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Arábia Saudita intensifica repressão a dissidentes após modernizar costumes

Autoridades monitoram redes sociais e intimidam críticos de Mohammed bin Salman

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Vivian Nereim
Riad (Arábia Saudita) | The New York Times

Um dia, em novembro de 2015, Saad Almadi escreveu um post com poucas palavras no Twitter sobre o então vice-príncipe herdeiro da Arábia Saudita. "Mohammed bin Salman assumiu a economia, a defesa e tudo sob o rei", publicou, respondendo a um professor que é crítico ferrenho da monarquia no país.

Morando na Flórida, Almadi tinha poucos motivos para acreditar que sua publicação chamaria a atenção. Ele era um gerente de projeto aposentado, não um ativista, e suas palavras eram em grande parte factuais –Mohammed bin Salman assumiu o controle de muitas das alavancas do poder desde que seu pai se tornou rei naquele ano. Em 2017, ele afastaria um primo para se tornar o herdeiro do trono.

Ibrahim Almadi usa broche com a imagem de seu pai, Saad, próximo ao Departamento de Estado, em Washington
Ibrahim Almadi usa broche com a imagem de seu pai, Saad, próximo ao Departamento de Estado, em Washington - Jason Andrew - 12.fev.23/The New York Times

No entanto, o post ressurgiu como prova sete anos depois, quando Almadi, 72, foi preso durante uma visita à Arábia Saudita. Junto com outras publicações críticas ao governo saudita –e uma "foto ofensiva" do príncipe herdeiro Mohammed salva em seu telefone–, a mensagem foi citada como prova de que havia "adotado uma agenda terrorista ao difamar símbolos do Estado" e que "apoiava a ideologia terrorista".

O promotor responsável pelo caso solicitou uma punição severa "para repreendê-lo e dissuadir os outros". Em outubro, Almadi foi condenado a 16 anos de prisão, prorrogados para 19 anos após a apelação.

"Meu pai está longe de ser um dissidente", disse seu filho, Ibrahim Almadi, descrevendo-o como um homem de mente aberta que passava sua aposentadoria viajando, caminhando e degustando vinhos. Agora ele está detido na prisão de Al-Ha'ir, em Riad, que abriga membros da Al-Qaeda e ativistas políticos.

A Arábia Saudita sempre foi uma monarquia autoritária com liberdade de expressão limitada. Dez anos atrás, a conta de Saad Almadi no Twitter, que tem menos de 2.000 seguidores, poderia ter gerado uma advertência ou um interrogatório. Mas sob o comando do príncipe herdeiro Mohammed, agora primeiro-ministro, punições mais severas estão sendo impostas a cidadãos que criticam o governo.

"O escopo da opressão não tem precedentes", disse Hala Aldosari, ativista dos direitos das mulheres que deixou o país em 2014 para um pós-doutorado nos EUA e disse que nunca se sentiu segura para retornar.

Desde então, o príncipe herdeiro tornou quase irreconhecível o país islâmico conservador, desencadeando mudanças sísmicas. Ativistas como Aldosari passaram anos fazendo campanha contra algumas delas.

Ele lançou um plano ambicioso para diversificar a economia dependente do petróleo e pôs fim a uma série de restrições religiosas e sociais que muitos sauditas consideravam sufocantes. As mulheres, proibidas de dirigir carros até 2018, agora trabalham como motoristas de entrega da Amazon, CEOs e embaixadoras.

A música, que já foi efetivamente proibida em público, ressoa dentro de restaurantes mal iluminados onde jovens casais flertam. A segregação de gênero que moldou a vida pública durante décadas se dissolveu.

Ao mesmo tempo, o modesto espaço para o discurso político encolheu. "É um momento agridoce na história, em que você vê os frutos de sua mobilização de alguma forma colhidos, mas pelo motivo errado", disse Aldosari. "As pessoas estão sendo fechadas ou silenciadas em troca de certos direitos."

Desde 2017, as autoridades sauditas prenderam centenas de figuras públicas em todo o espectro político, incluindo influenciadores do Snapchat, clérigos religiosos, bilionários e vários primos do próprio príncipe herdeiro. O assassinato em 2018 do colunista do Washington Post Jamal Khashoggi por agentes sauditas em Istambul, provocando indignação internacional, foi o exemplo mais dramático de uma repressão mais ampla, que continuou se aprofundando após sua morte.

As autoridades têm dado atenção especial ao Twitter, amplamente utilizado no país.

Noura al-Qahtani, que administrava uma conta anônima na plataforma, estava entre várias pessoas julgadas no ano passado devido a publicações na rede social. Em sua conta, que tinha cerca de 600 seguidores, convocou protestos antigovernamentais, criticou algumas medidas de liberalização social e escreveu que o príncipe herdeiro Mohammed "não era suficientemente bom para ser príncipe".

Depois que um tribunal a considerou culpada de "desafiar a fé e a justiça do rei e do príncipe herdeiro" e de "apoiar a ideologia de pessoas que lutam para perturbar a ordem pública", entre outras acusações, ela foi condenada a 13 anos de prisão. Na apelação, al-Qahtani implorou por misericórdia, dizendo que tinha quase 50 anos e cinco filhos para cuidar. Mas os juízes estenderam a sentença para 45 anos de prisão.

Na mesma época, Salma al-Shehab, estudante de doutorado saudita na Universidade de Leeds, na Grã-Bretanha, foi condenada a 34 anos de prisão, principalmente por seguir dissidentes sauditas no Twitter e compartilhar suas postagens, segundo uma cópia de seu veredicto. O tribunal condenou as duas mulheres sob as leis de contraterrorismo e crimes cibernéticos.

Uma autoridade saudita disse em comunicado ao jornal The New York Times que o governo está estudando e implementando novas medidas para fortalecer os direitos humanos, incluindo mudanças no sistema judicial. No entanto, a Arábia Saudita "mantém uma política de tolerância zero quando se trata de terrorismo", disse o funcionário, sob a condição de anonimato. O funcionário não respondeu a perguntas sobre prisioneiros específicos, incluindo Almadi, al-Qahtani e al-Shehab, dizendo apenas que "casos de indivíduos que violam leis nacionais são claramente diferenciados de expressões pacíficas de opinião".

No entanto, uma revisão das contas dos detidos no Twitter –que foram a base para as acusações– não revelou postagens manifestando apoio a grupos militantes ou endossando ações violentas, além de um vago tuíte de al-Qahtani que se referia a "remover este tirano da face da Terra", sem mencionar um nome.

Em vez disso, os promotores citaram postagens críticas ao governo ou a membros da família real e as rotularam de posicionamentos relacionados ao terrorismo que ameaçavam a segurança do Estado.

Saad Almadi (à esq.) ao lado do filho Ibrahim em fotografia sem data conhecida
Saad Almadi (à esq.) ao lado do filho Ibrahim em fotografia sem data conhecida - Ibrahim Almadi/via The New York Times

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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