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Bernie Sanders tem novo cargo que pode ser seu último no Congresso dos EUA

Em possível ato final em Washington, senador deve convocar bilionários para depor

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Sheryl Gay Stolberg
Washington | The New York Times

Em suas duas candidaturas infrutíferas à Presidência dos Estados Unidos, o senador Bernie Sanders não escondeu seu desdém por bilionários. Agora, no que pode ser seu ato final em Washington, ele tem o poder de convocá-los para depor no Congresso –e está com alguns executivos em sua mira.

Um deles é Stéphane Bancel, CEO da Moderna, que Sanders acusa de ter "virado multibilionário" ao desenvolver uma vacina contra o coronavírus usando dinheiro do governo. "Bancel faria bem em conversar com seus assessores sobre o que pode dizer ao Senado dos EUA", disse Sanders.

O senador Bernie Sanders discursa em Pittsburgh, na Pensilvânia
O senador Bernie Sanders discursa em Pittsburgh, na Pensilvânia - Quinn Glabicki - 12.mai.22/Reuters

Jeff Bezos, fundador da Amazon, e Howard Schultz, CEO intermitente da Starbucks, também estão na lista. Sanders os vê como rivais do movimento sindical cujas empresas adotaram táticas "perversas e ilegais" para impedir funcionários de se filiarem a sindicatos. Ele já exigiu que Schultz deponha em março.

Senador independente do estado de Vermont, Sanders pode complicar a vida desses executivos porque é o novo presidente do Comitê do Senado sobre Saúde, Educação, Trabalho e Aposentadorias. Esse cargo lhe confere jurisdição ampla sobre questões que estão na base de sua ascensão na política, como o acesso à saúde, o alto custo de medicamentos e os direitos dos trabalhadores.

Sanders, 81, que se define como socialista democrático, disse que não vai se candidatar à Presidência se Joe Biden buscar a reeleição. Seu mandato como senador termina em dois anos, e ele não disse se vai disputar a reeleição, abrindo a perspectiva de que os próximos dois anos no Congresso sejam os últimos.

Está claro que Sanders atua em duas frentes. Na semana passada, numa iniciativa que pode surpreender críticos que o veem como inflexível, aliou-se a um republicano, Mike Braun, para exortar as companhias ferroviárias a oferecer sete dias de licença médica paga aos funcionários. A medida foi rejeitada pelo Senado no ano passado, quando os parlamentares promulgaram lei para evitar uma greve dos ferroviários.

Mas Sanders também mandou uma carta curta e incisiva a Howard, dando-lhe até terça para responder e confirmar sua presença à audiência. Antes, o senador já havia exortado o chefe da Starbucks a "encerrar imediatamente sua campanha agressiva e ilegal contra a sindicalização de seus funcionários".

Um porta-voz da Starbucks disse que a empresa está analisando o pedido para Schultz depor e trabalhando para "fornecer informação esclarecedora" sobre suas práticas trabalhistas.

O ex-senador pela Dakota do Sul Tom Daschle, democrata que atuou como líder da maioria, disse que Sanders pode "trazer um equilíbrio entre o registro progressista e o pragmático". "Ele será progressista e ambicioso; continuará a levar a luta adiante. Ao mesmo tempo, Sanders quer realizar objetivos concretos."

A presidência do comitê é a novidade mais recente na longa carreira política de Sanders. Após três décadas em Washington, ele ainda consegue se posicionar como outsider. Não há dúvida de que o senador marcou a política nacional, ressuscitando e fortalecendo a esquerda americana.

Mas a base de apoio a ele tanto o beneficia quanto o prejudica. É querido pelos eleitores progressistas e, ao mesmo tempo, dá munição aos conservadores, que se comprazem em retratá-lo sob ótica caricata.

"Medicare para todos, baby", gargalhou o estrategista republicano Whit Ayres, aludindo à iniciativa legislativa famosa de Sanders, um programa público de saúde para todos os americanos. "Garanto a vocês que Sanders será um alvo maravilhoso para os republicanos atacarem."

Isso já aconteceu. A ascensão de Sanders o incluiu nas fileiras dos americanos muito ricos que ele critica, graças em parte a um livro que escreveu na esteira de sua primeira candidatura presidencial, "Our Revolution". "Se você escreve um best-seller, também pode se tornar milionário", disse ele em 2019.

Com os republicanos comandando a Câmara e 60 votos sendo necessários para aprovar a maioria dos projetos de lei no Senado, Sanders tem poucas esperanças de fazer aprovar qualquer legislação importante no Congresso. Ele planeja apresentar uma lei de Medicare para Todos, como fez em Congressos anteriores, porque acha ser "importante manter essa questão visível e presente", em suas palavras. Mas tem plena consciência de que ela não irá para frente no Capitólio.

"Não temos os votos necessários", disse em tom pragmático. "Não temos nenhum apoio republicano à legislação. E eu diria que talvez apenas metade dos democratas a apoiariam."

O ativismo de Sanders tem raízes profundas, mas após chegar a Washington, em 1991, como o único deputado por Vermont, ele descobriu que ser outsider não o levaria muito longe; se quisesse qualquer poder, teria que trabalhar com democratas. No Senado, no qual entrou em 2007, Sanders foi galgando degraus. Além de chefiar o Comitê de Assuntos de Veteranos, também presidiu o Comitê Orçamentário.

Ninguém, talvez nem sequer o próprio Sanders, poderia ter previsto que ele faria duas campanhas dignas de crédito para se tornar o candidato presidencial pelo Partido Democrata. Na entrevista, Sanders não quis falar sobre política, mas de políticas públicas. "Gastamos o dobro per capita com saúde que outros países industrializados, mas temos 85 milhões de pessoas sem seguro médico ou com seguro insuficiente".

"Logo, temos um sistema que não está funcionando. O sistema é escorado pelo poder das seguradoras e de algumas empresas farmacêuticas", continuou, "e farei o que puder para mudar essa situação".

Sanders disse querer ouvir da Moderna sobre o plano da empresa de aumentar o preço de sua vacina contra a Covid. Em carta recente a Bancel, ele criticou o executivo por "cobiça corporativa inaceitável" e exortou a empresa a reconsiderar a posição. Um porta-voz da Moderna disse que a empresa sempre "se dispôs a dialogar com partes interessadas do governo" e falou que vai continuar a fazê-lo.

Na audiência em março, Sanders quer que Schultz explique por que a Starbucks está sendo investigada pelo Conselho Nacional de Relações Trabalhistas. O conselho vem investigando a empresa por várias alegações de conduta imprópria, incluindo a acusação de que teria ilegalmente negado aumentos salariais a funcionários sindicalizados e que teria despedido sete funcionários de uma filial em Memphis, no estado do Tennessee, por sua atividade de organização sindical. Posteriormente, um tribunal determinou que esses funcionários fossem readmitidos pela Starbucks.

Com a aposentadoria recente do senador democrata Patrick J. Leahy, depois de 48 anos no cargo, Sanders finalmente é o senador sênior de Vermont. Questionado como é isso, ele disse: "muito bom".

Sanders disse que as pessoas que especulam sobre a possibilidade de ele se candidatar novamente –e quando falou em pessoas, ele quis dizer jornalistas— devem "continuar a especular".

Por quê? "Porque acabei de lhe dizer, e isso é muito sério", respondeu ele com sua expressão carrancuda característica. "Se você pensar no meu histórico, verá que eu levo este trabalho a sério. O objetivo de eleições é eleger pessoas para trabalhar, não para ficar falando em eleições."

Tradução de Clara Allain

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