu. "Eu bem que queria que fosse algo quase aritmético, como um mais um é igual a dois. Mas não é tão simples."

Tradução de Clara Allain

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